Cronologia do caso Lusófona/Relvas

Em 2009, uma auditoria já apontava problemas. Em 2012, o “caso Relvas” fez os inspectores da Educação voltar. Em 2013, Nuno Crato pediu à universidade que passasse em revista centenas de processos de alunos.

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As falhas na Lusófona foram detectadas em 2009 PÚBLICO

2009
Falhas detectadas

Uma auditoria da inspecção da Educação à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) aponta falhas no sistema de creditação de competências profissionais e académicas em vigor — um sistema que, à data, permitia que a experiência profissional e académica de alguém que se candidatasse a um curso superior pudesse ser avaliada tendo em vista a obtenção de créditos (não havia na altura limite para os créditos que um aluno podia receber) que, por sua vez, poderiam dar equivalência a disciplinas.

De acordo com o relatório produzido em 2009 pela inspecção, na ULHT foram detectados “processos individuais de alguns alunos” em que a aprovação das equivalências era feita pelos directores dos cursos e não pelo Conselho Científico da escola, com posterior ratificação do Conselho Científico Universitário, como determinavam os estatutos. O relatório notava também que nos processos de alguns alunos havia “documentos rasurados, não trancados, nem devidamente assinados”. Os inspectores deixaram várias recomendações à ULHT.

Julho de 2012
O “caso” Relvas

A 7 de Junho, o jornal Crime publicou uma notícia com o título “Miguel Relvas não revela o seu percurso académico”. A 3 de Julho, o jornal i publicou um trabalho sobre “figuras públicas que se licenciaram tarde”. O então ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, ex-aluno da ULHT, contribuiu com um depoimento: “Fui admitido, por despacho do director do curso de Ciência Política e Relações Internacionais em Outubro de 2006. Foi-me conferido o diploma de licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais em Dezembro de 2007, nos termos do Processo de Bolonha, através de seis semestres.” Nesse mesmo dia e nos seguintes o PÚBLICO divulgou pormenores: o ministro concluíra a licenciatura, cujo plano de estudos era de 36 cadeiras, distribuídas por três anos, em apenas um ano (entre Setembro de 2006 e Outubro de 2007), tinha tido 11 de classificação final, graças ao seu percurso anterior, e desde os anos 80 já tinha estado matriculado noutros cursos, noutras instituições: Direito (fez uma cadeira); História (inscreveu-se em sete cadeiras, mas não concluiu nenhuma); Relações Internacionais (não frequentou nenhuma disciplina). Vários representantes do sector consideram estranho que se fizesse uma licenciatura num ano.

12 de Julho de 2012
Auditoria ordenada

A 12 de Julho, o ministro da Educação de Nuno Crato pediu à Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) uma auditoria à ULHT para, justificou, apurar se as recomendações que haviam resultado da auditoria de 2009 à universidade tinham sido postas em prática. E para ver também como estavam a funcionar os procedimentos de atribuição de créditos aos alunos.

9 de Outubro de 2012
IGEC entrega relatórios

No início de Outubro de 2012, a IGEC entrega ao ministério dois relatórios: um sobre o funcionamento da ULHT e outro “dizendo respeito à acção de controlo aos procedimentos de creditação” desenvolvida pelos inspectores. Na opinião pública, o centro das atenções é Miguel Relvas. De todos os alunos que desde 2006 tinham obtido créditos/equivalências na ULHT, fora ele quem mais créditos obtivera via processo de reconhecimento: o seu percurso na política, nas empresas e noutras entidades valera-lhe 160 dos 180 necessários para o grau de licenciado.  

24 de Outubro de 2012
Lusófona recebe advertência

A ULHT recebe uma advertência formal do Ministério da Educação e Ciência (MEC) pelo não cumprimento das recomendações feitas em 2009. Para além disso, o ministro Nuno Crato ordena à instituição para que, em 60 dias, reanalise “todos os processos” de creditação de competências de alunos conduzidos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 74/2006, “retirando dessa reanálise as consequências devidas, incluindo, quando for o caso, a declaração de nulidade dos graus atribuídos”. Ou seja: créditos que tivessem sido mal atribuídos deveriam ser retirados. Mesmo se isso implicasse que ex-alunos vissem anulada a licenciatura.

O secretário de Estado do Ensino Superior, num despacho do mesmo dia, dá ainda 90 dias para que a Lusófona cumpra todas as recomendações feitas em 2009. E estabelece, entre outros, que a ULHT deve garantir que os processos de creditações são aprovados pelos órgãos competentes. Fica decidido, por fim, que no 1.º semestre de 2013 a ULHT será alvo de “uma acção de acompanhamento” por parte da IGEC.

Fica a saber-se através desse despacho que um “terceiro procedimento de inspecção, desencadeado na sequência das anteriores acções”, está em curso. Não se avançam explicações. Mas tem a ver com uma das disciplinas feitas por Miguel Relvas na universidade.

Janeiro de 2013
398 processos revistos

A ULHT entrega à IGEC um relatório onde explica a análise que fez dos processos de alunos que desde 2006 passaram por um processo de creditação, entre os quais o de Relvas.

14 de Fevereiro de 2013
Curso de Relvas no centro das atenções

Entre Janeiro e Fevereiro a IGEC analisa a informação que lhe é entregue pela ULHT. E produz mais dois relatórios. O primeiro tem a data de 14 de Fevereiro. Analisa a “aprovação do aluno n.º 20064768 nas unidades curriculares que teve de realizar para a conclusão do curso” em 2006. O aluno n.º 20064768 é Miguel Relvas. Este relatório centra-se nas quatro cadeiras (das 36 do plano de estudos) que Relvas fez. A disciplina de Introdução ao Pensamento Contemporâneo (onde teve 18 valores) levanta dúvidas.

Relvas fora avaliado nessa cadeira com base numa “discussão oral de sete artigos de jornal” da sua autoria “publicados em diferentes órgãos de comunicação social, entre 2003 e 2006”. O professor que o avaliara fora Fernando dos Santos Neves, então reitor. Acontece que esta forma de “exame” contrariava o que se encontrava então estipulado tanto nos Estatutos da ULHT, como no Regulamento de Avaliação de Conhecimentos daquela universidade, frisa-se no relatório da IGEC. Na verdade, acrescentam os inspectores, este tipo de prova “surgia apenas associado à avaliação final por exame no Regulamento Pedagógico do curso de Ciência Política”, que fora aprovado em 2006 apenas por Santos Neves, na sua qualidade de reitor, e não pelos órgãos próprios da universidade, pelo que, dizem os inspectores, não era válido.

Para tentar sanar esta irregularidade, em Dezembro de 2012, o Conselho Pedagógico da Faculdade de Ciência Política da ULHT ainda tentou uma solução: aprovou o dito Regulamento Pedagógico de 2006, com efeitos retroactivos, e ratificou também a avaliação feita a Relvas seis anos antes. Mas a solução retroactiva não convenceu os inspectores que acharam que a avaliação de Relvas a Pensamento Contemporâneo não era válida. Propuseram ao ministério que enviasse o caso para a Justiça avaliar.

27 de Fevereiro de 2013
Outros cursos, outras dúvidas

O outro relatório da IGEC entregue ao MEC tem a data de 27 de Fevereiro e analisa a forma como uma comissão de auditoria interna da ULHT passara em revista, desde Outubro de 2012, os 398 processos individuais de alunos/ex-alunos da instituição de ensino que haviam solicitado desde 2006 equivalências/créditos (entre os quais Relvas). A dita comissão interna avaliou, entre outras coisas, a “fundamentação” e “adequação científica” dos pareceres que estiveram na origem, em cada caso, da atribuição ou não de equivalências/créditos. Resultado: a Lusófona suspendeu os processos de 5 estudantes; em 372 processos o número de créditos atribuídos manteve-se; em 14 diminuiu; em três aumentou. A universidade comunicou ainda que fez 55 novos pareceres científicos a justificar créditos atribuídos, que elaborou 198 complementos de pareceres e que emitiu novos certificados por ter detectado incorrecções...

A Lusófona considerava que tinha introduzido todas “as medidas e correcções” necessárias aos problemas que haviam sido detectados. Mais: novos regulamentos tinham sido aprovados. Mas os inspectores não se mostraram, uma vez mais, satisfeitos. No relatório de 27 de Fevereiro, a IGEC estranha, desde logo, que a verificação administrativa dos processos relacionados com a atribuição de créditos tivesse sido da responsabilidade “dos mesmos actores (serviços académicos e serviço de gestão da qualidade) que intervieram na prática e/ou consolidação dos actos identificados como contendo erros e omissões”.

O relatório da IGEC defende que é preciso “aferir sobre a validade dos procedimentos adoptados” pela universidade para sanar as irregularidades detectadas. E considera que a ULHT tratou “ao mesmo nível” situações “de relevância muito diversa” — desde os casos em que encontrou rasuras nos documentos, até a outras em que não havia “justificação/suporte” para os créditos atribuídos.

Os inspectores entendem assim que uma série de deficiências e aparentes incoerências impedem “uma tomada de posição consolidada capaz de garantir os níveis de segurança exigíveis” e propõem “a realização de uma acção de acompanhamento para verificação de todos os processos de creditação, quer de experiência profissional, quer de outra formação, relativamente aos quais subsistem dúvidas”.

2 de Abril de 2013
Secretário de Estado concorda

O secretário de Estado do Ensino Superior assina um despacho a concordar com a inspecção quando esta propõe um “acompanhamento” da ULHT “para verificação de todos os processos de creditação”. No dia seguinte também dá a sua concordância ao envio para o Ministério Público da informação da IGEC sobre a forma como Miguel Relvas fora avaliado à disciplina de Introdução ao Pensamento Contemporâneo. Nenhum dos despachos é tornado público logo.

3 de Abril de 2013
Ministro quer mais explicações

O ministro da Educação Nuno Crato assina um despacho onde diz que a auditoria interna realizada pela ULHT sobre os processos de creditação tem vários problemas. Desde logo, “não se reconhece a existência de um verdadeiro processo de observação independente” por parte da universidade. É assim ordenada uma acção de acompanhamento da Lusófona para “verificação de todos os processos de creditação, quer de experiência profissional, quer de outra formação, relativamente aos quais subsistem dúvidas”. Remata o despacho: “Esta acção inspectiva impõe-se para garantir a qualidade do ensino superior e a credibilidade das instituições que o ministram” e “das suas conclusões serão extraídas as devidas consequências, incluindo, caso se detectem inconsistências nas creditações atribuídas, a imposição de sanções adequadas à ULHT e a participação ao Ministério Público da invalidade de decisões de creditação e de actos de certificação de graus académicos para que este possa promover a respectiva impugnação judicial”. Ao PÚBLICO, o MEC confirmará, nos dias seguintes, que o processo de Miguel Relvas, que lhe permitiu ter equivalência a 32 das 36 cadeiras do curso de Ciência Política, também será analisado pela IGEC.

4 de Abril de 2013
Relvas demite-se

Miguel Relvas, ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, apresenta a demissão do Governo, alegando “falta de condições anímicas” para continuar a exercer funções. Duas horas e meia depois, o gabinete de Nuno Crato emite um comunicado. “Atendendo à circunstância de existir prova documental de que uma classificação de um aluno não resultou, como devia, da realização de exame escrito, e face à limitação dos poderes de tutela, o Ministro da Educação e Ciência, no despacho respectivo, concordou com a proposta da IGEC de comunicar o caso ao Ministério Público para que, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dele possa extrair os devidos efeitos legais.”

25 de Junho de 2013
Pensamento Contemporâneo vai para tribunal

O Ministério Público defende “a nulidade do acto de atribuição de licenciatura a Miguel Relvas” por causa da avaliação a Introdução ao Pensamento Contemporâneo.

Abril de 2014
"Ilegalidades especialmente graves"

Porque "em alguns dos actos de creditação" levados a cabo pela ULHT, "foram identificadas ilegalidades especialmente graves, que têm como consequência a nulidade desses actos" o MEC solicita ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República "um parecer jurídico sobre a invalidade imputável aos actos de creditação feridos de ilegalidade". Objectivo: "Conferir a máxima robustez jurídica às conclusões e propostas" que a IGEC vier a fazer

Julho de 2014
Relatório final

O relatório final da IGEC, elaborado em conformidade com o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, é entregue ao MEC.

Dezembro de 2014
Lusófona recebe ordens

No dia 16 o secretário de Estado do Ensino Superior José Ferreira Gomes homologa o relatório da IGEC. E determina que os órgãos competentes da ULHT devem, nas situações sinalizadas no relatório, promover, no prazo de 60 dias, a instrução de novos procedimentos de creditação de acordo com a legislação em vigor. "No mesmo prazo, e depois de ouvidos os interessados, deve também a ULHT declarar, em 152 processos, a nulidade dos actos de creditação e proceder à cassação de diplomas e certificados que tenham sido atribuídos, sob pena de ser participada a invalidade desses actos ao Ministério Público." É aberto "um procedimento de verificação da manutenção dos pressupostos do reconhecimento de interesse público da ULHT" que "fica dependente da avaliação que vier a ser feita do cumprimento desse despacho". Toda esta informação só será contudo divulgada pelo MEC meses depois (1 de Abril de 2015).

Março de 2015
Lusófona declara processos nulos

Dentro do prazo, a ULHT envia à tutela um relatório no qual reporta que “foram declarados nulos ou encontram-se em vias de conhecer essa invalidade 75 processos académicos” e que relativamente aos processos remanescentes aguarda o esclarecimento de dúvidas por parte do ministério. No dia 24, a ULHT é notificada de que tem 15 dias para o "cumprimento integral do despacho de 16 de Dezembro".

1 de Abril de 2015
MEC dá conta dos desenvolvimentos

As decisões do MEC de Dezembro e de Março são tornadas públicas numa nota informativa do ministério de Nuno Crato. Bem como o despacho de Dezembro do secretário de Estado que acusa a universidade de “reincidente na falta de rigor”. O processo específico de Miguel Relvas continua à espera de decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

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