Governo garante que gestão da TAP vai reforçar diálogo com o Porto

Ao fim de quase duas horas de debate, não houve qualquer novidade relativamente aos termos do acordo com o consórcio privado que controla a companhia.

Foto
Alteração à venda da TAP foi debatida no Parlamento Foto: Nelson Garrido

Muitas acusações, mas pouca (ou quase nenhuma) informação nova relativamente ao acordo a que o Governo chegou com o consórcio privado que controla a TAP. No debate desta quinta-feira no Parlamento, o executivo repetiu que terá uma palavra a dizer no futuro da companhia, mas a maior parte do tempo foi dedicada a apontar “birras” e falhas de memória.

Sobre o caso do Porto, que nos últimos dias tem causado polémica por causa da supressão de rotas, o ministro do Planeamento e das Infra-estruturas adiantou apenas que a gestão está empenhada em encontrar uma solução. Pedro Marques afirmou que a Atlantic Gateway, consórcio de Humberto Pedrosa e David Neeleman, “mostrou ainda hoje disponibilidade para reforçar o diálogo com os agentes económicos e os autarcas da região”.

Contactada pelo PÚBLICO sobre se há já alguma iniciativa agendada, a TAP respondeu que “nunca recusou o diálogo e tem prestado todos os esclarecimentos solicitados por agentes económicos do Norte do País”. Não confirmou, porém, qualquer encontro para debater a situação do aeroporto Francisco Sá Carneiro.

Nesta quinta-feira, o Expresso publicou um excerto de uma entrevista ao primeiro-ministro, que será publicada no sábado, em que António Costa afirma que "um dos objectivos estratégicos, como é óbvio, é manter uma base relevante de operações no Porto e a partir do Porto assegurar que, para além do hub de Lisboa, teremos uma internacionalização crescente da cidade do Porto, e isso passa também pelas ligações aéreas para o resto do mundo e à Europa em particular".

A polémica relacionada com o Porto ocupou apenas uma pequena parte do debate, que tinha sido requerido pelo PSD para que fossem prestados mais esclarecimentos sobre o acordo assinado no passado sábado, que fará com que o Estado recupere uma posição de 50% na empresa.

No entanto, e apesar de todas as dúvidas que ainda persistem sobre este entendimento, não houve novidades face ao que já é conhecido. E há pormenores deste acordo que importa explicar: a forma como o Estado se vai envolver na definição e fiscalização da estratégia da empresa e que administradores do lado público serão chamados a ocupar os seis lugares no conselho de administração, por exemplo. O mais importante será o cargo de presidente do conselho de administração, e que poderes terá. Mas as quase duas horas do debate desta quinta-feira foram passadas com trocas de acusações, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.

Luís Montenegro, do PSD, abriu a sessão com uma retrospectiva das declarações do actual primeiro-ministro, acusando António Costa de ter apresentado no sábado um acordo “com mais pompa, mas menos circunstância”, por não ter garantido, como tinha prometido, uma participação de 51% na empresa.

“Era hilariante se não fosse trágico olhar para o ziguezague, primeiro era a favor, depois era contra, depois era a favor de um mínimo de 51% do capital, depois fez algo de que ninguém se tinha lembrado”, afirmou o deputado social-democrata, acusando o actual Governo de ter revertido a venda da TAP por “birra” ou “capricho”.

Do lado do CDS, Hélder Amaral falou de “teimosia”, acusado o executivo de António Costa de “pôr tudo em risco”, porque considera que o anterior acordo com a Atlantic Gateway “protegia os contribuintes, garantia a necessária capitalização [da TAP] e salvaguardava a importância estratégica dos aeroportos nacionais”.

Foi o anterior Governo PSD/CDS que avançou com a privatização da companhia e que acabou por concluí-la, dois dias depois da sua queda no Parlamento. Um episódio que os partidos à esquerda fizeram questão de lembrar.

Heitor Sousa, do Bloco de Esquerda, classificou o negócio do anterior executivo como “uma venda a preço de saldo para amigos”, afirmando mais tarde que “o PSD está a pedir ao PS que corrija os excessos que negociou”.

Pelo PS, João Paulo Correia relembrou que “o PSD e o CDS sempre disseram que não havia alternativa [à venda da TAP], mas este acordo vem demonstrar que havia”. E o deputado ainda aproveitou para trazer uma outra polémica ao debate: a nomeação dos gestores do regulador da aviação, responsável por dar um parecer sobre a privatização, pouco tempo depois de se ter chegado a acordo com Pedrosa e Neeleman para comprarem a companhia. Os salários destes administradores, que têm gerado controvérsia, também não foram esquecidos.

Hélder Amaral, do CDS, ainda tentou obter resposta a todas as perguntas que dirigiu ao ministro Pedro Marques. “Ainda tem oportunidade de transformar este debate em algo útil”, disse, quase no final da sessão. E deixou um recado ao PCP, que já mostrou não estar em sintonia com a decisão do Governo: “Não concordam, mas aceitam”.

Bruno Dias, deputado comunista, recorreu à ironia. “Que o Governo dê ouvidos àqueles que defendem uma forte intervenção do Estado, mesmo no caso dos que hoje dizem isso mas antes defendiam entrega aos grupos económicos”, disse, referindo-se aos deputados do PSD e do CDS. E frisou que “o PCP não deixará de exercer o mais apertado escrutínio a como é exercido o controlo” por parte do Estado.

O grande protagonista do debate desta quinta-feira, o ministro do Planeamento e das Infra-estruturas repetiu o discurso que o Governo tem mantido desde que anunciou, no sábado, o acordo com a Atlantic Gateway. “A razão do acordo a que chegámos é que o interesse público nacional não estava acautelado na solução que o anterior Governo deixou a Portugal. Com esta solução, o Estado terá uma palavra a dizer como maior accionista da empresa”, na “aprovação do plano estratégico ou das suas alterações, na fixação de objectivos, de políticas de gestão, na contratação de grandes montantes sobre os passivos ou os activos da empresa, na modificação da estrutura da empresa, na sede fiscal, da direcção da TAP”.

Pedro Marques disse ainda que o Estado estará “envolvido no processo de renegociação da dívida”, mas não assumirá “nenhum compromisso adicional a esse nível”. E voltou a frisar que o Governo “não se vai imiscuir nas decisões da comissão executiva relativa às rotas e às frequências”. “O conselho de administração será o garante do cumprimento do plano estratégico, mas a gestão será privada, guiada por critérios de racionalidade económica”, referiu. 

O acordo obrigará o Estado a comprar mais 16% do capital da TAP. Isto porque terá de ceder 5% para vender aos trabalhadores. A venda desta última tranche é obrigatória por lei e deverá ser lançada em breve. Só no final dessa operação, e dependendo da adesão dos trabalhadores, é que se saberá se os privados ficarão com mais de 45% da companhia. As acções que os funcionários não comprarem vão reverter para a Atlantic Gateway. Esta operação custará ao Estado cerca de 1,9 milhões de euros.  

Sugerir correcção
Comentar