Os cenários possíveis da futura governação do país

Com a saída da troika o país entra numa nova fase de governação. O PÚBLICO apresenta os cenários políticos que se podem desenhar nos próximos dois anos.

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Depois do debate da moção de censura no Parlamento, na quinta-feira, a cúpula do CDS insiste que é preciso cortar despesa do Estado Nuno Ferreira Santos

Faz agora um ano, viviam-se as vésperas de uma crise política inédita, quando o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, foi confrontado com a demissão do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, a que se seguiu a demissão de Paulo Portas de ministro dos Negócios Estrangeiros. A crise terminou com uma remodelação governamental em que o CDS saiu reforçado no Governo e o seu líder subiu a vice-primeiro-ministro.

Mas não foi obtido o acordo tripartido – PSD, CDS, PS – pedido então pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. O acordo foi negado pelo PS, cujo líder, António José Seguro, acabou por ceder a pressões internas de algumas das "cabeças coroadas" do seu partido, como Mário Soares, bem como de figuras próximas do seu antecessor, José Sócrates.

Há um ano, a defesa de um acordo por Cavaco colheu parcialmente na classe política. Hoje, entrou no discurso da maioria da opinião publicada, das elites sociais e das direcções do partidos de Governo, a ideia de que é preciso encontrar um acordo de médio ou longo prazo que estabeleça as prioridades e as apostas em relação ao modelo de desenvolvimento a seguir.

Resta saber se o acordo acontecerá e quem serão os protagonistas políticos e governativos desta nova fase em que Portugal entra. O PÚBLICO apresenta os diversos cenários sobre o que pode ser o futuro da governação, tendo em conta o facto de que a 25 de Maio o país vai às urnas para eleger os representantes no Parlamento Europeu, umas eleições cujos resultados terão também leituras nacionais.

Legislativas em 2014
Ainda que o PS tenha recusado a possibilidade, que o Presidente da República lhe ofereceu, de as legislativas serem antecipadas, nada garante que as eleições não possam mesmo realizar-se mais cedo. Esta hipótese mantém-se em cima da mesa e é olhada como possível na proporção exacta do que forem os resultados das europeias. Ou seja, se a coligação PSD-CDS, que governa o país, sofrer uma derrota desonrosa, é possível que o Presidente da República seja colocado perante a necessidade de antecipar a ida às urnas ou mesmo de vermos o primeiro-ministro a tomar a iniciativa de atirar a toalha ao chão.

Por outro lado, a possibilidade de as legislativas se realizarem já em 2014 resolveria o compasso de espera em relação à obtenção de um pacto de regime sobre as opções governativas e o caminho a seguir na governação do país. Isto é, resolvidas as eleições, os protagonistas partidários poderiam arregaçar as mangas e sentar-se à mesa para procurar acordos de governação.

Há ainda a possibilidade de, perante um resultado fraco para a coligação, agora que está terminado o cumprimento do memorando de entendimento, o líder do CDS, Paulo Portas, se retire do Governo. Uma decisão que poderá passar por uma saída isolada de Portas ou pela retirada formal do CDS do Governo, passando este partido a viabilizar um Governo do PSD através de entendimentos de incidência parlamentar.

Maioria ganha e fortalece-se
No caso de a coligação Aliança Portugal, estabelecida entre o PSD e o CDS, sair vitoriosa das eleições europeias, o Governo sairá reforçado e relegitimado politicamente. Mas uma vitória da coligação, se for débil, poderá pôr em causa a própria coligação sem pôr em causa o Governo. Expliquemos: no caso de uma vitória tangencial – assim como em caso de derrota –, é possível que o PSD e o CDS venham a deixar cair a intenção de se candidatarem em conjunto às legislativas e voltem a fazê-lo em separado.

No caso de uma vitória que reforce a actual maioria, as consequências políticas e as leituras a fazer recairão sobre o PS. Mesmo tendo em conta que o mandato de António José Seguro como líder do PS vai até 2015, nada impede que haja um congresso extraordinário convocado de emergência perante uma catástrofe eleitoral dos socialistas.

Então, os socialistas poderão optar ou por soluções alternativas no que respeita à escolha de secretário-geral, que já estão identificadas e que vão de António Costa a Carlos César, passando por José Sócrates ou Pedro Silva Pereira. Mas, perante um congresso extraordinário e o alarme de uma derrota clamorosa, tudo estará em aberto e eventuais novas candidaturas poderão nascer.

Aliança Portugal ganha em 2015
A pressão política, quer interna, quer externa, é no sentido de que haja um acordo alargado de coligação. O desejo de que o PS, o PSD e o CDS se entendam num acordo sobre o rumo do país estende-se hoje em dia de Cavaco Silva a Durão Barroso. E mesmo socialistas como a eurodeputada Ana Gomes já defenderam que deverá haver um entendimento entre o seu partido e o PSD, após as legislativas.

Resta saber se este será obtido e em que condições. Uma das premissas centrais para a definição da governação após as legislativas é a de saber quem é o vencedor nas urnas, se o PSD – sozinho ou em coligação – se o PS. E qual o tipo de maioria que é encontrada. Estes dados são fundamentais para determinar em que moldes pode ser governado o país.

No caso de a maioria absoluta PSD-CDS ser reeditada, através de uma coligação pré-eleitoral como a que agora concorre às europeias, quer o PSD ganhe sozinho e se predisponha para se coligar com o CDS de novo, a principal incógnita é a de saber em que condições é possível um acordo alargado ao PS. Se apenas um gizar de orientações de governação, se um acordo de incidência parlamentar, se um entendimento mais profundo que se estenda até um patamar em que possa haver partilha de lugares no Governo entre as três forças políticas.

É de prever que, caso o PSD ou a coligação de direita ganhem, qualquer acordo que venha a ser tentado com o PS seja negociado com uma nova direcção socialista. Isto porque não é expectável que, depois de ter apostado as fichas todas da sua liderança partidária numa longa trajectória de uma legislatura na oposição para construir o seu projecto de conquista do poder, António José Seguro tenha condições de se manter como secretário-geral do PS se sair derrotado nas urnas em 2015.

Não é, porém, de excluir que a situação actual se mantenha após eleições e o Governo PSD-CDS se repita. Isto porque os socialistas podem manter a sua indisponibilidade para um acordo. Assim como é possível que o PSD e o PS possam vir a fazer um pacto entre si que deixe de fora o CDS.

PS conquista o poder
No caso de o PS sair vencedor das legislativas de 2015 e não obtiver a maioria absoluta, as soluções que se podem colocar são diversas. Uma das soluções de governação é a de o PS aceitar entrar em acordo com o PSD. Um entendimento que pode ser negociado apenas como orientação de governação, mas que pode atingir a incidência parlamentar e permitir a partilha das cadeiras do Conselho de Ministros por dirigentes dos dois partidos.

Aqui o PSD sofreria o efeito da derrota e teria de renovar a sua direcção, podendo iniciar um novo ciclo, sendo natural, aliás, que um acordo só seja estabelecido depois de eleito o sucessor de Passos Coelho à frente do partido.

Outros cenários são, contudo, possíveis. No domínio das hipóteses deve ser também considerada, por exemplo, a possibilidade de o PS optar por um acordo à esquerda, nomeadamente com o Bloco de Esquerda, como já foi admitido pelo cabeça de lista dos socialistas às europeias, Francisco Assis.

O bloqueio presidencial
Em aberto está também a possibilidade de em 2015 ser acordada entre as principais forças políticas a antecipação das legislativas para a primeira metade do ano. Isto para contornar o facto de em Janeiro de 2016 se realizarem eleições para Presidente da República, uma vez que o ponto 1 do artigo 172.º da Constituição diz que “a Assembleia da República não pode ser dissolvida nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência”.

Ora, se as legislativas forem, como o previsto, em Outubro de 2015, qualquer impasse político só poderá ser resolvido seis meses depois da eleição da Assembleia, sendo que Cavaco Silva não pode convocar eleições nos últimos seis meses do seu mandato. Assim, existirá um período em que o poder do árbitro máximo da política portuguesa estará impedido de usar a sua "bomba atómica" da dissolução da Assembleia da República e da convocação de eleições, o que funciona como um alerta prévio para que seja resolvido a tempo a questão da governabilidade.

Não é alheio a esta variável imposta pelos calendários eleitorais o facto de Cavaco Silva insistir na questão de um acordo de governabilidade. E, do ponto de vista das hipóteses, é admissível ainda que, face a uma vitória do PS em que os socialistas não consigam obter apoios de outro partido que lhe permita formar uma maioria absoluta no Parlamento e governar, o Presidente da República venha a decidir convidar a formar Governo o segundo partido mais votado – neste cenário, o PSD – e a possibilitar que seja feita uma coligação de direita.

Esta hipótese surge, no entanto, como bastante remota, já que a interpretação que tem sido dada ao n.º 1 do artigo 187.º da Constituição, que estabelece as normas da formação do Governo, é a de que, quando a lei fundamental afirma que “o primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”, está a indicar que deve ser respeitada a hierarquia da votação. Mas o Presidente da República pode assumir a autonomia de reinterpretar a norma constitucional, já que esta não fala expressamente em partido mais votado.  

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