“Contrapartidas às ajudas da troika merecem discussão”, afirma relator do Parlamento Europeu

Em Lisboa, os eurodeputados iniciam uma visita aos países sob intervenção. Um socialista reconhece que os socialistas da Grécia, Portugal e Irlanda participaram em políticas erradas.

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O eurodeputado socialista francês Liêm Hoang Ngoc Nuno Ferreira Santos

“As contrapartidas às ajudas da troika merecem discussão”, afirmou ontem, ao PÚBLICO, o eurodeputado socialista francês Liêm Hoang Ngoc, um dos dois relatores da comissão dos assuntos económicos do Parlamento Europeu (PE) que inicia hoje, em Portugal, a avaliação às políticas da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional aplicadas a Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre. Recém-chegado a Lisboa, Hoang Ngoc reconhece as limitações da fórmula acordada em Estrasburgo, mas está convicto de que, com a constituição de um fundo monetário europeu, será necessário um controlo político.

“Trata-se de um relatório da iniciativa do PE, a comissão de inquérito obrigaria os responsáveis da troika a prestar contas”, admite o jovem eurodeputado. “Foi o compromisso alcançado para evitar que o relatório aparecesse como acusação aos responsáveis da troika”, sublinha: “Daí haver dois relatores, um do PPE (Partido Popular Europeu), o austríaco Othmar Karas, outro socialista, eu próprio, para fazermos um relatório o mais consensual possível.”

Este acordo tem virtudes e pontos débeis. “É uma força, porque as conclusões serão votadas no Parlamento Europeu, e uma fraqueza porque sempre haverá a defesa da política da troika”, reconhece. No entanto, Hoang Ngoc aponta um ponto fundamental. “A proposta do relatório põe em evidência o debate sobre os multiplicadores que subestimou o impacto recessivo das medidas”, afirma.

 “O FMI queria mais reformas das leis do trabalho, a Comissão Europeia uma consolidação orçamental rápida, fizeram-se as duas coisas, utilizaram-se os dois travões ao mesmo tempo”, relata. “É por isso que não arranca o crescimento português e a dívida aumenta”, analisa: “Mesmo que Portugal saia este ano do programa de ajustamento, o problema da dívida continuará porque as políticas de austeridade mataram o crescimento.”

Outra questão, “o ponto fulcral do relatório”, já está definida: “Com a constituição do fundo monetário europeu será necessário um controlo político, do Parlamento, aí PPE e os socialistas estão de acordo.” Destacando que está é a primeira conclusão prática retira uma ilação: “Este relatório é a oportunidade de mostrar aos cidadãos que o Parlamento Europeu deve desempenhar um papel chave no futuro da Europa, que os seus representantes defendem mais democracia e menos austeridade.”

Um discurso que não é imune às eleições europeias de Maio, dois meses após a comissão divulgar as suas conclusões. “Na Grécia, Portugal e Irlanda os socialistas participaram nas políticas da troika, se estas políticas não foram as melhores há que ter a coragem política de o dizer, os socialistas portugueses devem dizer terem sido obrigados por questões orçamentais, mas devem salientar que é necessário mudar de política”,  sustenta.

O discurso do mea culpa, reconhece, “é feito por todos os partidos em Portugal, pelos sindicatos e patronato”. Aquando da sua última visita a Lisboa, há nove meses, ficou surpreendido com a sintonia das centrais sindicais e das associações patronais. “Portugal jogou a ser bom aluno da troika, graças a isso vai sair do mecanismo de assistência, mas os desequilíbrios macroeconómicos e os problemas continuam”, insiste.

“O FMI era a única instituição que dispunha de fundos e todos os países com problemas eram membros do Fundo”, destaca: “Não contesto o recurso à troika porque, então, não havia um mecanismo europeu de estabilidade e o recurso ao Fundo era necessário.”

Hoang Nogc reconhece que as divergências no Parlamento Europeu surgirão sobre a validade das políticas seguidas. E das contrapartidas impostas. A este propósito alerta: “No Conselho Europeu de Dezembro, Ângela Merkel disse ser necessário um novo tratado, novos instrumentos, referindo que as ajudas financeiras têm como contrapartidas a redução da despesa pública e as alterações das leis do trabalho, o que é perigoso”. Para o eurodeputado há outra alternativa: “O funcionamento da zona euro não se pode fazer sem um orçamento europeu importante, financiado por impostos e euro-obrigações, com harmonização fiscal e social”. Pelo que, conclui, “é necessária uma alteração dos tratados, mas não de acordo com a filosofia alemã.”

Hoje, a delegação do PE, que integra aos eurodeputados portugueses Ana Gomes, Elisa Ferreira, Diogo Feio, José Manuel Fernandes e Marisa Matias, avista-se com José Sócrates, com o seu ex-ministro da Economia, Vieira da Silva, e da Presidência, Silva Pereira. Seguem-se a Comissão Permanente de Concertação Social, o governador do Banco de Portugal, e o vice-primeiro-ministro Paulo Portas. Amanhã, a delegação reúne com Maria Luís Albuquerque, Carlos Moedas e as comissões parlamentares dos Assuntos Europeus, Orçamento, Finanças e Administração Pública, bem como com a comissão ad hoc de monitorização da ajuda financeira a Portugal.
 
 
 
 
 

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