E, por fim, o Conselho de Segurança aprovou um plano de paz para a Síria

Não há garantias de sucesso, mas quase cinco anos depois da revolta que desembocou numa guerra mortífera, as grandes potências chegaram a um acordo. Oposição não acredita num plano que não define futuro de Assad.

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John Kerry e Serguei Lavrov, o seu homólogo russo, na ONU Andrew Renneisen/AFP

Os 15 membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas votaram por unanimidade um plano negociado nos últimos meses em Viena e onde se prevê um cessar-fogo entre o regime de Assad e a oposição armada, a formação de um governo transitório em seis meses e a realização de eleições em 18. “A paz são factos. Não sonhamos muito com documentos e frases belas”, diz o opositor histórico Michel Kilo.

O acordo foi saudado como um passo importante – afinal, demorou anos –, ao mesmo tempo que todos os envolvidos avisavam para as dificuldades de o pôr em prática. “Sem ilusões” sobre as dificuldades, afirmou-se o secretário de Estado norte-americano, John Kerry. “Realista” a propósito da complexidade do processo, confessou-se o mediador da ONU, Staffan de Mistura. “Pouco optimista sobre o que alcançámos”, foram as palavras do ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.<_o3a_p>

As divergências ficaram bem claras na conferência de imprensa conjunta de Kerry e Lavrov, com o primeiro a afirmar que 80% dos ataques aéreos russos (Moscovo começou no fim de Setembro a bombardear a Síria) tomam como alvo grupos da oposição que combatem Bashar al-Assad e não extremistas. Lavrov respondeu que há dois meses e meio o seu país pediu aos Estados Unidos para coordenarem ataques (Washington lidera uma coligação formada no Verão do ano passado que bombardeia jihadistas).<_o3a_p>

Na prática, o Conselho de Segurança pôs o seu selo num acordo que Kerry já negociara e que é quase igual ao que diferentes enviados especiais acordaram nos últimos anos em Genebra mas nunca conseguiram concretizar. <_o3a_p>

Em Janeiro, idealmente no início, provavelmente no fim, espera-se conseguir a entrada em vigor de um cessar-fogo; a seguir, todos os grupos no terreno (com excepção dos jihadistas do Estado Islâmico e da Frente al-Nusra, ligada à Al-Qaeda) vão sentar-se à mesa com a oposição política e membros do regime para encontrar uma autoridade temporária. Seguir-se-ão eleições, organizadas pela ONU e nas quais poderão participar todos os sírios, mesmo os que estão no exílio.<_o3a_p>

Para conseguir fazer aprovar a resolução votada na sexta-feira à noite após cinco horas de debate do Grupo Internacional de Apoio à Síria (que incluiu o Irão, principal aliado de Assad) e evitar um veto russo, os EUA deixaram cair qualquer referência ao ditador, ao mesmo tempo que sublinharam as preocupações conjuntas sobre o terrorismo e a ideia de que a solução será encontrada pelos próprios sírios. “Esta é uma resposta clara às tentativas para impor uma solução de fora aos sírios em quaisquer tópicos, incluindo os que dizem respeito ao Presidente.”

 

Assad desfez as malas

 

Assad, como de costume, mantém o sarcasmo e, ainda na quinta-feira, já à espera desta votação, comentou assim as discussões a uma televisão holandesa: “Estava a fazer as malas; tinha de me ir embora. Agora, posso ficar”.<_o3a_p>

Segundo a imprensa norte-americana, a esperança de Kerry é que, com o voto da diáspora, mesmo que Assad se possa apresentar a votos, seja derrotado. <_o3a_p>

Nem todos estão convencidos com esta abordagem, ainda que todos tenham votado “sim” à mesma resolução. “Como é que este homem pode unir as pessoas que massacrou? A ideia que ele pode apresentar-se a eleições é inaceitável”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius. Para o seu homólogo britânico, Philip Hammond, a resolução é “um passo significativo”, mas falha ao não definir o futuro de Assad: “Este processo envolve necessariamente a sua partida, não só por razões morais por causa da destruição que causou ao seu próprio povo, mas também por motivos práticos – nunca será possível uma Síria unida e em paz com ele no poder”.<_o3a_p>

A questão do “combate ao terrorismo” também tem muito que se lhe diga. A narrativa do regime passa por justificar as suas atrocidades precisamente com essa luta e há uma lista de “grupos terroristas” elaborada por Damasco que incluiu grupos da oposição reconhecidos por Washington e que deveriam poder participar nas negociações. Por outro lado, para convencer a Arábia Saudita e a Turquia a apoiarem este esforço, os EUA abandonaram a sua recusa em reconhecer alguns grupos islamistas como actores legítimos das negociações.<_o3a_p>

Atente-se no que diz a oposição e tudo parece ainda mais difícil. Khaled Khoja, actual líder da Coligação Nacional Síria (o principal grupo da oposição no exílio) escreveu no Twitter que o acordo não só é irrealista como “põe em causa” os resultados de um encontro recente de forças da oposição em Riad. “Tendo em conta a realidade no terreno e o impasse sobre o destino de Assad, este acordo não é de todo aplicável”, afirma outro dirigente da mesma coligação, Samir Nachar.<_o3a_p>

Michel Kilo, 75 anos, veterano opositor que tanto Assad pai (Hafez) como filho mandaram prender, e que chegou a integrar a Coligação Nacional, participou no encontro de Riad e saiu de lá mais optimista do que ficou ao conhecer o que agora foi aprovado pelo Conselho de Segurança. “O que se passa na Síria é incrível e assustador. [O Presidente russo, Vladimir] Putin é um bandido, um mentiroso”, afirmou à AFP em Paris, onde vive exilado. “Nós somos prisioneiros de jogos políticos e diplomáticos refinados.”<_o3a_p>

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