Há que seguir em frente

A reforma da organização judiciária e, consequentemente, do mapa judiciário é hoje um tema transversal a nível europeu, afectando países com os quais temos maior afinidade cultural em termos jurídicos (França e Espanha) e, também, outros com uma matriz bem diversa (Inglaterra; Holanda; Dinamarca; Croácia).

Em todos as razões da transformação têm origem nos novos desafios deste início de século, nomeadamente na evolução económica e social – originando a deslocação das populações –, e na mudança qualitativa da procura judiciária, que se exprime no aumento do contencioso e na alteração da sua natureza.

Relevou, ainda, no nosso país, a constatação da incapacidade do sistema para responder em tempo oportuno, e de forma eficiente, à procura que lhe era dirigida, o que se tornou patente com o aumento do volume dos processos em atraso.

Em todos os países que assumiram tal tarefa, a reforma do mapa judiciário assentou em três pilares fundamentais: a especialização com sede na concentração; o respeito por limites inultrapassáveis no que toca à proximidade dos cidadãos; a conjugação na procura da eficácia e da racionalidade.

Na actual reforma certamente que algumas das opções de delimitação territorial são incorrectas; certamente que a fiabilidade informática do CITIUS não foi previamente assegurada à implementação do mapa; certamente que algumas das soluções em termos de gestão das comarcas são questionáveis. Porém, a decisão política de promover a reforma do mapa judiciário tem o inegável mérito de iniciar um novo ciclo em termos de organização judiciária, rompendo com um modelo cuja desadequação era evidente. Durante décadas privilegiaram-se alterações, quase sempre de natureza cosmética, tendo a noção de que as mesmas não constituíam uma solução, mas um mero protelar no tempo e o adiar do futuro.

Como qualquer fenómeno de natureza social, a reforma deve ser progressiva e dinâmica, adaptando-se em cada momento à constatação das novas realidades e à necessidade de corrigir os erros cometidos. Esta tarefa implica uma monitorização efectiva, e global, com acompanhamento no terreno, sendo certo que já hoje são visíveis fracturas na arquitectura do modelo que importa ultrapassar, abrangendo áreas que vão desde a adequação de recursos humanos até à dimensão ingerível dalgumas comarcas, passando pela necessidade de reformulação, e articulação, com o Estatutos dos Magistrados.

Importa, ainda, salientar que se encontram ausentes da actual discussão, inerente à organização judiciária, temas que são essenciais e que, pela sua relevância, dentro em breve serão convocados para a discussão pública. A título exemplificativo falamos na necessidade de criação de tribunais criminais especializados com jurisdição na área da grande criminalidade económico-financeira; da situação crítica da jurisdição administrativa e fiscal; da desjudicialização, com o sucessivo afastamento da órbita dos tribunais de questões que tocam direitos fundamentais (julgados de paz, centros de mediação privadas; cartórios notariais etc.); da actividade sancionatória das entidades reguladoras a necessitar dum controle judicial mais intenso e especializado; falamos, enfim, da necessidade duma reponderação sobre o papel dos tribunais arbitrais.

De qualquer forma o caminho iniciou-se e agora há que seguir em frente.


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