Mikhail Kornienko veio a Portugal explicar como é passar 340 dias no espaço

É um dos seres humanos que mais tempo passou na Estação Espacial Internacional e esteve no Porto para inagurar uma réplica do Sputnik-1, o primeiro satélite a ser lançado da Terra e que marcou o início da corrida espacial. Pelo meio, o cosmonauta Mikhail Kornienko falou sobre a vida num local onde se vê o planeta Terra da janela.

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O cosmonauta Mikhail Kornienko ADRIANO MIRANDA
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A réplica do satélite Sputnik ADRIANO MIRANDA
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Não os conseguiu contar pelos dedos das mãos, nem de perto nem de longe. Ao todo, o cosmonauta russo Mikhail Kornienko chegou a passar 516 dias, dez horas e um minuto a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). Em 2010, foi ao espaço pela primeira vez a bordo da nave Soiuz TMA-18, para uma estadia de 176 dias. Entre 2015 e 2016, juntou-se ao norte-americano Scott Kelly na “One Year Mission”, da qual resultou aquela que é até hoje a estadia mais longa de uma equipa na estação, num total de 340 dias. 

Foi a propósito de um projecto de Rui Moura, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto que o cosmonauta esteve esta sexta-feira numa palestra organizada por aquela instituição. O docente construiu um modelo à escala real do Sputnik-1​, o primeiro satélite lançado da Terra e que marcou o início da corrida espacial.

A iniciativa desta sexta-feira marcou não só a inauguração do projecto do docente e a sua oferta à faculdade onde lecciona, mas também a vinda do cosmonauta a Portugal. Mikhail Kornienko, uma das pessoas que mais tempo passou a bordo da ISS a par com Scott Kelly, veio falar da sua perspectiva de vida no espaço.

Sobre o que o inspirou a ser cosmonauta, Mikhail Kornienko, de 58 anos, diz que foi um conjunto de factores, entre eles a viagem de Iuri Gagarine, o cosmonauta responsável pelo primeiro voo espacial tripulado da história. “O meu pai era piloto de um helicóptero militar e fazia parte de uma equipa de salvamento e resgate, talvez também seja daí. Na minha infância, todos os rapazes e raparigas sonhavam ser cosmonautas. E eu também”, diz.

Quando Kornienko, cosmonauta da agência espacial russa Roscosmos,​ recebeu o convite, simplesmente não conseguiu dizer que não. Tinha esperado 20 anos entre o primeiro pedido e a ida efectiva ao espaço. Para o cosmonauta, o regresso à Terra foi provavelmente o período mais difícil da experiência, uma vez que as condições de baixa gravidade lhe causaram estranheza, dores nas costelas e nas costas e um mal-estar geral. “A determinada altura da viagem, nada depende da tripulação e tudo se torna mais perigoso, tanto na ida como na volta, isto era o que mais me punha nervoso. Depois de abrir o pára-quedas já ficava mais relaxado e quando aterrávamos, apesar de o impacto não ser suave, era um alívio conseguir respirar o ar da Terra”, conta o cosmonauta.

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“A Terra é redonda”

Questionado sobre o que sentiu da primeira vez que viu a Terra do espaço, Kornienko confirmou que era redonda. A plateia ri com a ironia do cosmonauta, mas depois silencia-se para o ouvir dizer que ao fim de 20 anos de expectativas tinha chegado finalmente ao cosmos.

Durante a sua estadia no espaço, o engenheiro afirmou que assim que a nave se juntou à Estação Espacial Internacional quis logo voltar a casa. Apesar da pressão da missão, Mikhail Kornienko garante que não voltaria à Terra a não ser que fosse essencial, uma vez que existiam milhares de pessoas que tinham depositado confiança no trabalho que estava ali a desenvolver.

Do tempo que passou sem os pés assentes no chão, Kornienko começou a formar a opinião que a humanidade é uma experiência suicida. “Percebi que tratamos muito mal o nosso planeta e nesse aspecto mudei desde que lá estive. Agora, em todas as minhas intervenções, apelo a toda a gente que comece por si própria porque não podemos ter ilhas de plástico no oceano. É uma visão terrível.”

Durante a sua estadia na ISS, ele e outros astronautas foram alvo de várias experiências médicas na área da medicina, biologia, psicologia e capacidade de reacção e memória. Os contributos desses testes ainda não são conhecidos, mas Kornienko garante que​ este tipo de projectos pode ajudar todos aqueles que vão viajar para o espaço daqui para frente a superar todas as dificuldades dos voos cósmicos. “Este foi um passo pequeno em direcção a Marte”, garante, acrescentando que se fosse convidado iria mais um ano para o espaço.

Quando lhe perguntaram o que sentiu mais falta da Terra, menciona a Terra em si, os rios ou as folhas. O cosmonauta acabou por arranjar forma de combater a saudade. “Pedi para me enviarem imagens da Terra, não da perspectiva que eu tinha, mas da de quem lá estava em baixo e colei-as em toda a estação espacial. Também me enviaram vários áudio como os sons de uma aldeia, o cacarejar dos galos e o barulho dos trovões ou da chuva.”

Para descansar no seu tempo livre, os astronautas tinham acesso a uma biblioteca de filmes, podiam falar com a família e amigos, fazer desporto, ou ouvir música, um elemento que estava sempre presente quer fosse música clássica ou rock. “No entanto, eu não gostava de descansar porque o espaço não é bom para isso. Quando se trabalha o tempo passa rápido”, diz. 

A iniciativa desta sexta-feira serviu também para comemorar o Dia Internacional do Voo Espacial Tripulado e aniversário do primeiro voo espacial levado a cabo por Iuri Gagarine a 12 de Abril 1961. O evento, organizado em colaboração com o conselheiro cultural da embaixada russa em Portugal, insere-se nas comemorações dos 240 anos de relações entre os dois países.

“​Misha”​

No livro Endurance – Um Ano no Espaço, Uma Vida de Descobertas, de Scott Kelly, o astronauta que acompanhou Kornienko na viagem que terminou em 2016, há várias referências ao cosmonauta russo, lá apelidado de Misha. O norte-americano descreve Misha como sendo “informal, sossegado e contemplativo”. Scott Kelly diz que, apesar dos conflitos passados entre as duas nações, os norte-americanos e os russos se dão sem problemas na ISS – ainda que vivam e trabalhem em módulos separados a maior parte do tempo. “Fazemos um esforço para conhecermos e respeitarmos a cultura dos outros”, escreve Kelly. E, para ele, a ISS é “o projecto internacional mais longo da história, em tempo de paz”.

Há todo um processo que os astronautas devem seguir antes de entrarem na cápsula que os levará ao espaço. É feita uma lavagem aos intestinos, há todo o tipo de cuidados para não levarem germes para o espaço, vestem um fato especial. Antes de partirem, sentem o “peso da tradição”: horas antes de ir ao espaço, em 1961, o cosmonauta soviético Iuri Gagarine – que com 27 anos se tornou o primeiro homem a viajar no espaço fazendo uma órbita completa à Terra – pediu para encostar o autocarro para urinar. Agora, todos os astronautas têm de o fazer no mesmo sítio – mesmo que a fingir.

Para Kornienko não existem para já voos planeados, mas há uma viagem especial a ser preparada: depois de 62 anos do primeiro satélite artificial ter ido para espaço, há agora uma réplica à escala real do Sputnik- 1 que vai andar a saltar de departamento em departamento da Faculdade de Ciências do Porto.

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