Novo Banco transferiu milhares de euros por engano para ex-clientes e recuperação não é automática

Os beneficiários têm de autorizar a anulação da transferência, caso contrário só os tribunais podem obrigar à devolução do dinheiro.

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Stock da Cunha deverá deixar o Novo Banco este Verão Nuno Ferreira Santos

Por alegado erro informático, o Novo Banco transferiu milhares de euros para contas de ex-clientes, abertas em vários bancos, incluindo a Caixa Geral de Depósitos (CGD), e o processo de recuperação desses montantes não é automático, podendo obrigar a instituição liderada por Stock da Cunha a recorrer aos tribunais.

Em causa estão ex-clientes do Novo Banco que encerraram as suas contas após a medida de resolução do BES, transferindo os respectivos saldos para contas abertas noutras instituições. Aparentemente, tratou-se de uma repetição de transferências realizadas em 2014.

O PÚBLICO confirmou a existência de transferências para clientes da CGD e apurou ainda que há pelo menos mais duas grandes instituições financeiras nacionais com o mesmo tipo de situações. Um desses bancos pediu para não ser identificado e em relação ao outro não foi possível obter , em tempo útil, uma confirmação oficial. As transferências poderão, no entanto, verificar-se num universo mais alargado de entidades financeiras.

Contactado pelo PÚBLICO, o Novo Banco, que se encontra em processo de venda, não esteve disponível para prestar qualquer esclarecimento sobre o erro informático, designadamente sobre o montante envolvido nessas transferências, que terão sido "descarregadas" na madrugada de 23 de Março.

Contudo, a dimensão deverá ser considerável, já que só numa agência da CGD, de Santa Maria da Feira, se registou nove transferências, em montantes que vão de dois mil a 20 mil euros.

Contactada pelo PÚBLICO, a CGD não revelou o número de casos registados nas suas agências, mas confirmou a sua ocorrência. Segundo fonte oficial,  “foi uma situação que está identificada e devidamente acompanhada, da qual a Caixa é alheia”.

Nos casos que são do conhecimento do PÚBLICO, os clientes envolvidos têm em comum o facto de terem encerrado as contas após a resolução do BES,  de que resultou a criação do Novo Banco. Pelo menos alguns dos montantes agora transferidos são idênticos aos realizados nessa altura, o que reforça a possibilidade de repetição de transferências registadas no sistema informático.

Quando se aperceberam do aumento dos saldos das suas contas, alguns clientes contactaram a CGD e a resposta que obtiveram foi a de que tinham sido os próprios a ordenar a transferência a partir de uma conta do Novo Banco, uma vez que o ordenante da transferência e o seu beneficiário eram a mesmo pessoa.

A comunicação do Novo Banco de que se tratava de um erro terá sido a 1 de Abril (sexta-feira) e os primeiros contactos da CGD junto dos clientes visados foi feito a 4 de Abril (segunda-feira). Nesses contactos, a CGD comunicou a existência do erro e pediu ao clientes para se dirigirem às agências para, formalmente, autorizarem a devolução dos montantes ao Novo Banco. O mesmo procedimento está a ser feito pelo menos por mais duas instituições.

Recurso aos tribunais

O PÚBLICO apurou que os clientes que não autorizarem a devolução do dinheiro terão de, por escrito, justificar a origem dos montantes recebidos. Esta declaração poderá ser útil ao Novo Banco no único recurso que tem para recuperar os valores erradamente transferidos, os tribunais.

Contactado pelo PÚBLICO, o Banco de Portugal (BdP) não prestou esclarecimentos sobre a dimensão da situação registado no Novo Banco, detido actualmente pelo Fundo de Resolução. Mas admitiu, no entanto, que estão a ser cumpridos os procedimentos normais nestes casos.

O supervisor reconhece que, “na eventualidade de o cliente beneficiário recusar a devolução de fundos indevidamente creditados na sua conta, o ordenante [Novo Banco] não conseguirá recuperar os fundos através do sistema bancário, cabendo-lhe apenas o recurso aos tribunais”.

O BdP começa por referir que “o standard europeu para as transferências SEPA [Área Única de Pagamentos em Euros], conhecido por Rulebook (publicado pelo European Payments Council), tem definido um conjunto de mecanismos que permitem ao banco do ordenante enviar ao banco do beneficiário da transferência, dentro do prazo estabelecido, pedidos de devolução de transferências que tenha efectuado”.

Acrescenta que o procedimento de ‘pedido de devolução’ pode ser iniciado pelo banco do ordenante, quando, por exemplo, a transferência tenha sido realizada devido a um problema técnico, ou por iniciativa do cliente (o ordenante da operação), nos casos em que este, por exemplo, inadvertidamente duplica a ordem de transferência.

“Uma vez recebido um pedido de devolução, o banco do beneficiário terá de confirmar ou rejeitar a devolução dos fundos ao banco do ordenante. Nas situações em que a conta do cliente beneficiário tenha já sido creditada com os fundos, o banco do beneficiário apenas pode debitar a conta do cliente com autorização deste”, esclarece o supervisor.

O BdP refere ainda que os pedidos de devolução processados no Sistemas de Compensação Interbancária (SICOI), entre Dezembro de 2015 e Fevereiro de 2016, corresponderam, em média, a apenas 0,009% das transferências ordenadas.

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