Decisão sobre IVA da electricidade fica para o último dia – e pode passar pelos 6 ou 13% em Outubro

Só hoje o Parlamento deverá encerrar a questão da descida do IVA da electricidade. É muito provável que o PSD vote as propostas de PCP e BE e espera conseguir que o CDS também se junte - o que poderá ser difícil. Se a redução for aprovada, o PS poderá ter de vir ajudar a conter estragos aprovando a data de entrada em vigor em Outubro.

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LUSA/NUNO VEIGA

A decisão sobre se o IVA da electricidade e do gás vai mesmo baixar (e quando) só será tomada nesta quinta-feira de manhã na repetição de algumas votações no plenário, e pode acabar por ser um daqueles casos em que a vingança se serve fria. Ao mesmo tempo que é uma jogada política com dores de cabeça para todos. Neste caso, uma jogada de vingança do PSD sobre o PS e até sobre o resto da esquerda - possivelmente ainda um resquício do episódio dos professores.

Mas, para isso, o PSD ainda vai ter de esforçar-se muito. E precisa que o CDS faça nas propostas de redução do IVA da electricidade o que disse que faria com a do PSD: abster-se. Mas para isso resultar, também precisa do PEV e/ou de Joacine Katar Moreira. Ou, mais difícil ainda, que o CDS-PP vote a favor. Mas já lá vamos.

Depois de chumbadas as propostas do PCP e do Chega (para a descida do IVA de toda a electricidade e gás de imediato para 6%), do Bloco (descida da luz e gás natural para 13% em Julho), da IL, assim como das contrapartidas do PSD (entrada em vigor em Outubro e cortes na despesa dos gabinetes; só a do IVA nos 6% para consumo doméstico foi retirada e não pode ser avocada), os sociais-democratas vão levar novamente à votação, desta vez em plenário, os seus textos sobre a redução e os do PCP e Bloco. Porque em plenário há mais três votos de deputados do que na Comissão de Orçamento e Finanças, já que o PEV e Joacine Katar Moreira não a integram.

É quase certo que os 79 deputados do PSD votem a favor de todos, admitiu o social-democrata Duarte Pacheco no final dos trabalhos da comissão (ou então, por que razão os avocariam?). O que força PCP (10 deputados) e BE (19) a votarem a favor dos seus próprios textos, a que se juntam o Chega (1), IL (1), e em princípio o PEV (2). São assim 112 a favor da descida, contra os 112 do PS e PAN contra a descida.

PSD pressiona CDS

Neste ponto (empate), o ideal seria que o CDS (que tanto ataca a “maior carga fiscal de sempre” que este Governo promove), votasse a favor da redução. E ficaria aprovada por 117-113. O que não será fácil, já que na comissão os centristas votaram ao lado do PS, contra a descida. O PSD até provoca o CDS e o PCP dizendo que António Costa agora “manda” no Caldas e no Comité Central. E se os comunistas estão habituados a críticas, o novo líder do CDS poderá ter oportunidade de mostrar que veio mesmo para fazer oposição e votar contra o Governo. É nestas questões que o PSD está, também, a apostar - um jogo que sabe ser arriscado, mas em que já há pouco a perder.

Com o empate nos 112 para cada lado e cinco abstenções, a chave da solução estaria no voto de Joacine Katar Moreira - que poderia optar entre baixar o imposto ou aliar-se ao Governo.

Caso o PSD conseguisse aprovar a descida com a votação do projecto do PCP (o primeiro a ser votado) ou do Bloco (o segundo), o PS ver-se-ia obrigado a votar a favor da data de 1 de Outubro do PSD ou de 1 de Julho do Bloco para tentar conter os danos orçamentais da medida. “Estamos fortemente empenhados em baixar o IVA da electricidade para as famílias portuguesas e não desistimos até ao último segundo”, vincou o deputado social-democrata Duarte Pacheco na comissão. Como vingança pela polémica dos professores, o enredo não é mau, mas tudo isto são, por enquanto, conjecturas e hipóteses.

Na quarta-feira à noite, todas as propostas de redução do IVA da electricidade e do gás para 6% e 13% foram chumbadas.

A primeira a ser votada e chumbada foi a proposta do Chega. Só o Bloco fez o que prometera, votando a favor. A redução da electricidade para os 6% de IVA foi rejeitada com os votos contra do PS, PAN e CDS; PSD, IL e PCP abstiveram-se. E a do gás natural, só o Chega votou a favor. PS, CDS e PAN votaram contra enquanto PSD, Bloco, PCP e Iniciativa Liberal se abstiveram.

O PSD jogou a sua cartada: deixou cair os cortes na despesa (que na última versão já só eram 8,4 milhões de euros), e já só exigia que a entrada em vigor da taxa de IVA de 6% para os consumidores domésticos fosse 1 de Outubro em vez de 1 de Julho. Mas com esta proposta também chumbada, o PSD decidiu retirar do guião de votações a proposta para a efectiva redução, como prometera.

A jogada do PSD apanhou de surpresa PCP, que ao PÚBLICO começou por dizer que não aceitava qualquer contrapartida, e acabou por abster-se na data. O PCP disse mesmo que não faz sentido este tacticismo do PSD, que primeiro propunha 1 de Julho para a redução entrar em vigor e depois a mudou ao “sabor do vento”.

O CDS anunciara que iria abster-se, o que faria com que a proposta do PSD chumbasse na comissão, e assim fez. Do lado do contra, PS e PAN contam 112 votos.

Jogo de nervos

Já se sabia que a redução da taxa de IVA na electricidade para 6% ia ser o tema que mais dores de cabeça daria ao Governo em todo o processo orçamental. E foi. Tal como no caso do tempo de serviço dos professores, em Maio de 2019, a pressão política foi aumentando de parte a parte desde o final da manhã de ontem.

Depois de Rui Rio ter surpreendido o Parlamento com uma nova proposta de redução do IVA da electricidade, à qual o BE abriu logo a porta à viabilização, os socialistas começaram a mostrar nervosismo. Carlos César, presidente do partido, foi o mais contundente ao admitir, ao PÚBLICO, a demissão do executivo. “Se essa solução [do PSD] for aprovada, acho que o Orçamento do Estado ficará desvirtuado e muito dificilmente exequível para manter o equilíbrio inicialmente proposto, pelo que será necessário ponderar seriamente o que fazer”, ameaçou. António Costa disse apenas, a partir de Bruxelas, ter “esperança” de que o bom senso venha a prevalecer. 

Ainda de manhã falou Ana Catarina Mendes, líder da bancada do PS. Disse que era um “embuste”, uma “bomba”, uma “manobra de teatro”. “É uma tremenda irresponsabilidade, de gravidade sem precedentes, que coloca em causa a aprovação deste OE”, concluiu a deputada. Seguiu-se Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. “O debate é democrático e respeitamos o Parlamento. Mas têm de assumir as consequências por inteiro. Inclusivamente se criam ou não condições para governar o país”, declarou.

Também José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, achou por bem comentar o assunto. “A ética da República exige que o presidente do PSD diga com clareza onde vai cortar. O doutor Rui Rio vai cortar nas pensões, nas actualizações dos salários dos trabalhadores da administração pública, nas políticas de investimento público, ou na educação, ensino superior e saúde?”, questionou.

Em relação aos impactos orçamentais da medida, os números que cada um dos lados apresenta não podem ser mais distintos. Enquanto o Governo diz que medida implica em termos anuais (800 milhões de euros, olhando já para 2021), o PSD apresentou as suas contas projectando uma perda de receita anual bastante inferior, de 376 milhões de euros (o que implicaria menos 94 milhões este ano porque a medida só estaria em vigor nos últimos três meses de 2020).

Não foi a única proposta do PSD que criou sobressalto no Governo. Outra surpresa foi o voto a favor da suspensão do projecto da linha circular do metro em Lisboa durante um ano, algo que surpreendeu o vice-presidente do partido, David Justino. Em declarações à TSF, o dirigente social-democrata disse desconhecer a “vantagem” de suspender a obra embora admitisse que teria de perceber a decisão tomada pelo PSD de votar a favor da proposta do PAN. “Tentar travar uma obra destas não sei qual é a vantagem. Tenho de me informar um bocadinho melhor mas confesso que não é algo que goste”, afirmou. Além do PSD, o Bloco, o PCP e o Chega também votaram a favor; o CDS e a IL abstiveram-se e os socialistas votaram contra.

Num dia de decisões difíceis, os deputados aprovaram - todos menos os do CDS - o fim das taxas moderadoras nas consultas em centros de saúde (cuidados de saúde primários). A medida, apresentada pelo Bloco de Esquerda, já havia sido negociada com o Governo e teve, por isso, o voto favorável do PS. O mesmo aconteceu com a redução do valor máximo das propinas em 20% (passa 871 euros para 697 euros).

Outras aprovações do dia incluíram ainda a isenção de fiscalização prévia por parte do Tribunal de Contas de todas as aquisições e reabilitações de imóveis destinados a habitação com renda acessível ou alojamento de estudantes e o fim dos emolumentos (200 euros) nas mudanças de género no registo civil.

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