Aviso de Carlos Silva: “Não me vou embora sem dar um murro na mesa!”

Líder da UGT explica a sua desilusão com o Governo, conta como o sindicalista Rui Riso foi afastado de deputado e alega que aumento de 0,3% na função pública é “bofetada com luva de boxe”

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Carlos Silva acusa o Governo de desconsiderar o movimento sindical Daniel Rocha

São questões “político-sindicais” e não pessoais as que levaram Carlos Silva a anunciar que deixará a liderança da UGT no próximo congresso da central sindical em Abril de 2021. Com mais de um ano de antecedência, Carlos Silva fez saber, no domingo passado em entrevista ao Porto Canal, que não será candidato a um terceiro mandato.

“Se me vou embora é porque estou amargurado com o comportamento do PS em relação ao movimento sindical. Eu não tenho quaisquer razões para continuar neste combate. Não atiro a toalha ao chão e cumpro o meu mandato até ao fim, mas não me calo e não me vou embora sem dar um murro na mesa”, afirmou ao PÚBLICO.

Uma sucessão de acontecimentos motivou a sua decisão, que já estava na sua cabeça por defender a necessidade de renovação nos cargos. Mas foram as atitudes do Governo que tomaram a decisão irreversível. “Esperava, de um governo socialista, que houvesse outra capacidade de entendimento com o movimento sindical, e as coisas não começaram bem quando os sindicalistas socialistas, pela primeira vez na história do PS, foram escorraçados das listas para a Assembleia da República”, diz.

Se a ex-deputada Wanda Guimarães saiu do parlamento por sua própria iniciativa, já Rui Riso, o sindicalista que integrara as listas socialistas nas eleições de 2015 foi afastado unilateralmente: “Nem sequer foi abordado, nem lhe deram qualquer explicação. Trataram-no como um cão abandonado à beira da estrada”. Não foi convidado mais nenhum sindicalista, afirma Carlos Silva, com um desabafo: “É de um ostracismo a que eu não estava habituado em 40 anos de militância do PS”.

Se esse é o tipo de coisa “que não se esquece mas passa”, o pior veio depois, prossegue o líder da UGT. Quando ouviram a promessa de valorizar os salários feita pelo PS na campanha eleitoral, os sindicalistas ficaram expectantes, após 10 anos sem aumentos da Função Pública e com o ratio de baixos salários do país nos rankings europeus. “Eis senão quando o Governo alterou o discurso na concertação social e coloca a questão da competitividade, da economia e do apoio às empresas como prioridade absoluta, relegando as questões dos trabalhadores eventualmente para 2021”, aponta.

A seguir veio a proposta de aumento de 0,3% para a Função Pública. “É uma bofetada e não é de luva branca, é de luva de boxe”, considera Carlos Silva, acrescentando que a situação agravou-se com o facto de o Governo defender aumentos de 2,7% para o sector privado. E por último critica a “recusa do Governo em negociar” com os sindicatos antes da aprovação final do Orçamento do Estado. “Isso é um ultraje”, atira.

“Quem tanto criticou o Governo de Passos Coelho por inflexibilidade, por ir para além da troika como fez o PS, além do movimento sindical, agora que tem a oportunidade de, num segundo mandato, inverter alguns desses retrocessos, melhorar as condições de vida dos trabalhadores e apostar no diálogo, agora vira as costas aos sindicatos e trata-nos como se fossemos dispensáveis? Que diabo, já se esqueceram que foi o Mário Soares, o Salgado Zenha, o Maldonado Gonelha e outros socialistas que deram o pontapé de saída para o movimento sindical que temos?”

O desconforto de Carlos Silva não é só seu, sequer só da UGT, afirma: “O Governo conseguiu congregar contra si todos os sindicatos da Função Pública, das duas centrais e até independentes, que aderiram à greve marcada para 31 de Janeiro, por decidir afrontar o movimento sindical de forma gratuita. É uma arrogância inaceitável”.

Sucessor escolhido até ao Verão

Quanto à antecipação com que fez o anúncio, Carlos Silva diz que é o normal e lembra que o seu nome como sucessor de João Proença foi indicado em Julho de 2012, embora só confirmado no Congresso de Abril de 2013. Já João Proença não tem certeza de que esse seja um assunto fechado, acreditando que Carlos Silva ainda se possa manter no cargo.

“O problema não é com a UGT, é uma questão pessoal entre Carlos Silva e o primeiro-ministro”, disse o ex-líder da UGT ao PÚBLICO. “O dr. António Costa tem alguma dificuldade em aceitar as diferenças. Como Carlos Silva esteve contra a ‘geringonça’, começaram-se a criar algumas dificuldades nas relações pessoais entre eles”, acrescenta

É uma questão pessoal? “Essa é uma boa pergunta para o dr. António Costa. Para mim é uma questão institucional, política”, responde Carlos Silva. Agora que está aberto o processo da sua sucessão, Carlos Silva diz que não há nenhum motivo de preocupação: “Temos muita gente com qualidade na UGT”. O seu sucessor deverá ser “por princípio um socialista, porque a tendência socialista é a mais relevante, deverá merecer o consenso dos companheiros social-democratas e essa escolha deve acontecer até ao Verão, como é tradição da UGT”, expõe ao PÚBLICO.

Apesar do descontentamento, Carlos Silva garante que não vai deixar de ser militante do PS, como fez Paulo Pedroso. No dia seguinte à entrevista ao Porto Canal, o líder da UGT recebeu a solidariedade daquele antigo ministro do Trabalho do PS, que num post no Facebook criticou a forma como o Governo socialista tem lidado com o movimento sindical e foi nesse texto que Pedroso revelou já não ser militante do PS.

“Fiquei estupefacto, tenho muita pena”, diz Carlos Silva. “De quem foi ministro do Trabalho, que aguentou estoicamente um processo complicado contra a sua pessoa, acabando por ser absolvido e indemnizado pelo Estado, teve a confiança do Governo para ir para o Banco Mundial, é o marido da líder parlamentar do PS, [esta decisão] é surpreendente. E tenho muita pena, porque o Paulo é um grande pensador, que reflecte muito bem sobre o mundo do trabalho e é profundamente conhecedor da Segurança Social”, sublinha o líder da UGT.

O PÚBLICO tentou contactar Paulo Pedroso para perceber os motivos da sua desfiliação, sem sucesso. O professor universitário está a terminar o mandato no Banco Mundial e tudo indica que não quer falar antes disso. Nas redes sociais e nas colunas de opinião, no entanto, tem escrito com frequência sobre as políticas do Governo, ora elogiando, ora criticando, de forma livre.

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