Monumento ao Precário Desconhecido inaugurado em Lisboa

Além de homenagear o investigador com vínculo precário, o Monumento ao Precário Desconhecido pretende ser um símbolo de combate à precariedade na ciência e no ensino superior e irá percorrer o país.

Foto
A inauguração foi feita em frente à Presidência do Conselho de Ministros MIGUEL A. LOPES/LUSA

Durante a manhã desta quinta-feira, entre 50 e 100 pessoas ligadas à ciência e ao ensino superior inauguraram o Monumento ao Precário Desconhecido em frente à Presidência do Conselho de Ministros, em Lisboa. Este monumento itinerante representa a situação do investigador (e outras carreiras científicas) com vínculo precário.

Em cima do palco, estava um manequim com uma bata branca que tinha uma mesa à frente e dois quadros atrás: um deles tinha um docente e dois artigos da Constituição da República Portuguesa (o direito ao trabalho e o direito dos trabalhadores); e o outro quadro tinha a silhueta de dois cientistas. É este o Monumento ao Precário Desconhecido.

“[Este monumento] representa o investigador com vínculo precário que está nas instituições há muitos anos”, afirmou ao PÚBLICO  Sandra Pereira, dirigente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), uma das organizadoras desta iniciativa juntamente com a Fenprof e o Sindep (Sindicato Nacional e Democrático dos Professores).

“Queremos homenagear as pessoas que trabalham há anos nas universidades com vínculos precários – de quem não se fala –, mas que fazem muito trabalho, como os técnicos de laboratório, bolseiros de projectos, doutorandos, bolseiros de pós-doutoramento e docentes convidados. Gostávamos que os vínculos [precários] fossem tão breves quanto o monumento.” Afinal, este monumento vai circular pelo país para que, além de homenagear os investigadores, seja um símbolo do combate à precariedade.

Sobre este combate, Sandra Pereira destacou: “Por um lado, [queremos] a consolidação e regularização dos vínculos já existentes. Por outro lado, exigimos uma revogação do estatuto do bolseiro, porque é um instrumento de precarização de todos os trabalhadores.”

A acompanhar a iniciativa estiveram Ana Ricardo e Dulce Belo, duas investigadoras do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, que pertencem ao Núcleo de Investigadores do IST​. Doutorada há quase 17 anos, Dulce Belo (de 47 anos) já foi investigadora contratada pelo IST, teve bolsas de cientista convidada ou uma bolsa de pós-doutoramento. Agora tem um contrato de seis anos ao abrigo da norma transitória do decreto-lei 57/2016 – contratos-programa entre a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e as instituições – na Associação do Instituto Superior Técnico para a Investigação e Desenvolvimento (IST-ID), uma instituição privada sem fins lucrativos.

Contudo, Dulce Belo contou que foi uma surpresa para ela ser contratada por uma instituição privada e não pelo IST. Afinal, a sua afiliação é o IST. “Também tivemos uma grande surpresa na avaliação dos nossos requerimentos ao abrigo do PREVPAP [Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública], que, segundo as indicações que temos, ainda não foram aceites porque fazemos parte de uma instituição privada.”

“Apesar de todas as medidas – que nos deram uma série de esperanças –, nunca me considerei tão precária. É verdade que as bolsas passaram a contratos e isso merece uma nota positiva, mas também foi preciso muita luta para que isso fosse efectivo, porque houve uma resistência enorme por parte das instituições para aplicação desta lei.”

Foto
Entre 50 e 100 pessoas juntaram-se para inaugurar o Monumento ao Precário Desconhecido MIGUEL A. LOPES/LUSA

Ana Ricardo também tem um contrato de trabalho ao abrigo do decreto-lei 57 e espera que este monumento sensibilize o Governo e toda a sociedade para o trabalho científico. “Apregoa-se muito que se está a combater a precariedade na ciência, o que não é de todo verdade”, notou.

A investigadora referiu que “estamos longe de chegar a condições de pleno emprego”, referindo-se assim à polémica entrevista que o ministro da Ciência, Manuel Heitor, deu ao PÚBLICO em que afirmou que há “pleno emprego” entre os doutorados. “A meu ver, a entrevista foi absolutamente ofensiva para connosco. Estamos longe da situação ideal que o ministro Manuel Heitor parece querer pintar.” E enumerou múltiplas situações de colegas desde investigadores com bolsas de investigação que não têm qualquer protecção social ou outros que se encontram desempregados.

Estendal de artigos científicos

Perto das duas investigadoras, estavam cartazes que misturam a ciência e a crítica ao sistema científico: DL57 (decreto-lei 57) é um “buraco negro” ou IST-ID ? – #wearetecnicotoo.  

Vestida com uma t-shirt que tinha a expressão “Precários Para Sempre?” e a segurar um fio com vários artigos científicos (como se fosse um estendal), Renata Freitas veio do Porto para representar os seus colegas. Além de investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde e docente de uma cadeira no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, é requerente ao PREVPAP.

“Preocupa-me ter sido uma pessoa ao qual o Estado português pagou para fazer um doutoramento no estrangeiro no princípio dos anos 2000 [em biologia do desenvolvimento em Inglaterra] e que não tenha criado nenhuma estratégia para acolher estes recursos nos quais investiu”, contou.

Renata Freitas (também da ABIC) explicou que, quando quis regressar a Portugal, a única perspectiva que tinha ou era uma bolsa de pós-doutoramento ou os contratos de Investigador FCT. “Sempre pensei que seria um passo para depois haver mais integração na carreira. Mas isso não aconteceu: todos esses contratados de cinco anos caíram no desemprego ou em contratos por períodos muito pequenos ao abrigo de projectos.” Agora quer que o monumento passe pelo Porto.

Uma das intervenções ao longo da iniciativa foi a da deputada do PCP, Ana Mesquita: “Já apresentámos na Assembleia da República um requerimento para chamar o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para seja confrontado com as declarações que tem tido nos últimos tempos em relação à questão da precariedade.” A deputada disse ainda que estavam a ser recolhidos testemunhos individualizados de precariedade para que se façam perguntas ao Governo sobre cada caso e convidou os presentes a enviarem a sua situação ao Grupo Parlamentar do PCP.  

A iniciativa teve ainda um momento musical com Beatriz Nunes (a actual vocalista do grupo Madredeus), que cantou Portugal, Portugal de Jorge Palma e Que força é essa de Sérgio Godinho. Mas, antes, Mário Nogueira (líder da Fenprof), Tiago Dias (também da Fenprof), Luís Lopes (do Sindep) e Sandra Pereira entregaram na Presidência do Conselho de Ministros três cartas dirigidas ao primeiro-ministro, ao ministro do Trabalho, ao ministro das Finanças e ao ministro da Ciência.

A carta da ABIC teve quase 1500 assinaturas e referia-se às declarações de Manuel Heitor na entrevista ao PÚBLICO. Já as da Fenprof estão relacionadas com o PREVPAP: uma pede para que seja feita uma clarificação urgente de critérios e apoios financeiro ao programa; a outra é sobre o facto de haver requerentes do PREVPAP que podem não ser admitidos por estarem em instituições privadas sem fins lucrativos.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários