As emoções dos investigadores

Há cada vez mais sinais de que muitos investigadores ponderam abandonar a Ciência movidos pelo desânimo que decorre da ausência de reconhecimento e valorização do seu trabalho.

Os debates entre investigadores sobre as suas condições de trabalho são sempre ocasiões preenchidas por muitas emoções frequentemente contraditórias. O encantamento pela profissão é quase sempre evocado como razão para a escolher com entusiasmo. Aprender a fazer Ciência exige um grande investimento pessoal, num processo de formação académica que se prolonga por muitos anos com vários momentos de satisfação. Mas as condições em que se faz Ciência são tremendamente incertas, gerando desilusão, desânimo e ansiedade.

A generalidade dos investigadores, ao mesmo tempo que realiza a pesquisa que lhe paga o salário, está também a procurar formas de financiamento que assegurem a continuidade do seu trabalho e das equipas de investigação em que se insere, bem como dos projetos de pesquisa científica a desenvolver. Um dos indícios desta precariedade é o facto de, nos anos de 2018 a 2020, terem sido colocadas a concurso cerca de 2700 vagas para contratos a prazo e apenas 60 para lugares na carreira de investigação científica. A incerteza persistente sobre se será possível continuar a fazer Ciência com qualidade está sempre presente no quotidiano dos investigadores, gerando ansiedade e desilusão.

A atual crise pandémica tornou particularmente evidente a importância da Ciência. A opinião de especialistas, baseada em saberes científicos, é fundamental para decidir estratégias de testagem, vacinação e tratamento da covid-19. Cientistas têm também estudado as implicações da pandemia no trabalho e relações laborais, na Economia, na Educação, na Cultura e, em geral, no bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos. Existem já, em 2021, numerosos trabalhos publicados em revistas científicas com resultados de investigação sobre todos estes assuntos.

A rapidez com que a comunidade científica tem vindo a produzir estudos relevantes para enfrentar a pandemia e as suas consequências é o resultado de longos anos de trabalho de equipas de investigadores que todos precisamos que continuem a existir. Todavia, há cada vez mais sinais de que muitos investigadores ponderam abandonar a Ciência movidos pelo desânimo que decorre da ausência de reconhecimento e valorização do seu trabalho.

É premente definir soluções para o exercício do trabalho científico com dignidade em Portugal. Urge atualizar o Estatuto da Carreira de Investigação Científica, que data de 1999, mas, sobretudo, é indispensável integrar nessa carreira os investigadores que se têm mantido precários durante anos e mesmo décadas. Trata-se de rentabilizar investimentos e financiamentos passados e atuais, optando pela estabilidade e sustentabilidade de equipas e projetos de investigação, porque fazer Ciência requer um tempo longo até se obterem resultados. É agora o momento de fazer com que encantamento, entusiasmo e satisfação prevaleçam sobre desilusão, desânimo e ansiedade.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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