Orçamento da Justiça arrisca pôr em causa sucesso das reformas

Os 1304 milhões de euros previstos para a Justiça são a verba mais baixa dos últimos cinco anos atribuída ao sector.

Foto
Mouraz Lopes diz esperar que a "proposta seja rapidamente" colocada em discussão pública e que o processo legislativo seja célere Rui Gaudêncio

Os 1304 milhões de euros previstos no Orçamento de Estado deste ano para a Justiça, são a verba mais baixa dos últimos cinco anos atribuída ao sector. Isto em valores absolutos, sem contar com o impacto da inflação. Menos 216 milhões, por exemplo, que a estimativa de gastos em 2009. E arrisca vir a pôr em causa o sucesso das reformas que estão em curso, nomeadamente daquela que é considera a principal mudança das últimas décadas nesta área: a reorganização do funcionamento dos tribunais, também conhecida como reforma do mapa judiciário.

Este é um dos aspectos que o presidente do Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Mouraz Lopes, lamenta ter estado ausente dos discursos da cerimónia de abertura do ano judicial, que se realizou esta quarta-feira em Lisboa. “A Justiça tem sido tratada como um parente pobre da Administração Pública”, critica Mouraz Lopes.

Apesar de nos discursos ser repetidamente destacada como uma das áreas mais importantes do Estado de Direito, o Ministério da Justiça absorverá este ano apenas 1,6% do total de gastos previstos no Orçamento de Estado. “Faltam os meios adequados para responder às reformas”, insiste o presidente da ASJP. Mouraz Lopes realça, por exemplo, as deficiências de instalações dos tribunais, a falta de estabelecimentos prisionais e de funcionários judiciais, os sistemas informáticos obsoletos, o baixo nível de remunerações e a falta de verbas para formação. “Precisamos de ter ovos para fazer omeletes”, resume o juiz.

Sobre a reforma do mapa judiciário, que implicará a extinção de todos os tribunais nos moldes que conhecemos hoje e a redistribuição de milhões de processos, num novo modelo que aposta na especialização, o presidente da ASJP alerta: “Esta reforma é muito importante, mas implica um compromisso financeiro forte de que não se ouve falar. E a falta dele pode comprometer o sucesso da reforma”. “Há mudanças legislativas positivas e depois? Como é que elas vão ser aplicadas no terreno, que dinheiro existe para formar funcionários e magistrados nas novas regras?”, questiona o juiz.

Alberto Pinto Nogueira, antigo procurador-geral distrital, concorda com esta preocupação. “Há leis muito bonitas, mas depois não há instrumentos para as concretizar”, lamenta.

Já o secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Manuel Frederico Ferreira, salienta as dúvidas sobre a forma como o mapa judiciário vai arrancar no terreno. “A ministra deu a impressão que a reforma é para avançar, mas ficamos sem saber em que termos”, sustenta o procurador. E questiona: “A gestão tripartida que vai ser feita pelo juiz presidente da comarca, pelo procurador coordenador e pelo administrador incluiu áreas que dependem unicamente do Ministério Público, como os Departamentos de Investigação e Acção Penal?”

Manuel Frederico Ferreira sublinha ainda o calendário apertado desta reforma, que a ministra da Justiça quer que esteja no terreno em Setembro deste ano. “Faltam oito meses e continuamos todos sem saber como ela se irá fazer”, lamenta.

Por outro lado, o dirigente do SMMP recorda que a concretização desta reforma nas três comarcas piloto teve uma fase inicial que os respectivos juízes presidentes consideraram caótica e que para reparar problemas sérios como o desaparecimento de processos nos sistemas informáticos e o envio física de processos para locais errados, obrigou a um esforço suplementar de todos. “Não creio que depois de três anos de cortes salariais haja condições psicológicas para pedir aos funcionários que se voluntariem para trabalhar ao fim-de-semana e nas férias”, diz o magistrado.  

O advogado Rogério Alves, antigo bastonário dos advogados, também lamenta que a ministra da Justiça não tenha deixado qualquer luz sobre o formato final do novo mapa judiciário. “Preocupa-me a possibilidade de acontecer o mesmo que ocorreu com o novo Código de Processo Civil: entrou em vigor de forma inopinada, sem tempo de maturação. Por isso, em vez de falarmos de evolução falamos de confusão". Rogério Alves remata que quem tiver ouvido os discursos desta quarta-feira "ficará a pensar que a Justiça já não está muito lenta, quando de facto ela continua lenta. Essencialmente na primeira instância”. 
 

Sugerir correcção
Comentar