António Costa: “O euro foi o maior bónus à economia alemã que a Europa poderia ter oferecido”

Numa grande entrevista na edição deste domingo, conduzida por Teresa de Sousa, o primeiro-ministro admite uma nova crise do euro se não forem corrigidas a tempo as assimetrias provocadas pela moeda única.

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Nuno Ferreira Santos

Houve um “excesso de voluntarismo político” aquando da decisão de criar a moeda única europeia. Não se percebeu, na altura, “que o euro foi o maior bónus à competitividade da economia alemã que a Europa lhe poderia ter oferecido”. Se não se corrigirem a tempo as assimetrias provocadas pelo euro, “a zona euro será mais uma vez confrontada com uma crise como a que vivemos agora”, que pode condenar a prazo a união monetária. António Costa fala com desassombro daquilo que ainda falta fazer para que o euro seja uma vantagem para todos os países que o partilham.

“O pior erro que poderíamos cometer era, à boleia do crescimento económico, termos a ilusão de que os problemas estruturais da zona euro ficaram resolvido”, diz. “Esse foi precisamente o erro que nos acompanhou desde 2000 até 2011”. Mas admite também que o debate sobre as reformas da zona euro é hoje diferente do que era quando a crise eclodiu, atingindo sobretudo os países do Sul. E acredita que um dos instrumentos, mesmo que não o único, para consolidar a união monetária – um orçamento da zona euro destinado a financiar reformas para acelerar a convergência real das economias, ainda que não com as funções de estabilização perante choques assimétricos – pode ser aprovado já em Junho pelo Conselho Europeu.

Numa longa entrevista ao PÚBLICO, que publicamos na íntegra este domingo [clique para ler] e que integra a série “A Europa e o Presente”, o primeiro-ministro português fala do crescimento do nacionalismo e do populismo, da crise das democracias liberais, das razões que a podem explicar – desde o rápido crescimento das desigualdades provocado pela globalização até à forma como foi mal gerida a crise dos refugiados ou o problema das migrações que veio para ficar nas próximas décadas.

Defende a criação de impostos europeus, como a única maneira, directa ou indirecta, de financiar o orçamento comunitário. “Vamos ter uma redução significativa das contribuições para o Orçamento com a saída do Reino Unido, vamos ter de investir mais na protecção das fronteiras, na segurança e defesa, na ciência, ou seja, vamos ter novas despesas e menos receitas”.

A conclusão, para Costa, é simples: “Ou estamos disponíveis para sacrificar a parte do Orçamento afecta às políticas de coesão e à PAC, ou temos de encontrar outras fontes de receita.” Que podem ser o aumento das contribuições dos Estados, “e isso significa mais impostos dos portugueses”, ou receitas próprias criadas pela União, nomeadamente através de impostos europeus. A questão é saber, diz o primeiro-ministro, que impostos europeus se podem criar. “A tributação sobre os gigantes tecnológicos americanos não incide sobre nenhum português, apenas repõe a igualdade entre a Amazon e os distribuidores de livros em Portugal.”

Critica eventuais alterações às leis da concorrência na União Europeia, se se destinarem a permitir a criação dos chamados “campeões europeus”, “nos países mais desenvolvidos”. “Os países da União têm de perceber que hoje, na economia, a globalização faz com que a zona euro não possa ser um espaço de competição interna entre países, mas tem de ser, ela própria, um espaço de competição à escala global”. “Mas devemos manter uma função essencial da política de concorrência – evitar a concentração que conduz ao abuso de posição dominante e à esterilização das economias periféricas”, acrescenta.

Teme a reacção ao investimento chinês, hoje visível em Berlim ou em Paris. “A Europa tem de perceber que, neste século XXI, não está sozinha no mundo e que não pode estar em guerra comercial com os Estados Unidos e com a China, numa tensão militar com a Rússia, fechar as fronteiras à Turquia, como se estivéssemos nom final do século XIX”, defende.

Lembra que o porto de Sines, que coloca Portugal na iniciativa chinesa One Belt, One Road, devia ser valorizado e não criticado pela União Europeia, que depende do gás natural importado da Argélia e da Rússia e que poderia ter uma alternativa no gás importando dos EUA. “Vamos colocar entraves a uma infra-estrutura na fachada atlântica que pode ser a porta de entrada para o gás natural proveniente dos Estados Unidos. A Rússia é um país democrático?”, interroga António Costa para concluir: “No dia em que estiver numa Europa fechada sobre si própria, Portugal abdica daquilo que é uma matriz fundamental da sua própria identidade.” Da mesma maneira, o primeiro-ministro reconhece que a saída do Reino Unido obriga os países do arco atlântico, como Portugal, a encontrar “uma nova forma de afirmação relativamente às vocações mais continentais da União”.

Optimista sobre o futuro ainda que realista sobre o presente, António Costa lembra que há hoje, apesar de tudo, no Conselho Europeu uma ampla aliança que vai de Alexis Tsipras a Angela Merkel, unida na defesa da mesma visão comum sobre a Europa e os seus valores. O que não dispensa uma outra aliança “progressista”, que vai do primeiro-ministro grego ao Presidente francês, para abrir espaço a uma agenda social europeia, à consolidação “vital” da zona euro e a uma outra forma de gerir a economia. Mas também reconhece que “as forças políticas favoráveis a um novo contrato social não são, neste momento, as dominantes”.

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