Caracas minimiza actualização do relatório da ONU sobre tortura e execuções

A nova actualização do relatório Bachelet manifesta preocupação com o aumento das denúncias de perseguição política. “Não nos vai tirar o sono, não nos deixaremos chantagear”, respondeu o presidente da Assembleia Constituinte.

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Num protesto em Caracas, em memória das vítimas de crimes violentos Reuters/UESLEI MARCELINO

A Venezuela minimizou nesta terça-feira a actualização do relatório da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, apresentado na segunda-feira em Genebra e que alerta para o aumento de torturas e execuções.

Ao apresentar a actualização do relatório elaborado em Julho, Bachelet voltou a manifestar preocupação com o aumento das denúncias de perseguição política, execuções extrajudiciais, deterioração da economia e falhas nos serviços públicos. Também precisou que Caracas não acatou a recomendação de dissolver as Forças Especiais (FAES).

Em resposta, o presidente da Assembleia Constituinte, Diosdado Cabello, disse que as denúncias de Michelle Bachelet não lhe “tiram o sono”, uma vez que fazem parte de uma “sanha” contra o país.

“Não nos vai tirar o sono, não nos deixaremos chantagear”, disse Cabello, durante uma conferência de imprensa do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, o partido do Governo), em Caracas.

Cabello, que é tido como o segundo homem mais forte do chavismo, depois de Nicolás Maduro, reiterou também a tese de que o relatório sobre a situação dos direitos humanos no país foi elaborado pelo enviado especial dos EUA para a Venezuela, Elliot Abrams, e que Bachelet “o assinou”. “Vamos continuar a respeitar os Direitos Humanos, porque assim estabelece a nossa Constituição”, declarou Cabello.

Por outro lado, o presidente do parlamento, o opositor Juan Guaidó, pediu “mais acções” de parte da ONU contra “a ditadura”. “Fica ratificado [na actualização do relatório] que a Venezuela vive uma ditadura sem legendas (...) faltam agora acções, não apenas da ONU, mas também dos países vizinhos”, disse aos jornalistas.

Na segunda-feira, ao actualizar o relatório apresentado em Julho último, Bachelet também deu conta de que foram documentados “casos de tortura e maus-tratos, tanto físicos como psicológicos, de pessoas arbitrariamente privadas da liberdade, militares em particular”. 

Disse que “a situação dos Direitos Humanos continua a afectar milhares de pessoas na Venezuela” e alertou para o risco de a Venezuela aprovar uma lei que proíbe as organizações não-governamentais de receberem financiamento estrangeiro, considerando que “reduzirá ainda mais o espaço democrático” nesse país em crise.

Em Julho, Bachelet já tinha denunciado, num relatório, a “erosão do Estado de Direito” na Venezuela, dando conta de execuções extrajudiciais, existência de esquadrões de morte, repressão violenta contra opositores e críticos de Nicolás Maduro, manipulação de cenários de crime, responsabilidade na morte de 5287 pessoas em 2018 e de outras 1569 nos primeiros cinco meses deste ano.

Segundo o documento publicado no início de Julho, que resulta de uma visita de Bachelet e da sua equipa ao país e de centenas de entrevistas a vitimas e activistas, as execuções extrajudiciais, justificadas por actos de “resistência às autoridades”, fazem parte de uma estratégia para “neutralizar, reprimir e criminalizar opositores políticos e pessoas críticas do Governo” chavista. 

A ONU cita testemunhas para acusar as Forças Especiais venezuelanas de “manipulação de cenas de crime e de provas”, de forma a poder incriminar as vítimas e justificar a utilização de violência extrema contra elas. “Colocavam armas e drogas [no cenário do crime] e disparavam contra as paredes ou o tecto para sugerir um enfrentamento e demonstrar que a vítima tinha ‘resistido à autoridade’”, refere o relatório.

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