Associação de juízes revela que chegou a acordo com Governo sobre matérias do Estatuto

Presidente da associação não forneceu detalhes sobre as matérias acordadas no domínio remuneratório, argumentando que cabe à ministra fazer chegar essas propostas acordadas aos deputados.

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Rui Gaudencio

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) revelou nesta terça-feira que foi obtido, recentemente, um acordo com a ministra da Justiça sobre matérias, nomeadamente remuneratórias, relativas ao estatuto da classe, diploma que está em discussão no parlamento.

“Nos últimos meses foi possível reabrir as negociações e foi possível ao Governo formalizar um conjunto de propostas que têm o nosso consenso”, disse Manuel Soares na audição na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei do Estatuto dos Magistrados Judiciais, após iniciativa do grupo parlamentar do PSD.

Manuel Soares vincou que o acordo alcançado com a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, é uma “solução de meio termo”, já que há uma série de outras questões, relacionadas com matéria disciplinar, poderes dos presidentes dos tribunais de primeira instância e do Conselho Superior da Magistratura (CSM), em que a ASJP entende que devem ser alteradas e ainda não tiveram aceitação pelo Governo.

Quanto ao conjunto de propostas em que houve acordo com a ministra, o presidente da ASJP salientou junto dos deputados da Assembleia da República que o mesmo foi alcançado de “boa fé”, não tendo quaisquer razões para duvidar do seu cumprimento, adiantando que a governante se comprometeu a enviar as alterações acordadas para os deputados, os quais têm a legitimidade para aprovar o diploma.

Manuel Soares reconheceu que, apesar de o acordo ter sido alcançado com o Ministério da Justiça, a competência legislativa é da Assembleia da República, manifestando a convicção de que os deputados cumprirão a promessa anteriormente feita à ASJP que não inviabilizariam qualquer acordo que fosse alcançado pelos juízes com o Governo sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

O parlamentar do PSD Carlos Abreu Amorim manifestou a estranheza pelo facto de os deputados da primeira Comissão ainda não terem tido conhecimento das alterações acordadas com o Ministério da Justiça e que o Governo já teria enviado para a Assembleia da República.

O deputado lavrou o seu protesto, considerando que tal facto deixa os deputados num “jogo de cabra cega” tendo o presidente da primeira Comissão Parlamentar garantido que nada lhe foi entregue, nem ao grupo de trabalho que acompanha o diploma.

PSD quer saber qual é o impacto financeiro

Manuel Soares não forneceu detalhes sobre as matérias acordadas no domínio remuneratório, argumentando que cabe à ministra fazer chegar essas propostas acordadas com a ASJP aos deputados, isto já depois de Carlos Abreu Amorim ter questionado sobre qual seria o impacto financeiro e orçamental do acordo firmado.

O deputado social-democrata advertiu, contudo, que as promessas do Governo sobre a aprovação do Estatuto dos juízes foram feitas sucessivamente desde 2016 e nunca cumpridas, interrogando-se se será desta vez, em ano eleitoral, que se concretizam.

Apesar de haver um conjunto de propostas em que se alcançou acordo, Manuel Soares enumerou várias outras questões, de carácter não-remuneratório, que a ASJP gostaria de fossem alteradas, tanto mais que algumas delas mexem com a independência e as funções jurisdicionais dos juízes.

Entre as objecções que a ASJP ainda coloca à proposta de revisão do Estatuto estão os poderes que estão atribuídos aos presidentes dos tribunais e ao CSM em questões administrativas que interferem na esfera judicial.

“Se não pararmos agora de fazer esse caminho, haverá interferência nas decisões” no futuro, alertou.

O presidente da ASJP apresentou aos deputados a oposição da ASJP ao teor de matérias como garantias de desempenho da função (de juiz), dever de cooperação com outros órgãos do Estado e à possibilidade de o CSM dar instruções para o trabalho dos juízes, as quais na prática colidem com o poder jurisdicional e a independência do magistrado judicial.

Manuel Soares considerou ainda “desnecessário” que o CSM surja designado no diploma como “órgão superior de governo dos juízes” e reiterou a ideia de que o CSM não pode emitir instruções vinculativas para o serviço judicial, lembrando o que está a acontecer na Polónia e na Hungria.

“Não devemos consagrar normas que permitem interpretações abusivas e que permite ao CSM obstruir com a sua intervenção o serviço dos juízes”, considerou.

Entre outras sugestões deixadas aos deputados, o presidente da ASJP defendeu o alargamento dos impedimentos de os juízes participarem em órgãos ligados ao futebol e também de participarem em actos públicos ou privados de natureza política.

Uma vez que as próximas eleições para os vogais do CSM estão próximas e deverão realizar-se antes da aprovação do estatuto, Manuel Soares alertou ainda para o risco de os vogais eleitos extravasarem em um ano o seu mandato previsto de três anos, o que poderia constituiria uma inconstitucionalidade formal.

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