As equivalências que puseram a Lusófona em xeque

Por causa de processos de creditção declarados nulos, 105 alunos perderam por agora os seus graus académicos

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Houve processos declarados 3ulos em 31 cursos da Lusófona PÚBLICO

Muitas das irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) nos processos de equivalência elaborados pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) repetem-se de curso para curso, de aluno para aluno.

 A IGEC analisou 425 processos de 54 cursos e encontrou situações que implicavam a nulidade de processos de creditação em 31 deles, abrangendo um total de 150 alunos.

Por causa delas, 105 que já tinham obtido graus académicos perdem-nos  agora, depois de a universidade, por imposição do Ministério da Educação e Ciência, ter declarado a nulidade dos processos em que obtiveram créditos por via da sua experiência profissional e académica anterior. Exemplos do que aconteceu, segundo a IGEC, e alguns dos visados.

Ensino da Filosofia: era uma vez um mestrado
Não tem qualquer dúvida: se o processo não se resolver, irá “pedir uma indemnização” à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias por “danos patrimoniais e de imagem”. É que tendo 30 anos de serviço como professor de Filosofia do secundário, numa escola pública, Manuel Marques José não se conforma que tenha feito um mestrado que lhe custou tempo, esforço e dinheiro (2000 euros, incluindo diploma) para agora o ver declarado nulo. Chegou à Lusófona em 2011. Creditaram-lhe a longa experiência de professor — não se recorda quantos créditos lhe atribuíram, mas uma lista que consta do processo consultado na segunda-feira pelos jornalistas refere 75. Para se obter um grau de mestrado são necessários entre 90 e 120. 

“Passei seis meses a preparar a monografia que me foi pedida”, disse ao PÚBLICO. Defendeu-a, frequentou um seminário e foi-lhe atribuído o mestrado no fim de 2012. “Até que em Fevereiro ou Março último mandaram-me uma carta. A Lusófona dizia que havia um problema de fundamentação, um vício de forma, mas que até ao fim de Abril me seria entregue um novo diploma.” Não foi. Em Junho recebeu outra carta da universidade onde se declara a “nulidade das creditações profissionais”.

Segundo o relatório da Inspecção-Geral de Educação foram detectados três processos de creditação irregular no curso de Ensino da Filosofia no Ensino Secundário da universidade — três mestres que se diplomaram obtendo equivalência a algumas unidades curriculares, através de créditos profissionais, algo que está previsto na lei, mas que tem regras. “Na creditação inicial não se encontravam demonstradas as relações entre as competências adquiridas em contexto profissional e declaradas com as competências a creditar nas respectivas áreas científicas, situação que gera nulidade do processo”, escrevem os inspectores no relatório sobre estes ex-alunos. 

Marques José refere que na universidade lhe disseram que o problema era muito simples e meramente formal:  no processo dele tinham incluído o documento que comprovava que tinha, de facto, feito a profissionalização em serviço, havia mais de 20 anos — um documento “emitido pelo Ministério da Educação”, sublinha. “Mas faltava uma anotação da universidade que dissesse qualquer coisa como ‘estão demonstradas as competências adquiridas conforme o documento tal demonstra’.” Parecia simples. Mas acabou mesmo por ver o seu nome na lista dos que perdem, pelo menos para já, os graus académicos. “Tenho 30 anos de serviço como professor”, insiste. Só fez o mestrado porque, explica, quando as carreiras vierem a ser descongeladas, poderá assim ter um ano de bonificação  — o que representa um “pequeno acréscimo monetário”.

Num parecer que elaborou a pedido da IGEC, o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República considera que a situação dos alunos — não apenas destes, mas de todos os que perderam para já o curso — vai depender essencialmente de se comprovar se detinham, de facto, as competências que lhes foram creditadas na altura em que os seus processos foram instruídos pela Lusófona.

A universidade está a chamar muitos dos seus ex-estudantes visados neste processo para lhe propor soluções, como a frequência de unidades curriculares. Este professor tem reunião marcada para sexta-feira.

Total de processos declarados nulos: 3

Estudos de Segurança: “Chamavam-nos a turma da terceira idade”
Foi no curso de Estudos de Segurança que mais processos foram detectados com irregularidades na atribuição de créditos. Nos certificados de conclusão de vários alunos — muitos dos quais elementos de forças de segurança, com cargos de chefia no currículo — estão registadas disciplinas, apresentadas como opcionais, que “não constam como unidades curriculares de qualquer curso existente e em funcionamento na universidade, à data da concessão da referida creditação”. Foram encontradas 20 disciplinas nestas condições para as quais os alunos obtiveram equivalência. O mesmo aconteceu com outras cinco cadeiras que já tinham sido suprimidas, devido às alterações dos planos de estudos na sequência da reforma de Bolonha.

Um ex-aluno que pediu para não ser identificado conta que da sua turma faziam parte vários colegas que tinham vindo da Universidade Lusíada, onde já tinham concluído cadeiras no curso de Políticas de Segurança. “Eram pessoas que, na sua maioria, estavam, nas suas áreas profissionais, no topo das carreiras, tinham feito vários cursos de formação ao longo da vida, alguns já tinham outras licenciaturas até”, diz, para sublinhar a ideia de que “ninguém precisava do curso para progredir na carreira”. Alguns estavam à beira da aposentação: “Chamávam-nos a turma da terceira idade.”

Em 2010, souberam que a Lusófona precisava de 12 alunos para constituir uma turma de último ano na recém-criada licenciatura de Estudos de Segurança. E mudaram-se para lá. Receberem créditos, obtiveram equivalências. Frequentaram algumas cadeiras e saíram diplomados. Agora, muitos têm de entregar o diploma.

 Total de processos declarados nulos: 47

Engenharia do Ambiente: certificado falso?
Entre os 14 alunos com processos declarados nulos, estão dois que, segundo a IGEC, “não reúnem as condições necessárias e suficientes” para aceder ao ensino superior. João Salgueiro, presidente da Câmara de Porto Mós, eleito pelo PS, é um deles. Segundo a IGEC, não podia ser incluído nas condições especiais criadas para os detentores do curso de regentes agrícolas (equiparação a bacharel), não podendo também assim beneficiar da possibilidade dada a estes, a partir de 2008, de prosseguir estudos no superior. Numa nota emitida na terça-feira à noite, o autarca garantiu que concluiu apenas, na Lusófona, uma especialização em Ciências do Ambiente, curso que não tinha o estatuto de licenciatura.

O outro ex-aluno de Engenharia do Ambiente que a IGEC aponta como não tendo condições de ingressar no ensino superior apresentou um certificado de habilitações que “indicia tratar-se de um documento falso”. Trata-se de um certificado “relativo ao curso de regente agrícola, emitido pela Escola Dr. Francisco Machado, Estado de Angola, em 29 de Maio de 1976, que exibe um timbre da República Portuguesa em data que já tinha sido declarada a independência daquele território”, especifica a inspecção.

Segundo a agência Lusa, que consultou o processo deste ex-aluno, naquele diploma fica-se a saber pouco mais do que seu nome completo, o dos pais e a classificação final do curso (12 valores). Alegadamente por essa razão, a comissão específica de creditação do curso entendeu que, não havendo uma lista de disciplinas às quais pudessem ser dadas equivalências, as cadeiras em falta para concluir a licenciatura ficariam todas feitas com a média do curso de especialização para regentes agrícolas promovidos pela Lusófona, onde obteve 13 valores. 

Ainda segunda a Lusa, este ex-aluno conseguiu ainda equivalência às disciplinas de Saúde Pública, Ecologia dos Sistemas Terrestres e Microbiologia I, de que necessitava para integrar o Conselho Nacional de Planeamento e Emergência, que funciona na alçada da Autoridade de Protecção Civil. Estas equivalências foram-lhe dadas devido à sua experiência profissional enquanto técnico da Protecção Civil.  
Outros dois casos identificados pela Lusa neste curso são o do presidente e vice-presidente do Colégio de Engenharia Agrária, da Ordem dos Engenheiros Técnicos, que terminaram o curso de Engenharia do Ambiente no mesmo dia. Ambos já foram notificados para entregarem os seus diplomas. 

O presidente do colégio, Fernando Carvalho, disse que a retirada do diploma não tem consequências na sua vida profissional e nos cargos que desempenha na Ordem, uma vez que já tinha uma licenciatura em Engenharia Agrária. Já o vice-presidente da Ordem escusou-se a prestar declarações, tendo referido apenas que esta semana será ouvido pela universidade e só depois saberá como fica o seu o processo. 

Total de processos declarados nulos: 14

Mestrado Integrado em Arquitectura: As disciplinas-mistério
A três alunos foram  atribuídas equivalências a seis disciplinas indeterminadas ou inexistentes na Lusófona na altura em que esta creditação foi feita, duas para cada um. Esta é uma das irregularidades comuns a muitos outros processos declarados nulos. Há vários casos em que foram registadas disciplinas que os alunos realizaram em outras instituições como se fossem cadeiras feitas na Lusófona por via das creditações atribuídas.

Total de processos declarados nulos: 8

Ciências Aeronáuticas: prever o futuro 
A três alunos foram atribuídas equivalência a um plano de estudos da licenciatura, no ramo de gestão de operações de voo, que só seria aprovado um ano depois. A IGEC considera que esta “situação evidencia que ao documento original, emitido em Março de 2008, foi junta uma tabela que contém unidades curriculares que só vieram a constar do plano de estudos aprovado em Outubro de 2009, pelo que tal documento não pode ser original e as creditações concedidas a tais unidades curriculares não podiam ter sido concedidas à data em que o foram porque não existiam”.

Total de processos declarados nulos: 5

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