ACNUR avisa que crise dos refugiados pode estar apenas a começar

Oito mil pessoas estão a chegar por dia à Europa. Quase ninguém é registado à chegada. Quase todos seguem caminho em direcção aos países que escolheram

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Só a Lesbos chegaram quinta-feira 24 barcos vindos da Turquia, trazendo 1200 pessoas Yannis Behrakis/reuters

O ritmo a que os refugiados estão a chegar à Europa não dá sinais de abrandar, como não abranda o número dos que, uma vez chegados às ilhas gregas, se põem de novo em marcha em direcção aos países que escolheram para continuar a vida interrompida pela guerra. Uma velocidade que, a cada dia que passa, torna mais obsoleto o plano de realojamento que dividiu a União Europeia.

“Não vejo sinais de que esteja a desacelerar ou a parar. Se há algo que se pode concluir é que isto talvez seja apenas a ponta do icebergue”, avisou Amin Awad, coordenador regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), dizendo que oito mil pessoas estão a chegar em média por dia às fronteiras da Europa.

Questionado em Genebra sobre se os países europeus devem estar preparados para receber nos próximos anos milhões de novos refugiados, Awad não excluiu essa possibilidade: “Se em poucos meses tivemos meio milhão [de chegadas] isso é algo que pode certamente acontecer.”

Este cenário, acrescentou, só dá mais razão aos apelos que o ACNUR repete há anos para a urgência de uma solução política para a guerra civil síria – “os líderes da nossa geração têm de agir muito rapidamente antes que o problema da Síria se transforme num problema global”. O responsável alertou ainda para o agravamento da situação humanitária no Iraque, que partilha com a Síria a fronteira e a ameaça dos jihadistas do Estado Islâmico, o que fará aumentar o número dos que deixam o país.

Os avisos do responsável ganham forma nas ilhas gregas do mar Egeu – só a Lesbos chegaram quinta-feira 24 barcos vindos da Turquia, trazendo 1200 pessoas –, nos centros de acolhimento e em todas as fronteiras do caminho até à Alemanha e aos países nórdicos. Há vários dias que perto de dez mil pessoas atravessam diariamenete a fronteira entre a Croácia e a Hungria, que as encaminha tão rapidamente quanto possível para a Áustria, o primeiro país onde muitos são identificados e registados. A Suécia, o país que com a Alemanha mais refugiados está a receber, anunciou nesta sexta-feira que pode transformar prisões e quartéis desactivados em abrigos de emergência. O país planeava receber 76 mil refugiados este ano, mas as sete mil chegadas diárias fazem prever que a fasquia será ultrapassada.

Foi para aliviar os países da frente desta crise que a UE acordou a redistribuição ao longo de dois anos de um total de 160 mil refugiados – um terço do número de total de chegadas desde Janeiro. Mas a maioria deles opta por não esperar, pondo-se de imediato ao caminho do país que escolheu como destino. O Wall Street Journal adianta, citando diplomatas europeus, que a Grécia só conseguiu registar 10 mil entre as centenas de milhares de refugiados que chegaram às suas costas e “a maioria deles está provavelmente já na Alemanha” – só através da Hungria passaram 250 mil pessoas. Berlim insiste que o sistema de repartição de esforços não funcionará se os refugiados puderem escolher o seu destino e a Áustria revelou ter já reenviado cinco mil pessoas que tinham sido registadas noutros países da UE.

O ritmo de chegadas dificulta também o controlo de identidades: o ministério do Interior alemão admitiu nesta sexta-feira que um terço dos que chegam ao país dizendo ser sírios têm outra nacionalidade. Um repórter do Washington Post que fala árabe passeou há dias pela estação de comboios de Viena e chegou à mesma conclusão, encontrando paquistaneses, argelinos e até indianos que se fazem passar por sírios. Alguns pagaram 200 dólares por um passaporte sírio, mas muitos chegaram à Áustria sem nunca terem mostrado qualquer documento.

Brechas que poderão ser reduzidas com o prometido reforço de meios nas fronteiras, mas que os serviços de informação dizem não ter um impacto significativo  na segurança do continente. Desmentido os alertas do partido anti-imigração, a secreta holandesa repetiu quinta-feira não haver sinais de que grupos jihadistas estejam a aproveitar a vaga de refugiados para enviar combatentes para a Europa.

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