"É preciso a desagregação da informação" sobre as transacções

Cinco perguntas a Nuno Sampayo Ribeiro, advogado fiscal especialista na cooperação internacional para a transparência fiscal.

Foto
Aly Song/Reuters

Nuno Sampayo Ribeiro, advogado especializado em internacionalização do sector financeiro e transparência fiscal, ex-consultor da Unidade Técnica e Apoio Orçamental (UTAO), lamenta que Portugal esteja atrasado na implementação das medidas de cooperação na luta contra os fluxos financeiros ilícitos.

Os dados oficiais mostram que entre 2010 e 2014 saíram do país 10.200 milhões de euros para offshores e territórios com tributação privilegiada. O valor surpreende-o? Porquê?
Não. Porque o modelo de negócio público e privado de gestão de activos, em regra, assenta numa proposta de valor baseada na utilização de jurisdições com tributação paradisíaca. Só através da desagregação da informação por tipo de activo, geografia, beneficiário efectivo se poderá aferir a idoneidade das transacções. As entidades públicas têm o dever de prestar essa informação aos cidadãos.

Entre os destinos mais escolhidos estão Hong-Kong, Bahamas, Emirados Árabes Unidos, Ilhas Caimão e Panamá. Porquê esta preferência?
As Bermudas foram apontadas em Abril deste ano pelo G20 entre as 15 jurisdições problemáticas. As restantes estão entre as que iniciaram uma trajectória de adesão a reboque à era da transparência, e após fortíssima pressão internacional. Devido a isto é seguro afirmar que quem optou por estas jurisdições não esteve à procura de se sujeitar aos mais exigentes padrões de cooperação em matéria de transparência fiscal e de luta contra os fluxos financeiros ilícitos. Recordo que a declaração do G20 relativa ao fim da era do segredo bancário é de 2 de Abril de 2009. E que a troca internacional de informação fiscal aumenta o risco de sujeição a severas sanções legais e reputacionais, incluindo prisão efectiva por efeito da alteração do OE 2014.

O G20 e a UE preparam medidas defensivas contra os paraísos fiscais que não cumprem os padrões internacionais. O que pode mudar sendo criada uma lista negra conjunta?
A UE anunciou que irá subsumir a actual lista europeia de paraísos fiscais por uma nova lista, a qual será respaldada por medidas defensivas para as jurisdições que recusem cumprir os padrões europeus de boa governação fiscal que são mais exigentes que os do G20. Por sua vez este grupo pondera o início da aplicação de medidas defensivas às jurisdições que não cumpram o padrão referente a troca de informações a pedido. Abre-se uma trajectória de erradicação da economia global das jurisdições não-cooperantes nestes domínios.

O que pode fazer o Governo português para aumentar a transparência fiscal em relação aos offshores?
A expressão offshore é imprecisa. A meu ver, Portugal deverá atribuir a mais alta prioridade política à implementação efectiva dos novos meios de cooperação europeia e global ao serviço da transparência, e em especial na promoção do comércio/investimento e na luta contra os fluxos financeiros ilícitos. Hoje, Portugal diz que sim, mas faz assim, assim, seremos o último país da UE a implementar a directiva da troca automática de informações. O prazo terminou em 1 de Janeiro de 2016. A FATCA [lei norte-americana para combater a evasão fiscal sobre rendimentos ganhos fora dos Estados Unidos] continua em banho-maria e já vamos no quarto despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a prorrogar o prazo...

Que passos seguintes devem ser dados em termos de cooperação internacional nestas matérias?
No decisor público é crucial que se mobilize o mais alto nível político na agenda da transparência. E que traduza essa mobilização em fotos de circunstância, mas principalmente em actos através dos quais Portugal passe a figurar nos relatórios internacionais de avaliação de adesão e implementação efectiva dos padrões internacionais sobre transparência com classificação máxima. No imediato, Portugal deverá apoiar a proposta referente à troca automática de beneficiários efectivos. No decisor privado é crucial que a cultura organizacional e o modelo de corporate governance de cada empresa, em especial das bancárias, valorize verdadeiramente o controlo interno, com vista a garantir o adequado cumprimento dos objectivos de  prevenção dos fluxos financeiros ilícitos. Nos media é decisivo identificar as audiências com o sentido civilizacional desta cooperação internacional.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários