Maioria critica Sócrates por não assumir erros no acordo com troika

Eurodeputada socialista Elisa Ferreira desvaloriza ausência do ex-ministro Teixeira dos Santos nas reuniões para avaliar programa de ajustamento. Sócrates é que escolheu a comitiva do seu Governo.

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Eurodeputados começaram com José Sócrates maratona de dois dias de encontros em Portugal. Daniel Rocha

Os eurodeputados José Manuel Fernandes (PSD) e Diogo Feio (CDS-PP) criticaram esta segunda-feira o antigo primeiro-ministro José Sócrates por não assumir os erros na definição das metas do memorando original com a troika de credores e a ausência de Teixeira dos Santos do encontro sobre a avaliação do memorando. Já a socialista Elisa Ferreira recusou a necessidade de assumpção de culpas dos socialitas.

Os deputados integram a delegação da comissão de Economia do Parlamento Europeu que está a visitar os quatro países intervencionados – Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre – para elaborar um relatório de avaliação da implementação dos programas de ajustamento da troika. A delegação é composta pelos dois eurodeputados relatores – um socialista francês e um austríaco do PPE, e por eurodeputados portugueses como observadores.

Em Lisboa, o primeiro encontro foi com o ex-primeiro-ministro José Sócrates, que levou consigo os seus ministros da Presidência, Pedro Silva Pereira, e da Economia, José Vieira da Silva. Para o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes, o programa desenhado por Sócrates em Abril de 2011 tinha “objectivos irrealistas e inatingíveis” e que por isso não se podem criticar as revisões que têm sido conseguidas pelo actual executivo. Esses objectivos originais “tinham que ser revistos” e “essas revisões têm sido possíveis graças à credibilidade do Governo”, apontou

Questionado sobre se o antigo primeiro-ministro admitiu, nesta reunião, ter cometido erros ao desenhar o programa, o deputado do PSD foi directo: “Eu nunca vi José Sócrates assumir erros nenhuns. Os erros são sempre dos outros, os erros são sempre dos mercados, só houve troika porque o PEC 4 não foi aprovado”, ironizou. “Apetece-me dizer que só houve troika porque houve um primeiro-ministro que era José Sócrates e porque havia um Governo do PS. Faz todo o sentido que esta comissão de avaliação venha falar com o primeiro-ministro que chamou a troika.”

Por seu lado, o centrista Diogo Feio lamentou a ausência do então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos do encontro, que teria uma “visão importante e relevante” para o trabalho da comissão. Já a eurodeputada bloquista Marisa Matias considerou que a avaliação desta comissão será feita numa "base muito limitada" por não ter em conta os impactos sociais dos programa de ajustamento mas apenas a "organização das troikas". Mas salientou o facto de mostrar, pelo menos, que nos vários casos "não há nenhuma prestação de contas democrática por parte das troikas", cenário urgente a corrigir.

"Nós não sabemos quem assume a responsabilidade pelo que correu mal, nem na Comissão Europeia, nem no Fundo Monetário Internacional, nem no Banco Central Europeu", frisou Marisa Matias, acrescentando: "Não se dispõe de nenhum mecanismo de controlo democrático e o papel dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu foi reduzido quase à insignificância."
 

A socialista Elisa Ferreira desvalorizou a ausência de Teixeira dos Santos – não foi o ministro que pediu o resgate, “foi Portugal”, fez questão de frisar a eurodeputada - por não lhe parecer “relevante” e disse que foi José Sócrates quem escolheu a delegação do anterior Governo para reunir com os eurodeputados. Elisa Ferreira também rejeitou que os socialistas devam fazer qualquer acto de contrição, como defendem os eurodeputados da direita. “Não considero que haja aqui um exercício de mea culpa”, afirmou.

“Evitar erros na negociação da próxima fase”
Elisa Ferreira preferiu defender que é necessário ser “objectivo e olhar para os números” - os originais do programa -, “para o que foi recomendado, para o que era expectável dos programas de ajustamento dolorosíssimos e analisarmos porque é que não atingimos os objectivos e se este é o método mais adequado ou não para resolvermos uma crise na europa. E eu penso que não.”

A intenção é “perceber o que se passou e evitar cometer erros para a frente e também evitar cometer, no caso português, erros já na próxima fase que vamos ter que negociar a partir da Primavera”, acrescentou a eurodeputada socialista. “Espero que esta experiencia não se repita, que a Europa preencha o que falta na arquitectura da zona euro para ter instrumentos para combater uma crise num país ou na própria Europa. E que alguns dos erros cometidos na agenda económica para Portugal não sejam repetidos na próxima fase que é a saída da troika”, sublinhou.

A intenção desta comissão é também identificar esses instrumentos de que a Europa necessita, numa avaliação bem mais política do que técnica. Entre os mecanismos que é preciso criar ou reforçar estão, por exemplo, o aumento das competências do Banco Central Europeu, o reforço do orçamento da União Europeia para poder ter ou apoiar programas de relançamento económico, e a criação de um mecanismo europeu de estabilidade. E estas são propostas em que os eurodeputados portugueses, sejam da esquerda ou da direita, estão de acordo. Falta desenhar o caminho para lá chegar. Mas também querem, no caso de Elisa Ferreira e de Marisa Matias, um maior controlo por parte dos parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu sobre o cumprimento e revisões dos programas de ajustamento.

“Na maior parte dos países o ajustamento proposto foi um ajustamento maior do que o do memorando inicial e não houve qualquer controlo sobre esse agravamento. O que se conseguiu foi fazer uma recessão mais do que propriamente uma reestruturação das condições de crescimento da economia”, afirmou Elisa Ferreira.

José Manuel Fernandes lembra que houve mecanismos para os quatro programas de ajustamento “criados à pressa” por ser uma situação inédita no âmbito da União Europeia – o FMI era o único com experiência nestas questões, vincou. O eurodeputado defendeu que futuros programas de ajustamento devem ser desenhados e geridos por instituições europeias para se “conseguir ter uma forma de controlo democrático muito mais facilitada”. Para isso seria necessário um reforço do orçamento europeu, por exemplo, através da criação de novas taxas bancárias.

O centrista Diogo Feio acrescenta à lista a necessidade de “não haver uma receita única para todos os Estados” e de existir um outro tipo de relacionamento entre as instituições. Por exemplo, “que não haja grandes diferenças entre o que vão dizendo os políticos publicamente e depois o que são as reacções dos técnicos nas reuniões com os governos” – uma alusão às contradições dentro do FMI que têm merecido críticas do Governo e até do Presidente da República.
 
 
 
 
 
 

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