Sobre a necessidade de regular o lobbying em Portugal

Seria importante que a Assembleia da República e o Governo tomassem a iniciativa de regular o lobbying relativamente aos seus titulares.

Hoje em dia, é cada vez mais intenso o movimento tendente à regulação do lobbying junto das instâncias políticas nacionais e da União Europeia. Na linha da melhor tradição norte-americana, a Irlanda acabou de dotar-se de um regime regulatório no início deste ano, o qual estará em período experimental até setembro próximo.

O Reino Unido adotou um regime – um pouco mais limitado – no ano passado. Estes Países juntam-se assim a outros tantos na Europa – como a Lituânia, a Polónia, a Eslovénia ou a Áustria –, e à já longa tradição dos EUA e do Canadá, em que a atividade do lobbying se encontra sujeita a obrigações estritas de registo público e de transparência. Em contrapartida, Países como a França e a Alemanha persistem ainda num modelo de registo voluntário do lobbying, pautado por uma menor eficácia no controlo e erradicação de concretizações malignas. Sabendo-se que o Governo Português pondera atualmente introduzir uma regulação desta atividade em Portugal, a ocasião é azada para discutir os seus méritos e virtudes.

O que é, antes de mais, o lobbying? O lobbying é a atividade pela qual interesses externos aos órgãos de decisão política ou administrativa procuram influenciar, através de contactos realizados com os titulares desses órgãos ou com os seus assessores, o conteúdo das opções políticas a adotar em cada momento, ou das escolhas discricionárias a realizar no plano da implementação administrativa das leis. Recorrendo a um termo anglo-saxónico, aqueles agentes externos visam assim influenciar o policymaking levado a cabo pelos decisores públicos. Sob este prisma, o lobbying distingue-se marcadamente do puro exercício de direitos de queixa por cidadãos ou outras entidades relativamente a eventuais ilegalidades que os tenham lesado. Ao contrário de petições ou representações desse teor (ex: queixas enviadas ao Provedor de Justiça), o lobbying não assume uma finalidade jurídico-legal – de reivindicação de direitos já consagrados na lei –, mas sim uma finalidade de influência estritamente política. Por outro lado, o lobbying também não se confunde com os mecanismos já existentes na nossa legislação de envio de petições à Assembleia da República, ou de envio de comentários e sugestões à Administração Pública nas consultas públicas feitas para a emissão de regulamentos administrativos. O lobbying distingue-se de todos esses mecanismos gerais por ter uma concretização essencialmente informal, traduzindo-se no estabelecimento de contactos com pessoas específicas situadas junto dos círculos do poder.

A regulação do lobbying consiste tipicamente na sujeição a registo público de todos os indivíduos ou entidades que, com certa regularidade, se dediquem a essa atividade. O registo declara os objetivos dessas entidades, bem como eventualmente as suas fontes de financiamento. O registo é, depois, periodicamente atualizado (ex: todos os trimestres ou semestres) de maneira a indicar os contactos que as entidades tenham entretanto feito, os decisores e assessores contactados, os resultados desses contactos, bem como os eventuais fluxos financeiros envolvidos. São entidades “lobistas” para efeitos do registo quer aquelas que exerçam influência política no seu interesse próprio – como as associações ou empresas que se movimentem para defender os interesses da sua atividade –, quer as entidades consultoras que prestem serviços de lobbying a terceiros, a troco de uma remuneração.

Quais são as vantagens de regular o lobbying, e por que razão deve tal regime ser introduzido em Portugal? Duas razões fundamentais o tornam premente. Em primeiro lugar, a obrigação de registo público torna a atividade de lobbying transparente, quer aos olhos do regulador, quer potencialmente aos olhos de qualquer cidadão. Deste modo se ajudaria a prevenir a ocorrência de versões malignas do lobbying, em que este é utilizado, não para a resolução benigna de problemas concretos na sociedade, mas sim para práticas de corrupção. Em segundo lugar, a regulação do lobbying teria também o efeito de o estimular nas suas dimensões mais positivas, através do reconhecimento de dignidade legal às entidades que o praticam. Num mundo complexo como o atual, é essencial que os políticos e a administração pública possam contar nas suas decisões com os “alertas” vindos da sociedade, apresentados por empresas, associações, sindicatos, autarquias ou cidadãos individuais. É cada vez mais importante que a representação política abarque também uma “representatividade orgânica” feita através da auscultação diária e espontânea dos interesses das empresas, associações, IPSS, autarquias e demais entidades que circulem na sociedade. Neste sentido, a germinação de um mercado de empresas de serviços de lobbying poderia utilmente contribuir para organizar e potenciar tais elos de ligação intermédios entre os cidadãos de base e as autoridades.

No quadro de uma Constituição como a Portuguesa que reparte a função legislativa pela Assembleia da República e pelo Governo, seria importante que cada um destes órgãos tomasse assim a iniciativa de regular o lobbying relativamente aos seus titulares. Tem havido eco de que o Governo pondera atualmente introduzir uma regulamentação com aplicação alargada ao setor público administrativo estadual. Seria importante que a Assembleia da República ponderasse idêntica iniciativa relativamente aos seus deputados e assessores.

Advogado, mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Columbia (Nova Iorque)

Sugerir correcção
Comentar