Saída do programa leva BCE a voltar a exigir ratings acima de “lixo” a Portugal

Está a chegar ao fim o tratamento especial dado pelo BCE aos títulos de dívida pública portuguesa usados pelos bancos como colateral junto do banco central. Agora têm de ter um rating igual ou acima de “BBB-“. Apenas uma agência, a canadiana DBRS, dá essa classificação a Portugal.

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BCE estende novamente a mão aos bancos REUTERS/Alex Grimm

O aumento da incerteza em relação à manutenção de um dos mais importantes instrumentos de apoio do BCE ao financiamento da economia portuguesa pode ser uma das consequências da opção por uma “saída limpa” em vez de um programa cautelar.

O problema começa no nível muito baixo em que se encontram actualmente os ratings da dívida pública portuguesa. Durante a crise, as classificações atribuídas a Portugal pelas principais agências internacionais caíram para valores abaixo de “BBB-“, o patamar que separa os títulos de dívida considerados como tendo “nível de endividamento” dos denominados como “lixo”. Quando um banco da zona euro pretende obter financiamento junto do BCE, tem de apresentar títulos como garantia e estes têm de ter em conta pelo menos uma das quatro agências consideradas pelo banco central – Standard & Poor’s, Moody’s, Fitch Ratings e DBRS – um rating igual ou superior a BBB-, ou seja, com “nível de investimento”.

Para os bancos portugueses (e também para os gregos e irlandeses) isso começou a ser um potencial problema a partir de 2010 quando os ratings da dívida pública dos seus países foram cortados. Os títulos de dívida pública são o colateral mais usado pelos bancos para pedir empréstimos ao BCE. Este, para não retirar aos bancos nacionais a possibilidade de acederem ao cada vez mais necessário financiamento do banco central, aceitou suspender a aplicação das suas regras aos países que estivessem sujeitos a um programa da troika. Neste momento, o BCE aceita como bons os títulos de dívida pública emitidos por Portugal independentemente dos ratings que apresentem.

Contudo, esta benesse pode estar prestes a acabar. Conforme noticiado esta quarta-feira pelo Jornal de Negócios e confirmado ao PÚBLICO pelo Banco de Portugal, “com a conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, esta suspensão deixará de estar em vigor, o que significa que se voltará a aplicar àqueles activos o limite mínimo de qualidade de crédito estabelecido pelo Eurosistema para os activos que aceita como garantia nas suas operações de crédito”.

Para Portugal – e em especial para os seus bancos – este é um motivo de preocupação. Actualmente, as três principais agências internacionais atribuem a Portugal um rating abaixo de “BBB-“. Apenas a menos conhecida das agências consideradas pelo BCE, a canadiana DBRS, mantém precisamente o rating “BBB-“ e ainda para mais com uma tendência “negativa”. Ou seja, está apenas a um passo de distância de colocar também Portugal como “lixo”.

O Banco de Portugal, quando questionado sobre esta matéria, afirma que “após a saída do programa, os instrumentos de dívida transaccionáveis emitidos ou garantidos pelo Governo português continuarão a ser elegíveis como activos de garantia para as operações de crédito do Eurosistema, com base no rating de longo prazo atribuído pela DBRS à República Portuguesa”. Assume, assim, que ao sair do programa e ao optar por uma saída limpa, a possibilidade de utilização pelos bancos dos títulos de dívida pública portugueses fica dependente daquilo que pensa sobre o país a agência de rating canadiana, que no próximo dia 23 de Maio deverá emitir novo relatório sobre Portugal.

Essa dependência é tanto mais significativa se se tiver em conta os valores envolvidos nestas operações de crédito com o BCE. No final de 2013, os bancos portugueses tinham 47.864 milhões de euros de financiamento do BCE. Não se sabe (o eurosistema não disponibiliza estes dados), quanto deste montante foi obtido usando como garantia títulos de dívida pública portuguesa. Apenas se sabe que, no seu balanço, os bancos tinham, no passado mês de Dezembro, 45.785 milhões de euros de dívida pública portuguesa.

A opção por um programa cautelar poderia, com elevada probabilidade, garantir a manutenção por parte do BCE da condição de excepção dada aos títulos de dívida pública portugueses, uma vez que Portugal teria de aceitar condições de política económica e orçamental semelhantes às do actual programa. No caso do programa de compra de obrigações, o BCE também diz que apenas poderá ser activado com um programa cautelar e não com uma “saída limpa”.

Fonte oficial do Banco Central Europeu (BCE), questionada sobre essa possibilidade, disse que "no caso das autoridades optarem por um programa cautelar, a suspensão do limite mínimo de qualidade de crédito para dívida pública portuguesa dependeria de uma avaliação a ser feita pelo Conselho de Governadores dos detalhes desse acordo".

Por ter optado por uma saída limpa do seu programa, a Irlanda deixou, na semana passada, de contar com o regime de excepção atribuído pelo BCE. A diferença em relação a Portugal é que a Irlanda conta neste momento com ratings acima de “BBB-“ nas quatro agências consideradas pelo BCE.

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