Autarcas e Governo falham acordo quanto ao Fundo de Apoio Municipal

Contribuição pedida às câmaras para financiar o fundo é uma das principais divergências entre os poderes local e central.

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Direcção da ANMP vai continuar a negociar com o Ministério de Miguel Poiares Maduro Miguel Manso

Reunido ontem em Coimbra, o conselho geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) voltou a rejeitar uma proposta de acordo do Governo sobre o Fundo de Apoio Municipal (FAM), destinado às cerca de três dezenas de câmaras em situação aflitiva, por terem dívidas cujo valor ultrapassa o triplo da receita média obtida nos três últimos anos.

O conselho geral da ANMP mandatou o conselho directivo da associação, presidido pelo autarca socialista de Coimbra, Manuel Machado, para continuar a negociar com o Governo os termos do funcionamento e sobretudo da participação da generalidade das câmaras no fundo idealizado para salvar as autarquias em situação financeira mais grave.

Segundo o secretário-geral da ANMP, o socialista Rui Solheiro (ex-autarca de Melgaço), a contribuição pedida pelo Governo às câmaras para financiar o FAM é uma das principais divergências entre os representantes dos poderes local e central. A ANMP tem defendido que os 350 milhões de euros que acabaram por não ser utilizados pelo PAEL (Programa de Apoio à Economia Local, a designação eufemística do primeiro instrumento financeiro de resgate das autarquias sobrendividadas) sejam realocados ao FAM. Obter-se-ia, por esta via, mais de metade dos 650 milhões que o Governo considera necessários para o FAM. Quanto aos 300 milhões ainda em falta, a ANMP insiste que deviam ser equitativamente repartidos entre a Administração Central e os municípios - conta simples, 50% para cada um, dava 150 milhões para o Governo e outro tanto para as câmaras. “E já era um esforço grande para os municípios, tendo em conta as verbas que perderam nos últimos anos. Já era uma manifestação de boa-vontade”, comenta Rui Solheiro, lamentando que “não tenha havido aceitação” desta proposta por parte do Governo.

"Não há grande folga"
O secretário-geral da ANMP observa que “os municípios estão a ser castigados há muitos anos com cortes nas transferências do Orçamento do Estado” e participam "solidariamente" no esforço nacional de diminuição da despesa. Rui Solheiro calcula que, desde 2010, os municípios portugueses tenham perdido qualquer coisa como 1450 milhões de euros, sem contar com a perda de receitas próprias (taxas municipais) decorrente da crise que o país atravessa. “Não há grande folga para exigir uma participação mais elevada dos municípios que já têm de recorrer a uma grande engenharia financeira para conseguirem resistir nesta teia burocrática e legislativa. Uma participação mais elevada é considerada incomportável”, enfatizou o dirigente.

Outras reivindicações que os municípios pretendem ver satisfeitas pelo Governo são de ordem fiscal. As câmaras reclamam que deveriam pagar apenas a taxa mínima de IVA (6%) em despesas de “claro serviço público”, como a iluminação pública ou as refeições escolares. “Infelizmente, também não há resposta afirmativa do Governo”, lamenta Rui Solheiro.

Processo urgente mas atrasado
A criação do FAM está prevista na nova Lei de Finanças Locais aprovada em Setembro, antes das últimas eleições autárquicas e numa altura em que o social-democrata Fernando Ruas ainda liderava a ANMP. Nos termos da lei, o FAM devia estar regulamentado desde Janeiro, o que ainda não sucedeu. O Governo nomeou uma comissão – que a ANMP não foi convidada a integrar - para apresentar uma proposta de regulamento ao Governo e à troika.

Nesta segunda-feira, o Jornal de Negócios noticiou que o acordo com a ANMP estava praticamente concluído e que poderia ser firmado neste próprio dia, o que os municípios infirmaram. Avançou ainda que o documento do Governo, que o PÚBLICO tentou ouvir sem sucesso, previa que estas assegurassem 30% do financiamnto do FAM e admitia um perdão da dívida das câmaras por parte dos fornecedores e da banca.

Do lado da ANMP, Rui Solheiro afirma que está prevista uma renegociação com os fornecedores, mas não qualquer perdão de dívida. “Nem teria lógica que o mesmo Governo que considerou inaceitável pedir um perdão da dívida à troika propusesse isso”, comentou.

Ainda segundo o secretário-geral da ANMP, as negociações do Governo vão continuar, ainda que não haja reuniões marcadas. Manuel Machado já pediu urgência no processo, lembrando que há autarquias aflitas. E Rui Solheiro avisa que vai ser preciso correr. “O Governo assumiu que queria ter o FAM a apoiar os municípios que dele necessitem o mais rapidamente possível, antes do final desta legislatura, que termina a 15 de Julho. E nós concordamos com esse prazo. Só temos pena que esta negociação só tenha avançado nas últimas semanas e que agora seja preciso correr. Justifica-se assim ainda mais uma aproximação do Governo às posições dos municípios”, defende.

A nível interno da ANMP o dossier também não é pacífico. O FAM exigirá a contribuição financeira de todos os municípios, mesmo daqueles que dele precisam e mesmo daqueles que, por terem conseguido manter as contas em dia, não percebem por que hão-de ser “castigados” com esse esforço. “Alguns autarcas têm até pareceres que concluem pela inconstitucionalidade desta obrigação, e que defendem que ela cabe ao Estado, como sucedeu no PAEL. Ainda assim, apesar da nossa discordância, a participação dos municípios no financiamento do FAM está prevista na Lei das Finanças Locais. Vivemos num Estado de Direito e temos de aceitar as regras do jogo. Mas não se podem pedir mais sacrifícios aos municípios”, reitera Rui Solheiro.

No final do conselho geral da ANMP, o presidente da Câmara de baião e da Associação Nacional de Autarcas Socialistas, José Luís Carneiro, declarou à Lusa que, se se confirmar a intenção do Governo de pôr os municípios a assegurarem 30% do financiamento do FAM, "municípios que hoje são cumpridores" transformar-se-ão em breve em "incumpridores".

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