Abertura do ano judicial: ministra anuncia criação de base de dados de agressores sexuais em 2014

No discurso da cerimónia solene de abertura do ano judicial, esta quarta-feira à tarde, a ministra de Justiça, Paula Teixeira da Cruz, anunciou que a criação de uma base de dados de pedófilos é uma das prioridades para este ano.

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Ministra da Justiça discursou esta quarta-feira na abertura do ano judicial Nuno Ferreira Santos (arquivo)

No discurso de abertura do ano judicial, a governante explicou que o Ministério da Justiça se encontra a preparar um diploma que contempla "não apenas a criação de um registo de agressores sexuais mas que prevê também as formas e as condições de acesso a esse registo, por forma a assegurar que os já condenados pela prática desses crimes se encontrem referenciados pelas entidades policiais e por aqueles que têm responsabilidades directas na contratação de pessoas que lidam com crianças". A medida destina-se a pedófilos que já tenham cumprido pena e se encontrem novamente em liberdade.

"O conteúdo e o acesso às bases de dados variam de Estado para Estado e não são consensuais nem nos países onde são aplicados nem nos organismos internacionais", admitiu Paula Teixeira da Cruz, que explicou que, muito embora a União Europeia ainda não se tenha decidido pela criação de uma base de dados central, determinou já a adopção de medidas que favorecem a troca de informações sobre registos criminais – "garantindo que um registo criminal de um cidadão europeu passe a incluir todas as condenações que sofreu em qualquer Estado-membro".

A ministra da Justiça mencionou ainda uma decisão da Comissão Europeia que abriu caminho a uma directiva que prevê a comunicação entre Estados-membros de condenações por crimes sexuais como forma de evitar que condenados por este tipo de crimes possam exercer actividades laborais junto de crianças. 

No início do discurso, Paula Teixeira da Cruz apresentou o cenário actual da Justiça. "Urge um sobressalto cívico. Impõe-se, no quadro de dificuldades económicas e financeiras que nos assolam, uma luta sem quartel à globalização da indiferença, indiferença que mata lentamente, sem que muitas vezes se a sinta sequer", disse, notando ainda que "temos hoje, em Portugal, graças a todos, conselhos superiores, sindicatos, associações profissionais, uma política de justiça credível, firme e coerente, assente em pressupostos ideológicos claros e objectivos realistas, que reflecte um pensamento anterior e de carácter sistémico e que está hoje internacionalmente referenciada como exemplo a seguir".

"Sempre recusámos e vamos continuar a recusar a submissão da política de justiça a quaisquer cartilhas desprovidas de valores humanos e preocupações sociais, venham elas de onde vierem.  Seja qual for o poder que tiverem. Os polvos multiplicam-se na globalização desregulada, mas nós estaremos cá. Todos juntos, como felizmente temos caminhado. No fundo, os ratos aliam-se, reconhecem-se, invadem. Geram a peste. A minha eterna Peste de Camus e de causas. Também alegados especialistas vivem do desconhecimento do sistema, procuram ignorar o que foi e é feito, todos os dias por tantos, mas vivem disso. Convoco-vos para a mais plena cidadania. Resistiremos e, juntos, faremos a revolução na justiça que a justiça merece", disse ainda a ministra, depois de falar de alguns dos mais importantes passos dados nos ultimos tempos para a reforma do sector.

Sobre o novo mapa judiciário, a ministra notou que "a reforma em curso não traduz apenas uma simples modificação da conformação territorial das novas comarcas ou das competências dos tribunais. Antes resulta numa profunda alteração de matriz, na forma de pensar a organização e o sistema judiciário, visando uma justiça mais célere eeficaz, mais competente e especializada, sujeita a um maior escrutínio e mais próxima do cidadão". A mudança na justiça administrativa será outra das prioridades para 2014. 

"Hoje há fome e miséria em Portugal", acusa bastonária
A bastonária dos advogados, Elina Fraga, foi a primeira a discursar na cerimónia da abertura do ano judicial e começou por dizer que "existe fome e miséria em Portugal. Temos hoje um país amputado na sua soberania, submetido a um programa de assistência financeira dirigido por uma troika e um povo em sofrimento esmagado por impostos ou pelo desemprego", disse. A bastonária aproveitou a cerimónia para repetir as suas críticas ao anunciado fecho de tribunais: "Encerrar tribunais ou desqualificá-los, obrigando as populações a deslocar-se às capitais de distrito, constitui a página mais negra que se alcança e possa ser escrita pelos nossos deputados e traduz a capitulação do Estado na administração da justiça". 

Joana Marques Vidal preocupada com reformas da justiça  
A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, mostrou-se preocupada com vários aspectos das reformas da justiça em curso. "Preocupa-nos significativamente o número de funcionários que vão ficar afectos ao Ministério Público", observou, a propósito do novo mapa judiciário. "Mas preocupa-nos ainda mais a formação especializada para as funções que vão desempenhar". A nova organização do sistema judiciário provocará nos primeiros tempos "previsíveis perturbações", frisou Joana Marques Vidal, adiantando que este será o resultado da redistribuição de muitos milhares de processos e da movimentação quase generalizada de recursos humanos. "Ultrapassar essas perturbações implica um sistema informático actual e adequado ao novo modelo" que vai entrar em vigor, avisou. 

Presidente do STJ exige "justiça de qualidade"
Também o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) se mostrou preocupado. "O êxito de qualquer reforma não depende apenas da bondade das soluções desenhadas", referiu Henriques Gaspar. "Depende também, e muito, das culturas judiciárias; enfrentaremos sempre o risco de instrumentos que falham por disfunção de complexidade ou inadequada compreensão". Para Gaspar, a legislação do mapa judiciário "deveria merecer amplo consenso, porque constitui uma questão central do Estado na concretização de uma função de soberania".

O presidente do STJ frisou, no seu discurso, que "a justiça não é controlável nem manipulável", considerando ainda que é essencial garantir uma "justiça de qualidade" e que é preciso restaurar a confiança no sistema da justiça. Henrique Gaspar defendeu também que é preciso acreditar na reforma do código civil, apontando, no entanto, para algumas falhas, como "uma significativa percentagem de uso patológico dos processos". O grande problema, disse, continua a ser a acção executiva. 
 

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