Mediador da ONU pede desculpa por não ter havido progressos nas negociações de paz na Síria

Regime prepara ataque contra pequena cidade junto à fronteira com o Líbano. Vítimas da violência já são mais de 140 mil, diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.

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Brahimi fez uma proposta de trabalho para a terceira ronda de negociações, mas o regime recusou Philippe Desmazes/AFP

Era o final esperado. Em vez de anunciar progressos, o mediador da ONU, Lakhdar Brahimi, encerrou as conversações que juntaram em Genebra o regime de Bashar al-Assad e a oposição com um pedido de desculpas aos sírios, “cujas esperanças eram tão grandes”.

Como é que podia ter sido diferente? O regime aceitou ir à Suíça mas nunca aceitou as regras. Os Estados Unidos, que negociaram com a Rússia a realização da conferência dita de paz, sabiam que nem Moscovo nem Damasco concordavam com as premissas – Genebra devia servir para pôr em marcha um governo de transição, Genebra nunca poderia ter servido para isso, o Governo de Bashar al-Assad deixou claro que não ia debater nenhuma transferência de poderes.

A insistência da delegação do regime em querer debater apenas o “combate ao terrorismo”, notou Brahimi, “levanta a suspeita na oposição de que o governo não quer falar de uma autoridade de governação transitória”. É o mínimo que se pode dizer.

“Peço desculpa, estas duas rondas não tiveram grandes resultados”, disse Brahimi, que apareceu cansado para uma conferência de imprensa. Antes, tentara juntar os dois campos por uma última vez, num derradeiro esforço para negociar uma agenda para uma terceira ronda de conversações. A reunião durou 27 minutos e o regime recusou a proposta do enviado da ONU e da Liga Árabe, que sugeriu uma conferência em dois dias, o primeiro dedicado ao combate ao terrorismo, o segundo à discussão de um governo de transição.

Marcar um terceiro encontro só por marcar não vale a pena. Para já, não há data para um recomeço de negociações. “Espero que as duas partes reflictam melhor e possam voltar para aplicar o comunicado de Genebra”, disse ainda Brahimi, referindo-se ao texto adoptado em Junho de 2012 por norte-americanos e russos onde se prevê que seja formado um governo de transição “que pode incluir membros do actual executivo e da oposição com base num consenso mútuo”.

“Espero que o tempo de reflexão conduza em particular o governo a assegurar à outra parte que quando falam de aplicar o comunicado de Genebra compreendem que a autoridade governamental de transição deve exercer plenos poderes executivos”, lembrou Brahimi. Ninguém acredita realmente que isso seja possível.

Para a oposição que decidiu estar presente, parte da Coligação Nacional Síria, “nada de positivo se pode retirar” das negociações iniciadas no fim de Janeiro. Voltar a debater sem ser para discutir uma transição política “será uma perda de tempo”, diz Louai Safy, porta-voz dos opositores.

O fim da estrada?

“Isto não pode ser o fim da estrada. Com a guerra na Síria a causar mais morte e destruição a cada dia, devemos às pessoas da Síria fazer tudo o que pudermos para alcançar progressos a caminho de uma solução política”, reagiu o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, William Hague. Genebra tem de continuar porque ninguém sabe mais o que fazer, pode ler-se sem que isso esteja escrito no comunicado de Hague

De Washington, e um dia depois de Moscovo ter responsabilizado os EUA pelo fracasso das negociações, chegou um apelo aos russos: “Pedimos aos russos, muito francamente, façam muito mais, não há muitos países que possam ter influência sobre o regime”, disse a porta-voz do Departamento de Estado, Marie Harf.

A porta não ficou completamente fechada mas ninguém vislumbra uma maneira de voltar à mesa das negociações sem ser para repetir a mesma conversa de surdos. “Temos de garantir que o regime quer uma solução política e não está a apenas a ganhar tempo”, disse o porta-voz da oposição em Genebra.

Centenas de famílias em fuga

Há uma possibilidade de que seja mesmo isso que o governo tenha ido fazer à Suíça. Nas três semanas entre o início da primeira ronda e o fim desta segunda, os bombardeamentos aceleraram-se em Alepo, onde nalguns dias chegaram a cair 30 barris carregados de explosivos. E teme-se agora que um grande ataque esteja a ser preparado contra Yabroud, uma pequena cidade junto à fronteira com o Líbano de que o regime precisa para garantir um corredor entre Damasco e a costa mediterrânica.

Yabroud é palco da nova grande fuga. “Recebemos notícias de que tem havido muitos ataques aéreos e que o exército está a ser reforçado à volta da cidade, sugerindo que um ataque importante por terra pode estar iminente”, diz o porta-voz da ONU para os Direitos Humanos, Rupert Colville. A Arsal, do lado libanês da fronteira, chegaram entretanto 500 a 600 famílias, e a agência da ONU para os Refugiados está a preparar-se para que cheguem muitas mais.

A ONU estima que permaneçam em Yabroud 40 a 50 mil pessoas. Muitas precisam de tratamento urgente e os hospitais de campo têm falta de tudo. A electricidade está cortada desde quarta-feira.

Nas últimas três semanas, terão morrido umas 5000 pessoas. Desde o início da revolta síria já morreram mais de 140 mil, incluindo 50 mil civis; destes 7626 são crianças e 5064 mulheres, diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma ONG que tenta manter um registo das vítimas com a sua rede de activistas e médicos espalhados pelo país – a ONU deixou de o fazer por razões de segurança.

A ONG estima que os mortos sejam muitos mais. Por um lado, só entram nas suas contas as vítimas confirmadas e documentadas; por outro, no que respeita aos grupos armados, de um lado e de outro faz-se o que se pode para esconder baixas.

“O Observatório gostaria de sublinhar que estas estatísticas não incluem as mais de 180 mil pessoas que desapareceram nas prisões do regime. O mesmo acontece com as mais de 7000 detidas por forças do regime ou grupos armados que lhe são leais e com as centenas de pessoas raptadas [por grupos rebeldes] por se acreditar que são leais ao regime”, diz a ONG num comunicado.

Num último sinal de antagonismo em Genebra, os opositores descobriram que os seus nomes foram incluídos na “lista de terroristas” do regime, o que significa que perderam os seus bens na Síria. A influente activista dos direitos humanos Suhar al-Atassi ficou sem a sua casa. “Quando viu o nome dela percebeu que tinha perdido a casa”, contou à Reuters um diplomata em Genebra. “Deixou cair uma lágrima durante um momento e depois voltou à sua habitual postura lutadora.”

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