Alemanha é o gigante com pés de barro na NATO

Merkel prometeu aumentar orçamento de defesa, como deseja a Administração Trump, mas os sociais-democratas não estão entusiasmados com a ideia.

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A ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen THOMAS PETER /REUTERS

A chanceler Angela Merkel concorda em aumentar o investimento em defesa da Alemanha, para chegar aos 2% do Produto Interno Bruto (PIB), objectivo com o qual todos os países da NATO se comprometeram em 2014, e que a Administração de Donald Trump está a cobrar intensivamente aos seus parceiros. Mas os sociais-democratas, seus parceiros de governo – e que estão a crescer nas intenções de voto para as legislativas de Setembro – estão pouco dispostos a cumprir essa promessa, que vêem como o princípio de “uma nova corrida às armas”.

Martin Schulz, o candidato do SPD (Partido Social-Democrata) à posição de chanceler, disse: "Só se evitarmos uma nova corrida às armas poderemos gastar mais em combater as causas dos conflitos”. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel, também social-democrata, expressou dúvidas sobre a promessa de Angela Merkel e da ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, de aumentar o orçamento de defesa, actualmente 1,2% do PIB. “Tenho medo que os políticos se comprometam com promessas que não vão poder cumprir”, afirmou Gabriel.

“Não podemos deixar-nos consumir na espiral do rearmamento”, sublinhou Gabriel, tecendo avisos sobre a “obediência cega” aos Estados Unidos. Só quatro países da NATO, além dos EUA, cumprem até agora o objectivo dos 2%. Se a Alemanha investisse 2% do seu PIB em defesa, o seu orçamento militar daria um salto dos 38 mil milhões de euros previstos este ano para 60 mil milhões.

Cortes após a Guerra-Fria

Numa mera leitura de números, a Alemanha, enquadrada na NATO, tornar-se-ia na maior potência militar europeia. Mas teria pés de barro, pois as suas Forças Armadas têm faltas crónicas de equipamento e pessoal, devido a sucessivos cortes orçamentais, após o fim da Guerra-Fria primeiro, e mais recentemente por causa da crise económica. “Uma unidade de infantaria de montanha tinha apenas 96 pares de óculos de visão nocturna, em vez dos 522 que lhe tinham sido destinados. Destes, teve de emprestar 76 a outras unidades. O que quer dizer que apenas tinha 20, e 17 estavam danificados”, exemplifica a revista Der Spiegel.

O exército alemão chegou a ter mais de meio milhão de soldados, mas foi reduzido para 205 mil em 2011, com a fronteira Leste em paz. E o número de tanques de combate Leopard 2 foi drasticamente reduzido, de dois mil para 225. Após tantos anos de cortes, diz a Spiegel, citando especialistas militares, se a Alemanha destinasse 2% do PIB para a defesa seria o mínimo para modernizar as suas Forças Armadas.

Os europeus estão a reconsiderar as suas capacidades, agora que a Europa de Leste – tal como o Norte e os Bálticos – despertaram de novo para a possibilidade do velho perigo russo estar a sair de hibernação. Mas fazem-no no momento em que a NATO enfrenta uma crise de confiança devido à atitude do novo Presidente dos EUA, que durante a campanha eleitoral considerou a Aliança Atlântica "obsoleta".

A “partilha do fardo” entre os dois lados do Atlântico é um tema que foi sempre um cavalo de batalha dos EUA, que consideram que os aliados europeus devem investir mais no desenvolvimento das suas capacidades militares para dar apoio aos norte-americanos nas missões internacionais, escreve o analista do Conselho Europeu de Relações Internacionais Josef Janning. “Os europeus, por outro lado, tradicionalmente vêem a NATO como uma aliança para a defesa da própria Europa”, especificou.

Se os EUA questionam em voz alta o compromisso com a defesa da Europa por falta de empenho dos países em contribuírem para a sua defesa, em várias capitais do Velho Continente discutem-se, em surdina, as reais capacidades de dissuasão nuclear europeias. Os britânicos e os ingleses, que têm arsenais nucleares, poderiam proteger a Alemanha? Os Bálticos? A Europa de Leste? A Alemanha deveria dar o passo indizível e fabricar armas nucleares?

Alguns analistas propuseram essa discussão após as eleições americanas, como o director do jornal conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung, e Roderich Kiesewetter, do partido de Merkel, relata a revista The Economist. “É bom que este tema se discuta, finalmente. A questão da futura defesa nuclear da Europa é o elefante na sala. Se a garantia nuclear dos EUA desaparecer, será importante esclarecer quem nos vai proteger”, afirmou Jan Techau, director do Fórum Holbrooke na Academia Americana de Berlim, citado pela Spiegel.

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