PCP, Bloco, televisões e operadores juntam-se às críticas à regulamentação da Lei do Cinema

De um lado, partidos pediram apreciação parlamentar do diploma; de outro, o realizador António-Pedro Vasconcelos, SIC, TVI, operadores de TV por subscrição e de telecomunicações dizem que se vão financiar filmes "que não despertaram o interesse do público".

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Joao Henriques

Tal como prometido, o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda pediram a apreciação parlamentar do novo decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema. O diploma, que entrou esta semana em vigor, tem sido alvo de discórdia sobretudo quanto ao modelo de júris dos concursos públicos de apoios – esta sexta-feira, foi a vez de os operadores de televisão e telecomunicações e de duas associações de produtores de audiovisual e realizadores criticarem “um regresso incompreensível” ao financiamento “de projectos cinematográficos que, ao longo dos anos, não despertaram nem cativaram o interesse do público”.

Tal como prometido na comissão parlamentar de 14 de Março em que o ministro e o secretário de Estado da Cultura foram ouvidos sobre a discussão e demora de publicação da regulamentação da Lei do Cinema, os dois partidos da esquerda parlamentar – e da coligação do Governo – deram entrada com pedidos de apreciação parlamentar do decreto-lei nesta quinta (PCP) e sexta-feira (Bloco).

O Bloco encontra “melhorias” no decreto-lei n.º25/2018, mas considera que é “flagrante a ambiguidade quanto às competências de nomeação dos júris dos diversos concursos”, assinalando que a Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual do Conselho Nacional de Cultura (SECA) tem assim competências “muito para além da [sua] função meramente consultiva”.

Já o PCP sente “a necessidade de clarificação do texto legislativo”, e mostra-se preocupado com a “eventual interferência de interesses privados alheios à livre criação cinematográfica” dado o papel da mesma SECA e do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), a quem cabe a gestão dos apoios (que este ano são de 19 milhões de euros) e palavra final na constituição dos júris que avaliam os candidatos à produção, realização, escrita ou festivais de cinema, mas também do audiovisual. Os comunistas focam-se ainda na filosofia de financiamento, porque o diploma, defendem, “continua a fazer depender o apoio à produção cinematográfica totalmente da cobrança de taxas sobre actividades mercantis privadas”.

A apreciação parlamentar, a agendar pela Assembleia da República, não interfere com o vigorar do novo diploma, prometido há mais de ano e meio pela tutela, nem a abertura dos concursos, que o ICA disse à Agência Lusa que abririam na segunda quinzena de Março. Os concursos deveriam ter sido lançados em Outubro de 2017.

Também esta sexta-feira, e num comunicado enviado à Lusa, um grupo de associações do sector veio contrapor as suas críticas ao decreto-lei e ao seu modelo de selecção de júris. Este, escrevem os realizadores António-Pedro Vasconcelos e José Carlos Oliveira e várias associações mais próximas do audiovisual, “remove a capacidade de real intervenção da Secção Especializada para o Cinema e Audiovisual, no processo de escolha dos jurados dos concursos de apoio financeiro organizados e atribuídos pelo ICA”.

Citado pela Lusa, o comunicado diz ainda que o decreto-lei n.º25 é “um regresso incompreensível a um passado marcado pelo financiamento de projectos cinematográficos que, ao longo dos anos, não despertaram nem cativaram o interesse do público”. Além dos dois realizadores, o comunicado, indica a agência, é subscrito pelos operadores de televisão por subscrição, pela SIC e TVI, pela Associação Portuguesa dos Operadores de Telecomunicações, pela Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas, pela Associação de Produtores Independentes de Televisão e pela Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, além do jornalista António Borga.

A sua posição é assim contrária à da Plataforma do Cinema, um grupo de 14 festivais e associações do cinema português, e reforça uma divisão entre o considerado cinema de autor e o cinema de modelo mais industrial, com maior audiência, no cerne desta questão. A Plataforma tem defendido que “a SECA deve ficar completamente arredada do decreto-lei que regula os concursos”. Foi o que escreveram num comunicado no dia em que o Presidente da República promulgou o diploma, mas com dúvidas quanto ao papel da SECA, defendendo mesmo que esta deveria ter apenas um parecer e não dois pareceres, ainda que não-vinculativos, sobre os nomes nos júris.

O grupo de associações do audiovisual e produção defende por seu turno que “uma política pública para o cinema e audiovisual alheada dos interesses e preferências do público a que se destina, dificilmente poderá ver realizados os seus objectivos últimos, que deveriam ser os de promover, robustecer e sustentar” a actividade cinematográfica portuguesa, cita ainda a Lusa.

O ministro da Cultura resumiu em Fevereiro, quando o diploma foi aprovado em Conselho de Ministros, que o decreto n.25/2018 atribui ao ICA a competência de “constituir uma lista de jurados efectivos para cada concurso e uma lista comum de jurados suplentes, após audição inicial da SECA na qual podem ser apresentadas pela SECA propostas de jurados ou considerações sobre os critérios que o ICA deve considerar no processo da sua selecção. Uma vez constituídas as listas referidas são apreciadas em reunião da SECA. Após consulta não vinculativa, o ICA aprova as listas definitivas”.

Tanto os membros da Plataforma, que reúne festivais como o DocLisboa ou o IndieLisboa ou a Associação Portuguesa de Realizadores, quanto os signatários do comunicado crítico desta sexta-feira têm assento na SECA. Os membros da Plataforma anunciaram que não vão nomear jurados até que a SECA seja totalmente afastada do processo.

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