Regulador dos transportes diz que terminais do Porto de Aveiro funcionam ilegalmente

Supervisor recomenda à ministra do Mar que proceda a alterações na legislação de forma a eliminar distorções da concorrência. E defende que os contratos de concessão devem ser prorrogados.

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Adriano Miranda

Os terminais de serviço público do Porto de Aveiro que estão a ser explorados por operadores privados com base numa licença “não cumprem integralmente com os requisitos legais”, diz a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), o regulador do sector, num relatório a que o PÚBLICO teve acesso. No documento, o presidente do supervisor, João Carvalho, alerta para uma “situação de ilegalidade com a qual um regulador económico independente não pode pactuar” e recomenda alterações legislativas que corrijam as várias distorções de concorrência que encontrou no sector, com os terminais a debaterem-se com condições diferentes face aos concorrentes nacionais e europeus.

O recurso à figura do licenciamento para a prestação do serviço público de movimentação de cargas está prevista no Regime Jurídico da Operação Portuária, mas apenas poderá ser aplicado quando um concurso público fique deserto ou quando se reconheça, por resolução do Conselho de Ministros, a existência de interesse estratégico para essa decisão. Tal não aconteceu no porto de Aveiro onde, à excepção do Terminal Sul que está concessionado à Socarpor, do grupo Yildrim, (ex-Tertir), o Terminal Norte e o Terminal de Granéis Sólidos são operados por empresas privadas, a quem a administração portuária atribuiu uma licença para o efeito. Trata-se da Perez Torres Marítima, com sede na Galiza, a Aveipor, do grupo ETE  e, de novo, a Socarpor.

“A coexistência de dois modelos cria inquestionavelmente distorções de concorrência, uma vez que os requisitos técnicos e a duração máxima dos contratos que a lei consagra para um e para outro são substancialmente distintos”, escreve a AMT.  

Entre as distorções de concorrência invocadas pelo regulador estão as diferentes obrigações e responsabilidades financeiras, que são bem menores por parte de um operador que tem uma licença e um operador que explora uma concessão. A concessão estipula as obrigações de investimento, de pagamento de rendas, de publicação das tarifas máximas praticadas e à reversão dos bens e equipamentos para a concedente no término da concessão. Já um operador com licença presta um serviço público (para o qual tem uma espécie de alvará), mas não tem nenhum destes deveres.

A necessidade de rever o Regime Jurídico de Operação Portuária, que está em vigor há 23 anos, resulta como a mais óbvia recomendação que é deixada pelo regulador à tutela. A AMT também recomenda que, na transposição da directiva europeia relativa à adjudicação de contratos de concessão, seja “acautelada a não fixação de prazos para a duração de concessões”. Actualmente, a lei impõe nos 30 anos o limite máximo de duração de contratos de concessão, criando, no entendimento do regulador, “desequilíbrios” com prejuízo para Portugal em relação aos maiores concorrentes directos: os portos espanhóis. Em 2014, a legislação espanhola foi alterada conferindo a faculdade de aumentar os prazos dos contratos de concessão para os 50 anos, prorrogáveis até aos 75 anos em função do investimento realizado.  

Para além de sugerir que não haja prazos fixos, a AMT defende também que a legislação preveja mecanismos que acomodem a modificação dos contratos de concessão durante a sua vigência e que incluam, "nomeadamente, a eventual prorrogação do seu prazo”.

O regulador do sector portuário defende que deveriam ser aprofundadas, ao nível legislativo, as possibilidades de existir um maior envolvimento da iniciativa privada na gestão portuária. Tal seria possível, diz a AMT, “equacionando modelos contratuais mais flexíveis e atractivos na perspectiva do investidor privado, em segmentos de mercado cuja dimensão o permita”. Nesse sentido, a AMT também defende que as autoridades portuárias devem ser livres de escolher qual é o modelo de operação que mais se adequa à realidade de cada porto – se uma concessão, se um regime de licenciamento. O objectivo, refere, será sempre o de “promover uma concorrência inclusiva, acautelando situações de distorção de concorrência entre os vários operadores e infra-estruturas, existentes e novas”.

Esta pronúncia da AMT surge após a preparação de um contributo no âmbito da consulta pública que foi dinamizada pela Autoridade da Concorrência (AdC) sobre o sector portuário, no passado mês de Setembro. Após esse contributo, e ainda antes de o regulador da Concorrência ter divulgado as suas recomendações finais, a AMT entendeu “desenvolver pensamento específico” e “aprofundar algumas questões” relativas ao actual funcionamento dos terminais. Concluiu-o numa altura em que a ministra do Mar esteve a recolher elementos e contributos para tomar decisões acerca dos investimentos portuários e das renegociações dos contratos de concessão – um processo que foi colocado em marcha pelo anterior Governo e que paralisou desde que o actual tomou posse.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da Administração do Porto de Aveiro, João Pedro Braga da Cruz, afirmou desconhecer a pronúncia da AMT, e recusou-se, por isso, a comentá-la. Mas quis afirmar a sua convicção de que a actividade de movimentação de cargas no porto de Aveiro "se processa com toda a normalidade e no estrito respeito pela legislação portuguesa e comunitária aplicável, na salvaguarda do interesse público e da concorrência entre as diversas empresas". O PÚBLICO tentou ouvir a ministra do Mar sobre estas matérias, mas não obteve resposta.

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