Investigadores acusam juiz de bloquear caso Mexia

Magistrados impedidos por Ivo Rosa de pesquisar emails de António Mexia e Pinho na investigação ao BES recorreram para o Tribunal da Relação. Comparam-se aos assassinos do “Relatório Minoritário”, presos antes de cometerem crimes.

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Rui Gaudencio

Há mais uma polémica na já tensa relação entre os magistrados do Ministério Público (MP) que estão investigar as suspeitas de corrupção no “caso EDP” e o juiz de instrução criminal Ivo Rosa. Os procuradores Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto voltam a recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa na tentativa de ultrapassar mais uma recusa de diligência do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).

Em causa está um pedido, feito em Novembro, para que se realizasse na investigação ao BES uma “pesquisa informática no sistema NUIX atinente aos arguidos/suspeitos” Manuel Pinho, João Manso Neto e António Mexia. “E ainda [uma pesquisa] por Universidade de Columbia”, neste caso devido às suspeitas em torno do patrocínio de 1,2 milhões de euros da EDP à universidade e que permitiu que Pinho lá tivesse começado a dar aulas em 2010.

A defesa do presidente da EDP, António Mexia, e do administrador João Manso Neto requereu a nulidade do pedido ao abrigo da lei do cibercrime, acusando os procuradores de pretenderem aceder a emails sem ordem judicial e de pôr em causa “o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar e o direito fundamental à inviolabilidade da correspondência”.

Segundo o processo consultado pelo PÚBLICO, Ivo Rosa deu razão aos arguidos, invalidando o pedido de pesquisa, na possibilidade de esta vir a incidir sobre emails.

Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto, que até já solicitaram o afastamento de Ivo Rosa, juntam assim mais um diferendo à lista de divergências com o juiz que está a instruir o caso sobre suspeitas de corrupção que envolvem os contratos de receitas garantidas da EDP (os CMEC). Ivo Rosa recusou a realização de buscas a casa do ex-ministro Pinho (que tal como Mexia é um ex-quadro do antigo BES, e tinha a tutela da energia quando entraram em vigor os CMEC e se prolongaram, sem concurso público, as concessões de 27 barragens exploradas pela EDP).

O juiz também impediu o levantamento do sigilo bancário e fiscal de Mexia e Manso Neto e o acesso do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) a centenas de emails apreendidos a estes gestores (mas também ao arguido Rui Cartaxo, ex-presidente da REN e ex-assessor de Pinho, e aos da Boston Consulting).

No recurso para a Relação de Lisboa, com data de 27 de Fevereiro, os magistrados do MP sustentam que são competentes para fazer o pedido de pesquisa informática e que o seu objectivo não foi usar a ferramenta informática NUIX para pesquisar especificamente emails, mas sim para saber se no inquérito ao BES há “prova documental relevante” para o “caso EDP”.

Porém, segundo a defesa de Mexia e de Manso Neto, encontrar emails é precisamente o que querem os procuradores, embora esse fim esteja “encapotado num pedido de dados genérico”. Foi isso que fizeram notar a Ivo Rosa, num requerimento enviado em Dezembro.

Argumentando que “o sistema NUIX é uma ferramenta informática que permite detectar e seleccionar todo o tipo de dados informáticos, tais como correio electrónico, imagens e documentos PDF”, os advogados da PLMJ acusam os magistrados do MP de procurar “conseguir ‘por portas travessas’” aquilo que “não se atrevem a pedir ‘às claras’”, pelas vias legais.

A defesa da EDP (que pediu a aceleração da investigação em curso desde Outubro de 2012 e conseguiu que a Procuradoria Geral da República (PGR) determinasse um prazo indicativo de dez meses – que acabam em Maio – para que ficasse concluída) acrescenta que os procuradores montaram uma “inegável fraude” e ordenaram algo para o qual “não têm competência”.

Sublinhando que “o pedido do MP que venha a incidir” sobre emails “não obedece aos imperativos legais aplicáveis” (porque para este tipo de informação “é necessária autorização judicial prévia” e é ao juiz que cabe “autorizar ou ordenar” a apreensão de correio electrónico), os advogados de Mexia e de Manso Neto requerem a sua nulidade e a inadmissibilidade das provas que dele resultem.

Os procuradores ainda vieram esclarecer que, “ao contrário do referido” pela defesa, não visaram “a selecção de quaisquer mensagens de correio electrónico”, mas apenas uma “pesquisa de elementos probatórios documentais” indexados em formato digital, para saber se na investigação ao BES existe “prova documental relevante para os presentes autos”.

Mas os argumentos não convenceram Ivo Rosa, que deu razão aos arguidos. “Contrariamente ao referido pelo MP, a decisão em causa não visou apenas a pesquisa de elementos probatórios documentais” indexados digitalmente, pois “isso não é o que consta no despacho, mas sim pesquisa informática sem qualquer especificação quanto ao objecto”, lê-se na decisão.

Como a pesquisa não consegue “destrinçar o que é email do que não é”, existe a “probabilidade séria” de efectivamente se atingirem e apreenderem mensagens de correio electrónico, refere o juiz de instrução, que para isso considera existir, “sem qualquer dúvida”, a “obrigatoriedade de prévia autorização judicial”.  Diz Ivo Rosa que, mesmo que se tratem de mensagens com conteúdo profissional, “não deixam de estar sob a tutela da vida privada e do segredo das telecomunicações”.

Assim, conclui que, “caso venha a ser copiado ou obtido correio electrónico, dado que os visados não deram o seu consentimento e dado que a decisão do MP foi proferida sem a precedente decisão” judicial, o despacho deve “ter-se por nulo”. E, desta forma, qualquer prova obtida na sequência da decisão e que esteja relacionada com o correio electrónica, deve ser considerada “inválida”.

É uma decisão com “contornos inusitados”, reclamam os procuradores no recurso que decidiram interpor para a Relação de Lisboa, e em que acusam o juiz de pretender tutelar, “mais a mais, ilegalmente, algo que o MP não só não pediu, como não pretendia, e nem sequer sabe se existirá”. E por isso confessam que a decisão lhes traz à memória o filme “Relatório Minoritário”, em que o protagonista coordena uma “unidade de pré-crime”, que recorre a “tecnologia psíquica” para prender os assassinos “antes de os crimes serem cometidos”.

O “afã” dos arguidos em “convocar a intervenção do juiz de instrução criminal” em “tudo o que mexe” é tanto que “até o fazem sem que o pressuposto fundamental (o pedido de emails)” da invocada “(mas inexistente) nulidade se mostre preenchido”, sustentam Carlos Casimiro Nunes e Hugo Neto.

E depois questionam: Se não se incluíram emails no pedido de pesquisa informática ao processo BES, o que é que será que leva os arguidos “a acautelarem” esse cenário? Será por receio do que se “possa encontrar em seu desfavor?” É que “se não é, parece”, comentam os magistrados.

Se António Mexia “já tinha deixado de ser funcionário do BES à data das diligências realizadas no processo onde se investiga o universo BES seria improvável que se tivesse correspondido com, por exemplo, o ali arguido Ricardo Salgado. Pelos vistos não…”, lê-se ainda no recurso.

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