Expectativa, optimismo e interrogações nas reacções à substituição no Ministério da Cultura

Representantes dos sectores das artes de palco, do cinema e dos museus comentam a escolha de Graça Fonseca para o Palácio da Ajuda.

Foto
Graça Fonseca, a nova ministra da Cultura e o primeiro.mininistro António Costa xx direitos reservados

A chegada de Graça Fonseca, ex-secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa, ao Ministério da Cultura está a ser recebida com expectativa, interrogações, optimismo e o habitual benefício da dúvida relativamente aos ministros recém-nomeados.

Falando à Lusa em nome da Plataforma do Cinema, que reúne produtores, realizadores e programadores, Cíntia Gil disse esperar que a nova ministra da Cultura tenha “uma visão clara e objectiva" sobre o sector. “Esperamos que tenha uma voz dentro do Governo, que tenha coragem para defender a Cultura. Estamos com expectativas. Há tudo por fazer. É preciso um olhar estratégico sobre o sector da Cultura, não associar de forma simplista a Cultura ao Turismo”, disse a directora do festival DocLisboa dando “o benefício da dúvida” a Graça Fonseca, que diz “conhecer pouco”.

Considerando que Luís Filipe Castro Mendes foi "um péssimo ministro" e "não tinha capacidade para lidar com a complexidade do sector", a representante da Plataforma de Cinema lembra que a nova tutela “vai herdar um problema em aberto", que é a regulamentação legislativa que só foi concluída no início deste ano e que, tendo sido remetida para apreciação parlamentar, terá impacto nos concursos de apoio à produção cinematográfica e audiovisual.

Durante o mandato de Castro Mendes, este sector atravessou um longo período à espera de consenso em torno da regulamentação legislativa, e que só foi concluída depois de quase 18 meses de tentativas de "ajustes ao nível da simplificação de procedimentos", segundo as palavras do próprio ministro.

A demora prendeu-se com a falta de entendimento entre todos os agentes, sobretudo por causa do modelo de nomeação dos júris dos concursos de apoio financeiro pelo Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), contestando os profissionais a possibilidade de "ingerência de interesses privados, num sistema público de apoios".

Os concursos de apoio financeiro de 2017 só abriram em Maio desse ano, com vários meses de atraso, e os de 2018 continuam à espera da decisão final.

A Plataforma de Cinema lembra que Graça Fonseca vai assumir a pasta e executar um orçamento estipulado no mandato do seu antecessor, o que, para Cíntia Gil, significa a ministra "não ter margem de manobra". "Mas há muitas coisas que podem fazer-se que não se esgotam no orçamento", disse.

A Plataforma de Cinema reúne mais de uma dezena de estruturas ligadas ao cinema e audiovisual, como a Agência da Curta Metragem, a Apordoc - Associação pelo Documentário, a Associação Portuguesa de Realizadores, os festivais Curtas Vila do Conde, Queer Lisboa, DocLisboa, IndieLisboa e Monstra e os Produtores de Cinema Independente Associados. Congrega ainda os sindicatos CENA-STE e SINTTAV.

Interrogações da Plateia e da Rede

Reagindo à nomeação de Graça Fonseca para o MC, Carlos Costa, da Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas, disse que "é uma interrogação", e acrescentou que, "mais do que pessoas, é o peso político da Cultura" no conselho de ministros que importa.

A Plateia representa trinta estruturas artísticas, maioritariamente na região Norte do país, e cerca de cem profissionais de palco, um sector que esteve na primeira linha da contestação à política do MC, e designadamente da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), cujas decisões sobre os apoios às artes, na Primavera, motivaram grande polémica.

Para o seu dirigente, "tudo se mantém" conforme afirmado, em Março último, ao primeiro-ministro, sobre a necessidade de a Cultura ter peso em termos de orçamento. “Mais do que nomes, apesar da sua importância em termos de peso político, o que é necessário é que a Cultura tenha, ela própria, peso em sede de Orçamento do Estado", e interessa saber se "o primeiro-ministro vai dar seguimento ao que foi apresentado pelo manifesto eleitoral do PS nesta área", disse Carlos Costa à Lusa. Daí a “interrogação” motivada pela nomeação da nova responsável da pasta.

"Achamos que [Graça Fonseca] é da confiança do primeiro-ministro, mas será que a Cultura vai ter o peso político?", questionou Carlos Costa, “ou vai acontecer o contrário, continuando um esvaziamento político e orçamental"?

Sobre o futuro do relatório "para o aperfeiçoamento do modelo de Apoio às Artes", elaborado por um grupo de trabalho, do qual a Plateia fez parte, que foi entregue na sexta-feira ao Ministério da Cultura, Carlos Costa disse: "As propostas apresentadas são válidas, e estão dependentes da vontade política, tanto mais que [o relatório] não é vinculativo, é um conjunto de opiniões e consensos".

Fazendo um balanço do mandato de Castro Mendes como ministro da Cultura, o líder associativo disse que "teve muito pouca visibilidade, quer em Conselho de Ministros, quer no Orçamento do Estado, ao contrário do que foi prometido pelo manifesto eleitoral do PS".

Outra associação deste sector, a Rede, que reúne estruturas artísticas da dança contemporânea, num curto comunicado enviado à Lusa, afirma esperar que a ministra designada efectue "uma verdadeira remodelação do modelo de apoio as artes, integrado numa política cultural clara, transparente, sustentada e estratégica".

A Rede, que fez também parte do grupo de trabalho "para o aperfeiçoamento do modelo de Apoio às Artes", realça que "todo o sector tem estado unido e empenhado em colaborar continuamente com a tutela, para que se corrijam os erros do passado e se estruture um presente e futuro melhores".

Apom realça "força política" da nova ministra

A Associação Portuguesa de Museologia (Apom), pela voz do seu presidente, João Neto, em declaração à Lusa, deu as boas-vindas a Graça Fonseca à pasta da Cultura, elogiando a sua "experiência executiva e força política".

"A Cultura precisa de ter força política dentro do Governo, e não apenas ficar com o ‘ar de simpatia’”. É preciso uma boa executiva que pode trazer uma visão adequada" para a Cultura, acrescentou João Neto lamentando a sistemática falta de investimento financeiro no sector.

"Houve sempre falta de dinheiro, mas não se podem gerir museus com base numa política de cativações” financeiras, acrescentou o presidente da Apom, considerando que a saída de Castro Mendes "não foi nada surpreendente" para a associação, e lembrando que, "depois de um grande impasse, só no último ano, de forma acelerada", foi abordada uma eventual reforma da política de museus, com uma proposta de autonomia.

No início deste mês, Castro Mendes foi à Assembleia da República explicar uma reforma da autonomia da gestão dos museus e monumentos, que está ainda longe de concluída.

Já Luís Raposo, presidente do Conselho Internacional de Museus (ICOM-Europa), afirmou-se esperançada na designada ministra da Cultura – a “modernização administrativa” é um dos pontos fortes de Graça Fonseca, disse –, mas elogiou o trabalho de Castro Mendes

"Tenho estima pelo ministro cessante, que era um diplomata, com quem sempre houve um diálogo franco e um tratamento com lisura, mas encaro muito positivamente a designação de Graça Fonseca", declarou à Lusa o ex-director do Museu Nacional de Arqueologia e actual presidente do ICOM-Europa).

Relativamente ao ministro cessante, Luís Raposo afirmou que "vinha sendo evidente a sua impossibilidade em cumprir as metas do Governo para os dossiers da Cultura".

Na área dos museus, sobre a qual o ICOM-Portugal realiza esta segunda-feira um debate em Coimbra, Luís Raposo afirmou como essencial "a modernização administrativa e também de financiamento", pelo que deposita "esperanças" na nova titular da pasta da Cultura.

Reconhecendo que se "estava a fazer um trabalho nesta área" com Castro Mendes, e alertando tratar-se de um trabalho que "não se deve deitar fora", Luís Raposo disse que foi, todavia, "pouco, e quase sempre encalhava ao nível orgânico da administração do Estado, o que impossibilitava a sua concretização na actual legislatura".

A chegada de Graça Fonseca à Cultura, na opinião de Luís Raposo, pode vir a "desbloquear" certos constrangimentos administrativos e desenvolver "uma efectiva modernização, sem esquecer os muito necessários quadros", no sector.

O arqueólogo defendeu uma "maior autonomia para os museus" e a criação de um instituto "mais pequeno e específico" que "servisse de retaguarda aos museus", afirmando que a actual Direcção-Geral do Património Cultural "é um mega-instituto" que deve ser desmantelado.

Sugerir correcção
Comentar