Para o Parlamento, as políticas de natalidade são assunto de mulheres?

Combate ao desemprego jovem e aos baixos salários voltou a ser abordado numa conferência sobre a problemática da natalidade em Portugal.

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A Associação para o Planeamento da Família convidou os partidos para discutir a natalidade — todos enviaram deputadas enric vives-rubio

A resposta mais directa veio da deputada socialista Catarina Marcelino: “Não vou dizer por que sou eu que estou aqui, mas a Assembleia da República reproduz o resto, o que existe na sociedade.” A comissão organizadora da conferência A(s) Problemática(s) da natalidade em Portugal: uma questão social, económica e política , que terminou nesta sexta-feira em Lisboa, desafiou os grupos parlamentares para um debate sobre o tema e no painel só havia deputadas. Não foi só a composição da mesa que saltou à vista, as questões de género continuam a marcar o debate sobre o tema.

João Lavinha, da direcção da Associação para o Planeamento da Família (APF) e da comissão organizadora, esclareceu que os convites foram dirigidos aos vários grupos parlamentares, com excepção do Partido Ecologista Os Verdes, especificamente endereçado a Heloísa Apolónia: “Subscrevo o que disse a deputada do PS. A Assembleia da República e os partidos reflectem a cultura do país, em que estes temas ainda são assuntos de mulheres, mas nós não concordamos”, frisou à margem da conferência. Só o Bloco de Esquerda não esteve presente.

Mónica Ferro, do PSD, admitiu que a natalidade persiste “ligada à percepção dos papéis sociais” e que as mulheres continuam a acumular mais tarefas, em casa e no trabalho. “Isto tem de ter impacto”, disse, referindo-se à decisão de ter filhos. No que toca a políticas, ergueu a reforma do IRS deste Governo, considerando que é “uma medida emblemática de apoio às famílias na promoção da natalidade”. Em resposta às críticas de deputadas da oposição, defendeu: “Não estamos a penalizar quem não tem, mas desonerar quem tem mais [filhos].”

A social-democrata reconheceu, porém, que a “cobertura de equipamentos sociais”, que permita aos pais conciliar a vida familiar e a profissional, continua insuficiente. E deu o seu exemplo: “A Assembleia da República tem creche, o que me deixa descansada. Mas isto não pode ser uma questão de sorte ligada à profissão que se tem.”

A socialista Catarina Marcelino também abordou as questões de género: “As mulheres continuam a fazer muito mais trabalho doméstico do que os homens. Perante esta nossa realidade, temos uma questão central para o PS: as nossas políticas públicas têm de ter um foco na igualdade de género, as políticas públicas de natalidade não podem ser feitas à custa das mulheres”, defendeu, temendo, por exemplo, que a defesa do trabalho a tempo parcial, como forma de incentivar a natalidade, possa representar “uma regressão” para as mulheres.

“Governo é responsável”
Já Paula Santos, do PCP, fez questão de garantir que neste partido a natalidade não é assunto de mulheres e ressalvou que no seu lugar poderia “estar um camarada”. Tal como as outras deputadas, pôs a tónica no mercado de trabalho, na carga horária, nos baixos salários, na precariedade: “As causas da baixa natalidade são várias, mas a génese do problema são as questões relacionadas com rendimento e emprego versus desemprego”, afirmou, acrescentando que o Governo, com a austeridade, tem “responsabilidade” na matéria. “Para que é que estas políticas estão a contribuir? Quem é que tem responsabilidade pela redução da natalidade? Não podemos responsabilizar as famílias, isto é o resultado das políticas dos últimos anos.” Também Heloísa Apolónio insistiu no combate à precariedade, ao desemprego e aos baixos salários.

A deputada do CDS, Inês Teotónio Pereira, defendeu, porém, que o Estado não tem de “convencer ninguém a ter filhos”, mas sim resolver as causas que não permitem ter a quem quer. E considerou que seria bom sinal que “fosse a crise” a responsável pela baixa natalidade, porque significaria que iria crescer quando “a crise passasse”: “A crise agrava, mas não é a causa.” Uma das medidas que defendeu foi “tornar o pré-escolar obrigatório”, para que as famílias saibam que têm onde deixar os filhos a partir dos três anos, bem como tornar os manuais tendencialmente gratuitos e os transportes escolares “muito mais facilitados”.

À margem da conferência, João Lavinha salientou o contributo que Angela Greulich, da Universidade de Paris, deu nas sessões: “Fez uma análise que permitiu definir os factores que mais contribuem para que as pessoas realizem a natalidade desejada. As duas variáveis mais influentes para o segundo filho, porque o primeiro vamos tendo, são o emprego estável para ambos os cônjuges e equipamentos sociais de apoio nos primeiros anos de vida, dos 0 aos 3, nas creches, e dos 3 aos 6, na pré-primária”, frisou, destacando ainda a posição de Tomas Sobotka, do Instituto de Demografia de Vien. “Desdramatizou o problema da queda da natalidade, referindo que há fluxos migratórios que podem ser reactivados e que dispensam as pessoas de terem filhos só para repor as gerações. Acha exageradas as expressões segundo as quais a Europa esteja a cometer um suicídio demográfico. Considera que há um discurso catastrofista”, resumiu.

A conferência foi realizada pela APF, pelo Observatório das Famílias e das Políticas de Família, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Institute of Public Policy.

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