Em carta a Centeno, Domingues mostrou-se perplexo com polémica sobre declarações de rendimento

Duas semanas antes de renunciar à presidência da CGD, o gestor recordou ao ministro que não estava obrigado a apresentar declaração de rendimentos.

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António Domingues renunciou à liderança da CGD a 27 de Novembro Miguel Manso

A troca de correspondência entre o ex-presidente da CGD António Domingues e o ministro das Finanças, Mário Centeno, depois de se levantar a questão da obrigatoriedade de os gestores do banco público entregarem as suas declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional (TC), parece evidenciar que as Finanças se comprometeram com o gestor e a sua equipa a libertá-los desta exigência. O jornal Eco cita nesta quarta-feira uma carta, com data de 15 de Novembro, em que Domingues revela a Centeno que toda a comissão executiva do banco público recebeu notificações do TC para entregar as respectivas declarações de rendimentos e recorda ao ministro que a dispensa do cumprimento desta obrigação “foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais, como de resto o Ministério das Finanças publicamente confirmou”.

É que apesar de Centeno ter afirmado que nunca houve qualquer compromisso com a equipa de Domingues sobre declarações de rendimentos, garantindo que as discussões sobre a sua entrada na administração da CGD centraram-se em temas como remunerações e incentivos, o Ministério das Finanças assegurou, numa resposta oficial enviada ao PÚBLICO, em Outubro, que a gestão da CGD apenas teria de prestar contas ao accionista (o Estado) e aos seus órgãos de controlo interno. Ainda assim, continuava a existir legislação que apontava para a obrigatoriedade de os administradores públicos cumprirem as obrigações de divulgação de informação sobre património, como o PÚBLICO também noticiou.

Na carta escrita por Domingues, de que o Eco reproduz alguns excertos, pode ler-se que, é num momento em que as equipas da CGD já estavam a pôr em prática as directrizes da nova comissão executiva, que “surge o debate relativo à declaração de rendimentos e património dos membros do conselho de administração”. Nessa carta de 15 de Novembro, António Domingues dá conta da sua perplexidade com o tema: “Foi, desde logo, com grande surpresa que vimos serem suscitadas dúvidas sobre as implicações da exclusão dos membros do conselho de administração da CGD do Estatuto do Gestor Público (EGP), concretamente sobre a possível necessidade de envio de tais declarações ao Tribunal Constitucional”.

O antigo administrador do BPI recorda então a Mário Centeno que a não prestação de contas ao TC “foi uma das condições acordadas” para que a sua equipa assumisse a liderança da CGD. De acordo com o Eco, a troca de correspondência entre António Domingues e o Ministério das Finanças começou durante o mês de Abril. É precisamente numa carta de 14 de Abril que Domingues elenca as condições “essenciais” para aceitar o convite feito para a Caixa. Nessa carta, o gestor enuncia aspectos do regime aplicável aos gestores públicos e às empresas públicas que, “por representarem constrangimentos impeditivos do posicionamento da CGD em igualdade com os seus concorrentes no mercado, se entendem que devem ser afastados”, cita o Eco. Entre eles, o da “publicidade, transparência e deveres de declaração a entidades de fiscalização”.

Assim, entre as exigências feitas para aceitar o cargo de presidente do banco, António Domingues frisa que “não devem existir obrigações de publicidade, transparência ou de declaração relativamente à identidade e aos elementos curriculares de todos os membros dos seus órgãos sociais, às respectivas remunerações e outros benefícios além das que já decorrem da lei comercial, incluindo da lei e regulação bancária”.

Nas semanas seguintes, as trocas de correspondência entre as Finanças e o escritório do advogado de Domingues, Francisco Sá Carneiro, e as diligências que se seguiram e que conduziram a que se aprovasse o fim das limitações aos salários na Caixa e as mudanças ao Estatuto dos Gestores Públicos, que libertaram o banco daquele regime mais restritivo, levaram a que a nova comissão executiva considerasse que estavam salvaguardadas todas as suas exigências e que podia assumir funções. O que sucedeu no final de Agosto.

No dia 16 de Novembro, chega a resposta de Mário Centeno a António Domingues em que o ministro enaltece, segundo o Eco, a decisão dos administradores da CGD em respeitar a notificação do TC. “Permita-me que cumprimente a elevação do conselho de administração da CGD e de cada um dos seus membros na determinação que me comunica de respeitar a decisão do Tribunal”, escreve o ministro. Mário Centeno diz-se ainda “convicto” de que é “do interesse da CGD que tal determinação [do TC] se concretize num prazo muito curto”. Porém, o que realmente sucedeu num prazo muito curto foi a renúncia de António Domingues à liderança da CGD, a 27 de Novembro.

Ministério diz que “inexistem” emails

Numa resposta ao Parlamento, o Ministério das Finanças disse que "inexistem" emails enviados por responsáveis daquele ministério que contenha material relativo a condições dadas a António Domingues para que ele aceitasse ser presidente do banco público, incluindo emails onde tenha ficado combinado que Domingues e a restante administração estavam dispensados de entregar as declarações de rendimento.

A comissão parlamentar de inquérito tem pedido com insistência a correspondência trocada entre o gestor e o Ministério das Finanças. Domingues disse numa primeira fase que não entregaria a documentação, mas perante a possibilidade de estar a incorrer no crime de desobediência acabou por enviar um extenso dossier à comissão de inquérito. Esse dossier levantou “dúvidas” ao presidente da comissão que convocou os coordenadores dos partidos para decidirem se admitem ou não a documentação. E para já, os deputados não decidiram se as informações são ou não admissíveis para o âmbito do inquérito. Será decidido na próxima terça-feira.

 
 
 
 
 
 
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