Portugueses são atentos às finanças mas pouco orientados para a poupança

Inquérito associado à OCDE mostra que 35% dos entrevistados não tiveram rendimentos suficientes para cobrir o custo de vida.

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A relação entre remuneração e risco dos produtos financeiros é correctamente identificada por 82% dos inquiridos José Fernandes

Pouco dinheiro para cobrir o custo de vida, baixa propensão para a poupança, cautela com o orçamento familiar, boa capacidade para identificar os juros de um empréstimo, mas baixa tendência para procurar informação independente no momento de escolher um produto financeiro. Os resultados de um inquérito realizado pelo Plano Nacional de Formação Financeira para um estudo comparativo da OCDE mostram que os portugueses são particularmente atentos às suas finanças pessoais.

Entre 1100 pessoas entrevistadas para o Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa, 72% referem fazer um orçamento familiar, o que compara com uma média de 63% nos 17 países europeus que participaram em inquéritos idênticos onde a OCDE avalia os conhecimentos e os comportamentos das pessoas em relação a questões financeiras.

É a segunda vez que o plano nacional – desenvolvido pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, pelo Banco de Portugal e pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões – faz um inquérito com esta intenção (o primeiro foi em 2010), mas a primeira vez em que os resultados podem ser comparados com outros países que fazem parte da International Network on Financial Education (INFE). Embora esta plataforma da OCDE junte 250 instituições públicas de 113 países e economias, este estudo engloba apenas 17 países.

Segundo os resultados divulgados nesta quarta-feira pela equipa portuguesa, o país está acima da média em 9 de 12 questões relacionadas com comportamentos financeiros. São 79% os que dizem controlar sistematicamente as suas finanças pessoais (a média nos países europeus deste estudo é de 71%). Há também uma maioria de 81% dos entrevistados que faz o pagamento atempado de contas; e há 84% que dizem não precisar de recorrer ao crédito para fazer face às despesas quotidianas. Mais de um terço dos entrevistados (35%) diz que o rendimento não foi suficiente para cobrir o custo de vida nos últimos 12 meses anteriores ao inquérito.

Já “os resultados para Portugal relacionados com a proactividade na aplicação da poupança (37%) estão abaixo da média dos países europeus [57%], devido à propensão para deixar o dinheiro na conta de depósitos à ordem”. As conclusões do estudo, realizado no ano passado, vão precisamente no mesmo sentido das estatísticas. A taxa de poupança tem vindo a cair para níveis historicamente baixos e no final do ano passado voltou a descer (de todo o rendimento, só 4,2% estava alocado à poupança). E os depósitos à ordem também têm vindo a aumentar, mais do que os depósitos a prazo.

Começar nas escolas

Quanto aos comportamentos financeiros, há tendências distintas. Portugal está “acima da média dos países europeus no que toca ao conhecimento dos conceitos de inflação e de diversificação de risco: 87% mostram saber o que é a inflação (média de 79% nos países europeus) e 73% compreendem que a diversificação da carteira de acções quando investem no mercado de capitais [bolsa] contribui para a redução do risco (média de 63% nos países europeus)”.

Outro dado do inquérito tem a ver com o comportamento dos cidadãos antes de contratarem um produto financeiro. Segundo o estudo, 82% dizem ter analisado algum tipo de informação, quando nos países europeus a média é de 49%. Muito baixo, tanto em Portugal como nos outros países, é o “recurso a informação independente na escolha de produtos financeiros”, porque as pessoas preferem o aconselhamento directo ao balcão das instituições com quem vão celebrar o contrato. Em Portugal, só 6% dizem que procuram aconselhamento independente, ligeiramente abaixo da média de 8% no conjunto dos países europeus.

Há também 87% que respondem correctamente em relação à identificação dos juros de um empréstimo; 61% acertam no cálculo de juros simples, mas só 30% nos juros compostos (juro sobre valor de juros já pagos e somados ao montante aplicado). A relação inversa entre remuneração e risco foi correctamente identificada por 82% dos inquiridos.

Portugal é um dos países que está a implementar uma estratégia nacional de literacia financeira, a começar nas escolas. Este ano lectivo, por exemplo, foi lançado um projecto-piloto em cerca de 50 escolas que estão a utilizar um caderno dirigido aos alunos do 1.º ciclo. O objectivo é avaliar a aplicação deste manual na sala de aula. Uma das iniciativas destacadas pela OCDE em relação a Portugal é o facto de a educação financeira ter começado a fazer parte nas áreas facultativas de enriquecimento curricular.

A OCDE frisa que as políticas de educação financeira, “aliadas às regras de protecção financeira do consumidor”, podem contribuir não só para a estabilidade financeira, mas também para ajudar ao crescimento das economias. E estas preocupações, frisa, são “particularmente pertinentes na Europa, dada a sofisticação dos mercados financeiros, o impacto do envelhecimento das populações, as reformas dos sistemas públicos de pensões” e o impacto da crise financeira nas famílias.

Para além de Portugal, participaram no estudo da OCDE a Albânia, Áustria, Bélgica, Croácia, República Checa, Estónia, França, Holanda, Hungria, Letónia, Lituânia, Noruega, Polónia, Reino Unido, Rússia e Turquia.

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