Governo avisa que trazer refugiados à margem do plano europeu pode ser crime

Autoridades desaconselham a organização de caravanas de carros particulares para ir buscar refugiados. Riscos são grandes e está em causa o auxilio à imigração ilegal. Porém, Convenção de Genebra e directiva europeia poderá despenalizar essas iniciativas.

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Refugiados sírios na Jordânia: dezenas de milhares já passaram a fronteira Khalil Mazraawi/AFP

Para o Governo, a solidariedade que cada vez mais os portugueses estão a demonstrar, nomeadamente nas redes sociais, com a dinamização de caravanas de carros particulares que pretendem trazer refugiados sírios para Portugal terá de ter limites. Essas acções, que incluem a passagem de cidadãos sem documentos pelas fronteiras, comportam riscos e poderão mesmo constituir um crime.

“Quaisquer outras opções [à margem do plano das autoridades portuguesas] não se afiguram desejáveis. O respeito pela lei permite justamente garantir a protecção dos interesses dos refugiados e das comunidades que os acolhem. Em situações limite, nos termos da Lei dos Estrangeiros poder-se-á incorrer num crime de auxílio à imigração ilegal, verificados os seus pressupostos. O desaconselhamento de iniciativas que não sejam devidamente articuladas com o SEF e com o Alto Comissariado para as Migrações decorre da ponderação dos interesses dos refugiados”, adiantou o Gabinete do Ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional.

O ministério, porém, sublinha ser necessário nesta questão “ter presente o estatuto especial do refugiado e do regime de protecção internacional que possui”. Ou seja, quem transportar refugiados sem documentos para Portugal, a título pessoal, poderá na verdade não ser condenado pela Justiça uma vez que o acto se integra no âmbito de uma assistência humanitária. Em causa está uma directiva europeia que permite que o Estado-membro possa não impor sanções, o que equivale nestes casos a despenalizar ou isentar de pena quem tiver agido com a intenção de prestar ajuda humanitária.

Um dos dinamizadores de uma caravana de automóveis que partiu esta sexta-feira pelas 19h de Lisboa em direcção às fronteiras da Croácia ou da Hungria, expressou quinta-feira ao PÚBLICO a consciência total dos riscos que enfrentará, mas também sublinhou a sua motivação alicerçada na solidariedade e nos princípios da Convenção de Genebra. “Sabemos que podemos ser depois retidos nas fronteiras, sabemos que viajar com pessoas sem documentos poderá ser um crime, mas vamos tentar e esperamos contar com a boa vontade das autoridades se formos mandados parar. São os Estados que estão a falhar com a Convenção de Genebra e eu não quero ter vergonha de ser europeu, nem de ser português”, afirmou Nuno Félix.

Portugal receberá 4574 refugiados e o seu acolhimento em instituições está a ser organizado pelo Governo em articulação com a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) e o Conselho Português para os Refugiados. Pelo menos 100 instituições em Portugal já se disponibilizaram para acolher migrantes: 50 já foram seleccionadas e outras 50 estão em fase final de avaliação, de acordo com a PAR. Também segundo o CPR, 144 autarquias mostraram-se disponíveis para fornecer acolhimento.

As duas entidades, assim como a Associação Nacional de Municípios Portugueses, reuniram-se na manhã desta sexta-feira com o Grupo de Trabalho dos Refugiados na sede do SEF, em Lisboa. Sendo a primeira vez que o grupo se reunia com essas entidades, o encontro era visto como decisivo, devendo resultar dele, pelo menos, a assinatura de memorandos. Tal não terá, porém, sucedido e esses memorandos só deverão ser assinados no início da próxima semana. Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete do Ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional não adiantou pormenores sobre o que ficou decidido na reunião.

Portugal deverá receber cerca de 70 milhões de euros, até 2020, em fundos comunitários para integrar refugiados e migrantes, de acordo com uma proposta da Comissão Europeia. Cada país receberá seis mil euros do Orçamento da União Europeia por cada refugiado que acolher. Em Portugal, a verba será gerida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) “em função das prioridades e das necessidades identificadas”, explicou o ministério.

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