Alunos podem ter colaborado, mas a responsabilidade das irregularidades é da Lusófona

PGR considera que a situação dos alunos que perderam os cursos vai depender essencialmente de se comprovar se detinham, de facto, as competências que lhes foram creditadas.

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Especialista de Direito Administrativo considera que alunos podem avançar com acções de responsabilidade civil contra a Lusófona Fotógrafo

Dois especialistas em Direito Administrativo atribuíram, nesta quarta-feira, à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) a responsabilidade principal pela atribuição de graus académicos com base em processos irregulares, embora um deles também não exclua a possibilidade de alguns ex-alunos poderem ser responsabilizados.

"Independentemente de o aluno ter ou não conhecimento do ilícito, estamos perante uma responsabilidade de uma instituição que estava certificada para fazer o que fez. Independentemente de os alunos terem ou não a percepção de alguma eventual irregularidade, isso não apaga a responsabilidade da instituição pelos benefícios que foram erradamente atribuídos", salientou, em declarações à agência Lusa, o constitucionalista e especialista em Direito Administrativo, Pedro Bacelar Vasconcelos.

A atribuição de créditos permite aos alunos obter equivalências a certas disciplinas. A partir de 2006, com a implementação da reforma de Bolonha, a experiência profissional anterior dos alunos também pode ser creditada para o mesmo efeito. No caso da Lusófona, segundo concluiu a Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), foram atribuídos créditos aos alunos relativos a disciplinas que não existiam na universidade ou que não estavam identificadas e também aos que não tinham documentos que comprovassem as competências descriminadas nos seus Curriculum Vitae. A IGEC considerou que em todos estes casos deveria ser declarada a nulidade dos respectivos processos de creditação.

Dos 425 processos analisados

pela IGEC relativos a alunos que frequentaram a ULHT entre 2006 e 2013, foram encontrados 152 em que, segundo a inspecção, esta sanção se aplicava. Em Dezembro passado, na sequência desta análise, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) intimou a Lusófona para que procedesse à sua declaração de nulidade. Na segunda-feira, os jornalistas tiveram finalmente acesso ao processo de averiguações da IGEC. Da sua consulta constata-se que a Lusófona declarou a nulidade de 149 dos 152 processos postos em causa pelo MEC.

Dos outros três identificados, um diz respeito ao do ex-ministro Miguel Relvas, que foi remetido pelo MEC para o Ministério Público, competindo assim a decisão sobre a sua nulidade à justiça. E os outros dois respeitam a alunos cuja creditação já tinha sido anulada pela Lusófona antes da análise efectuada pela IGEC, mas que lhe foram remetidos por a direcção da universidade desconhecer esta situação.

Responsabilidade civil

Dos 149 alunos que viram os seus processos de creditação declarados nulos, 105 tinham concluído os estudos e recebido um diploma da ULHT. O MEC ordenou que a universidade procedesse à “cassação” destes certificados. Segundo a Lusófona, 101 alunos já foram notificados para os devolverem. Faltam quatro: um volta a ser Relvas, que não é abrangido por a sua situação estar dependente de decisão judicial. Dos outros três, um estava de novo a realizar a disciplina posta em causa, outro estava fora do país e um terceiro não compareceu à audiência prévia convocada pela universidade antes de declarar a nulidade do seu processo, explicou a direcção da Lusófona.

"Diria que a situação dos alunos depende de várias circunstâncias: a primeira é saber se existia uma norma que permitia que, verificados determinados pressupostos, eles tinham o direito à equivalência na respectiva disciplina. Isso significa que eles, de algum modo, ao pedirem a equivalência, colaboraram na prática do acto, mas a verdade é que colaboraram tendo uma norma que permitia que assim sucedesse", indicou à Lusa o também especialista em Direito Administrativo, Paulo Otero. 

Para este professor universitário, "o aluno é alheio à ocorrência, salvo se tomou a iniciativa de pedir essa equivalência sabendo que não tinha direito" à mesma. "Isto pode ser relevante para efeitos de responsabilidade civil, e a responsabilidade civil é da universidade, que lhe atribuiu um título e com base nesse título o aluno veio, por exemplo, a obter uma determinada profissão que depende da respectiva licenciatura", especificou.

Se o aluno perder o emprego na sequência das irregularidades detectadas, este pode vir a desencadear uma acção de responsabilidade civil contra a universidade, acrescentou.

Um problema de competências

Num parecer que elaborou a pedido da IGEC, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considera que a situação dos alunos que perderam os cursos vai depender essencialmente de se comprovar se detinham, de facto, as competências que lhes foram creditadas na altura em que os seus processos foram instruídos pela Lusófona.

Se tal acontecer, a regularização da sua situação que está agora a ser proposta pela universidade (102 já se mostraram interessados) terá efeitos retroactivos à data em que acabaram as licenciaturas, ou seja, os actos praticados enquanto graduados não poderão ser postos em causa. Se não se verificar que detinham as competências creditadas, então só poderão ser considerados licenciados a partir do momento em que for regularizada a sua situação, explica-se no parecer consultado pelo PÚBLICO.

Em resposta a questões do PÚBLICO, o MEC esclareceu, na terça-feira, que tal “só poderá ser avaliado no âmbito de novos procedimentos de creditação” destes alunos. Já a Lusófona rejeita liminarmente que haja competências em causa: “Conforme se verifica pela consulta aos processos, em nenhum caso foi a posse das competências pelos alunos questionada pela IGEC. A nulidade foi declarada em função da falha de natureza administrativa. É isso que está em questão e nunca o facto de a universidade ter atribuído a um aluno competências que não tinha.”

Num esclarecimento enviado à comunicação social, a reitoria da universidade insistiu, na terça-feira à noite, que quando for dada por concluída a de reinstrução de processos “aplica-se a estes, de acordo com o definido no Código do Processo Administrativo, o princípio da retroactividade, produzindo os actos presentes efeitos sobre o momento passado — momento em que foi declarada a nulidade. Ou seja, da reinstrução administrativa do processo não resulta para o visado qualquer tipo de lesa”.

Mais nulidades

O Conselho Consultivo da PGR entendeu ainda, no seu parecer, que existia outra categoria de irregularidades que impunha a declaração e nulidade dos respectivos processos e que diz respeito à ausência de uma relação entre as equivalências atribuídas derivadas da experiência profissional dos alunos e as das áreas científicas para as quais foram creditadas.

Inicialmente, a IGEC tinha considerado que esta ausência de relação estava enquadrada na “figura de actos anuláveis”, um regime menos gravoso que o da nulidade e que prescreve ao fim de um ano da prática das irregularidades, mas acabou por acatar o entendimento da PGR. Numa contestação dirigida em Março ao MEC, a Lusófona frisa que este entendimento, “nos termos amplos em que está formulado, corria o risco de permitir, a par de possíveis situações de nulidade, a conclusão de situações de fundamentação não ausente mas meramente deficiente ou insuficiente e de situações que se incluem nos espaços de autonomia científica e pedagógica da universidade”. Segundo a Lusófona, foi o que aconteceu.

 

 

 

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