Aumento da idade da reforma não é suficiente para garantir emprego dos mais velhos

Alerta é deixado pelo FMI, que reconhece que após recessões prolongadas o ritmo de redução da despesa deverá abrandar para permitir a recuperação do emprego.

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Vítor Gaspar é o responsável pelo departamento de assuntos orçamentais do FMI. Enric Vives-Rubio

No ano que Portugal aumentou a idade da reforma para 66 anos o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem alertar que isso não é, por si só, suficiente para garantir a permanência dos trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho. Essa medida, alerta o fundo, tem de ser acompanhada de políticas "complementares” que permitam que estas pessoas continuem a trabalhar e evitem o aumento do desemprego e da pobreza entre os trabalhadores mais velhos.

O alerta é deixado no Fiscal Monitor, um relatório divulgado esta quarta-feira pelo FMI e elaborado pelo departamento de assuntos orçamentais liderado pelo ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar.

Durante a crise económica e financeira, o desemprego aumentou para níveis nunca antes vistos, há cada vez mais grupos em risco de não voltarem a mercado de trabalho e a recuperação do mercado de trabalho está a ser lenta. Perante este cenário, o FMI entende que a criação de emprego está no topo da agenda política global e coloca uma questão “incontornável”: o que é que a política orçamental pode fazer pelo emprego?

A resposta tem várias nuances e embora a política orçamental não possa substituir reformas mais abrangentes, o fundo diz que “pode apoiar a criação de emprego de várias formas” e servir de almofada para amparar os impactos negativos das reformas laborais necessárias.

A receita varia consoante os países e implica a combinação de várias medidas. Sempre com uma condicionante: não pode pôr em causa a sustentabilidade da dívida.

Vítor Gaspar, que esta quarta-feira apresentou o relatório em Washington, acrescentou outros factores a ter em conta. "Uma efectiva política orçamental de apoio a reformas estruturais deve atender a certas condições: não deve elevar os riscos de sustentabilidade da dívida; os custos e benefícios da reforma têm de ser bem identificados; os custos devem ser limitados em volume e duração; e é preciso garantir que as reformas cumprem o seu objectivo”, referiu o antigo ministro das Finanças, que conduziu boa parte do programa da troika em Portugal e deixou o Governo em Julho de 2013, quando a taxa de desemprego estava nos 16,4%.

No relatório, o FMI reconhece que nas economias avançadas “seria preferível” adoptar “um rimo gradual de redução da despesa, uma vez que a recuperação do mercado de trabalho pode ser mais demorada após uma recessão prolongada”. Por outro lado, refere-se no relatório, a política orçamental permite ganhar tempo para as reformas do mercado de trabalho. O fundo refere mesmo que um défice mais elevado ou um ritmo mais lento de consolidação permitem “absorver os efeitos das reformas do mercado de trabalho”.

Velhos Vs novos
Entre as medidas que os países têm à sua disposição, uma passa pelo aumento da participação dos trabalhadores mais velhos no mercado laboral, tentando responder ao problema do envelhecimento da população e do desemprego de longa duração. Mas aumentar a idade da reforma, como fez Portugal (dos 65 para os 66 anos) em 2014, assim como outros países da União Europeia, não é suficiente.

“A evidência mostra que o aumento da idade legal de reforma não conduz necessariamente a um aumento da participação dos trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho”, alerta a equipa do FMI

Essa medida tem de ser acompanhada de políticas "complementares”, que podem passar por regras mais apertadas no acesso à reforma antecipada, uma racionalização dos benefícios e pela adopção de outros incentivos financeiros. Paralelamente, recomenda o FMI, devem ser adoptadas políticas que impulsionem a procura de trabalho para aqueles que adiam a idade da reforma. Nomeadamente, programas de formação, salários subsidiados e legislação que impeça a discriminação etária no acesso ao mercado de trabalho.

O relatório divulgado esta quarta-feira aborda também a relação entre a permanência no mercado de trabalho dos trabalhadores mais velhos e o desemprego entre os jovens. Ao contrário do que se possa pensar, vários estudos citados pelo FMI revelam que não é possível estabelecer uma relação directa entre facilitar o acesso à reforma e a redução do desemprego entre os jovens.

É que, justifica-se no documento, trabalhadores jovens e mais velhos não podem ser substituídos de forma directa “devido à introdução de novas tecnologias”. E há evidências de que, quando o mercado laboral está em condições mais favoráveis, é possível assistir a um aumento do emprego entre os jovens e os mais velhos em simultâneo.

O documento destaca ainda que reduzir os impostos sobre o trabalho pode ter um “impacto positivo significativo” sobre o emprego nas economias avançadas, embora os custos sejam elevados.

Entre as soluções adoptadas por vários países, figuram reduções das contribuições para a Segurança Social para grupos específicos, nomeadamente trabalhadores pouco qualificados ou os jovens, onde o problema do desemprego pode ser mais grave.

“Estas medidas-alvo têm-se mostrado bastante eficazes porque o emprego desses grupos é relativamente sensível a cortes de impostos”, refere o FMI. Mas também aqui há alertas e o sucesso depende da capacidade de minimizar novas distorções”.

O FMI reconhece que a consolidação orçamental influencia o mercado de trabalho, mas lembra que os impactos no crescimento e no emprego de uma consolidação baseada na despesa ou na receita não são ainda consensuais na literatura económica.

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