Portugueses poupam sobretudo por precaução, mas também para os filhos e netos

Menor incerteza leva as famílias a consumir mais, fazendo despesa adiada durante o pico da crise, o que ajuda a explicar a queda da poupança nos últimos dois anos.

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Cerca de 80% da poupança é gerada por 20% das famílias com mais rendimentos Pedro Cunha/Arquivo

A poupança das famílias em Portugal é uma das mais baixas da zona euro e acentuou a queda nos últimos dois anos, recuando para um mínimo histórico. E do pouco rendimento que deixam de lado, os portugueses fazem-no sobretudo para se protegerem contra acontecimentos inesperados ao longo da vida: uma quebra de rendimento, uma situação de desemprego, a incerteza sobre a sua pensão futura.

Num país economicamente habituado a ouvir falar em crise, o nível de incerteza reflecte-se no comportamento da poupança, o que pode ajudar a explicar que esta se deva principalmente a motivos de precaução, como mostra uma análise publicada nesta quarta-feira pelo Banco de Portugal (BdP), com base no Inquérito à Situação Financeira das Famílias (ISFF).

Além das situações inesperadas, há outros motivos que também são apontados com grande frequência: “A constituição de provisões para a velhice, bem como a educação/apoio de filhos e netos”.

A poupança tem estado a cair desde a entrada de Portugal no euro. No pico da crise aumentou, mas a recuperação durou pouco. E a queda que se seguiu entretanto, sobretudo a partir do final de 2013, mostra como as variáveis poupança e incerteza andam ligadas. Depois de terem reduzido o consumo entre 2011 e 2013, as famílias estão agora a retomar o consumo, e a consumir mais rapidamente do que cresce o seu rendimento, reduzindo a poupança

Os dados do inquérito referem-se a 2013, mas o banco central diz que os resultados são estruturais, pelo que não devem ser lidos como conjunturais. O facto de os cidadãos pouparem, em primeiro lugar, por motivo de precaução é um comportamento “comum a todas as classes de idade, de rendimento e de riqueza líquida”. Mas para ler estas tendências é preciso ter em mente que a poupança se distribui de forma desigual entre a população. Em Portugal, cerca de 80% da poupança “é gerada pelo 20% das famílias que têm rendimentos mais elevados”, ao contrário das famílias de rendimentos mais baixos, onde a taxa é negativa.

Os padrões de consumo variam ao longo do ciclo da vida, desde logo em função da composição da família. Por exemplo, a poupança “é baixa não só no início da vida activa, mas também enquanto os filhos são dependentes, apenas aumentando quando os filhos se tornam independentes”.

Os dados do supervisor bancários mostram que “a taxa de poupança mediana atinge os valores mais elevados nas classes de idade tipicamente associadas à vida activa”, sendo mais acentuada nos escalões que vão dos 35 aos 64 anos, ainda que a variação com a idade seja “pouco acentuada”, como é acontece com “muitos outros países”.

A poupança “pode diferir de acordo com o nível de riqueza inicial e com o potencial de acumulação de riqueza ao longo do ciclo de vida (nomeadamente devido a diferenças na produtividade do trabalho)”. Logo, a taxa “ aumenta com a riqueza líquida ou com os níveis de escolaridade, variáveis que estarão muito correlacionadas com o rendimento permanente”. Aliás, a própria teoria económica, que o BdP aqui lembra, mostram como a evolução da poupança depende não só da idade, dos agentes, do rendimento e do nível de riqueza das pessoas, mas também do acesso dos cidadãos ao mercado de crédito e de seguros. Isto para além da evolução da economia, a forma como ela está ou não exposta a choques, a incerteza.

Amortizar as prestações

No caso dos mais velhos, “a poupança por precaução visa provavelmente cobrir o risco de problemas de saúde ou a possibilidade de viverem mais anos que o antecipado. Nas famílias com indivíduos em idade activa, poupança por precaução poderá estar em parte associada ao risco de desemprego”. E os dados sugerem que a poupança por motivos de precaução tem “elevada relevância para os mais novos”, que também referem a necessidade de poupar para a compra de casa, viagens e férias.

Nas idades mais avançadas, acrescenta o BdP, “a manutenção de taxas de poupança relativamente elevadas poderá ser justificada não só pelo motivo de precaução mas também pela constituição de provisões para a velhice e para heranças, cuja importância parece aumentar com a idade”.

A maior importância dada à poupança para a educação e pagamento de prestações acontece na classe etária dos 35 aos 44 anos, “o que é consistente com a predominância de famílias com filhos em idade escolar e com dívidas de montantes mais elevados nesta classe etária”. “Uma parte relevante da poupança das famílias endividadas em Portugal é aplicada na amortização de capital associada ao endividamento”.

Desde o início da moeda única a trajectória da poupança em Portugal é tendencialmente de redução (só no início da crise económica houve uma interrupção). Hoje, a taxa representa apenas 4,2% do rendimento disponível, o nível mais baixo desde que o Instituto Nacional de Estatística (INE) publica estes dados, 1999. Depois de uma recuperação pontuais em 2009, 2010 e 2013, a taxa tem vindo de novo a cair. E o facto de este valor ser muito mais baixo do que na zona euro gera “natural preocupação”, avisa a instituição liderada por Carlos Costa. Na região da moeda única, onde há uma grande diferença entre os níveis de poupança dos países, com as economias do Sul a registarem de forma global uma taxa inferior à média, Portugal “encontra-se entre os países onde esta redução foi mais acentuada”.

O Banco de Portugal alerta que as “alterações da desigualdade na distribuição do rendimento poderão ter um impacto não negligenciável sobre a evolução da poupança agregada”. A análise que sustenta esta leitura vai de 2003 a 2013, com tendências separadas temporalmente em dois momentos. “A proporção do rendimento total auferida pelo quintil mais elevado da distribuição do rendimento diminuiu sustentadamente até 2009, estabilizando desde então. Todos os restantes quintis da distribuição aumentaram o seu peso no total do rendimento da economia até 2009, estabilizando igualmente no período 2010-13”.

Até 2009, cerca de um ponto percentual da descida na taxa de poupança agregada “poderá ser atribuída à redução da desigualdade na distribuição do rendimento”. O estudo não problematiza, porém, esta relação nos anos que se seguiram.

O efeito do consumo

Em Portugal, se desde o início da crise financeira internacional e, depois, durante a intervenção da troilka, as maiores restrições no mercado bancário e a “reavaliação das expectativas quanto à prevalência de restrições de liquidez” terão levado as famílias a aumentar a poupança, a dinâmica inversa terá entretanto “contribuído para a posterior diminuição da poupança”.

O medo de que o rendimento encolha no futuro e a própria aversão ao risco são tradicionalmente um incentivo à poupança por motivos de precaução, o que foi visível durante a recessão mundial de 2009 e em 2011, 2012 e 2013, anos em que a economia portuguesa esteve em recessão.

Já a partir de 2013, com a recuperação gradual da economia, diminuiu a incerteza e melhoraram as expectativas das famílias – uma alteração que, para o Banco de Portugal, “terá sido particularmente marcada no caso das famílias que não sofreram transições para situações de desemprego”. Por isso, se durante o período de incerteza é maior a propensão das famílias para adiar decisões de investimento e de despesa, entretanto foram concretizadas decisões de despesa em bens duradouros que não foram realizadas nos anos anteriores.

Este movimento aconteceu precisamente ao mesmo tempo em que foram sendo de novo reduzidos os níveis de poupança. O que nos diz este quadro de leitura sobre os próximos tempos? “De acordo com esta interpretação, será de esperar uma normalização do crescimento do consumo de bens duradouros no futuro, mais em linha com a relação habitual com o rendimento disponível e com o custo do crédito. Esta dinâmica deverá contribuir para um aumento da poupança no futuro próximo”.

Neste documento, o BdP não avalia, individualmente, a relevância da taxa de juro real (que tem vindo a cair) na evolução da poupança, uma variável que diz ser ambígua, “o que é confirmado em termos empíricos, quer para Portugal quer para outros países”. Com Sérgio Aníbal

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