“Estamos numa situação bastante saudável”

Luís Campos e Cunha lembra que Portugal está a bater recordes quando se olha para os indicadores de actividade e expectativa económica. “Espero que esse optimismo não seja nenhuma exuberância irracional”, adverte.

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Campos e Cunha: “Os resultados não têm sido nada maus”

O economista Luís Campos e Cunha não se mostra surpreendido com a evolução registada pela economia portuguesa e diz mesmo que esta está “numa situação bastante saudável” e que “os resultados não têm sido nada maus”. Campos e Cunha que foi, durante escassos meses, ministro das Finanças no primeiro Governo de José Sócrates, diz que depois de um período inicial de desconfiança em relação ao Governo liderado por António Costa, a retoma veio e veio com um bom perfil. Para o professor universitário, continuam, no entanto, a existir riscos, essencialmente externos, mas adverte que o Governo ainda está a tempo de “fazer asneiras”.

Em finais de 2016 estava convencido que o Governo poderia ter a tentação de reverter tudo o que tinha sido feito pelo executivo anterior. Surpreendeu-o que não tenha sido tanto assim ou pensa que se cumpriu a sua previsão?
Penso que para toda a gente esta "geringonça", chamemos-lhe assim, tem tido um comportamento que surpreendeu em muitos aspectos. Houve um conjunto de medidas que tinham de ser revertidas, a questão era saber se era num ano, em dois, três ou quatro. Este Governo tomou uma decisão de as fazer mais rapidamente e os resultados não têm sido nada maus, genericamente falando. E, apesar de tudo, não fez alterações muito significativas, pelo menos que me tenha apercebido, em sectores em que houve alguma liberalização da economia, nomeadamente nas leis de trabalho.

Também disse que era um risco apostar no consumo como motor da economia. Vimos que numa primeira fase isso aconteceu, o consumo acelerou-se, mas depois abrandou e, agora, o motor já são as exportações e o investimento. Acertámos o passo?
Julgo que sim. O perfil de saída de uma crise deve começar sempre pelas exportações, depois o investimento e depois o consumo privado. Tentar inverter este processo é perigoso. Inicialmente o que se dizia era que a economia seria puxada pelo consumo privado, isso não aconteceu, o que também significa que as famílias aprenderam com a crise, no sentido de que devem ter uma taxa de poupança um pouco mais elevada. Por outro lado, estamos a ver que as exportações, para surpresa de muitos, não para mim, continuam a portar-se muito bem. E não é só por via do turismo, mas também pela exportação de bens. E agora estamos numa retoma do investimento que parece clara.

É uma retoma sustentada? No início de 2016 a economia desacelerou-se depois de se ter acelerado. Estamos mesmo perante um novo ciclo?
Presumo que a desaceleração do início de 2016 terá sido muito motivada pela surpresa do tipo de arranjo governamental que houve. As pessoas ficaram à espera para ver o que acontecia. Isso julgo que passou. Havia também a ameaça como a reintrodução do imposto sobre sucessões e doações, um problema que pairava no espírito de muitos. Julgo que isso está ultrapassado e, portanto, essa retoma veio e é uma retoma que tem um bom perfil. É evidente que a sustentabilidade dessa retoma não depende só de nós. Depende do Governo, que ainda está a tempo de fazer asneiras. E depende da conjuntura internacional. Há uma série de factores que estão muito para além do nosso controlo e que podem vir a dar más notícias e ter consequências negativas, mas naquilo que depende de nós, até agora, estamos numa situação bastante saudável.

Se olharmos para os indicadores, tanto de actividade económica como de expectativas, a verdade é que em Fevereiro e Março estamos a bater todos os recordes. Nalguns casos estamos acima já das expectativas que havia na altura do lançamento do euro e nessa altura estávamos a crescer 4% e 5%. Presumo que esse optimismo vai levar a mais investimento e a maior actividade económica. Espero que esse optimismo não seja nenhuma exuberância irracional.

E se for?
Poderemos ter uma desilusão mais tarde e isso também tem implicações económicas de sentido contrário, de uma inversão das expectativas. 

Há um outro factor que é importante. Nos últimos anos, uma boa parte da nomenklatura instalada a nível económico, e em certo sentido político, mas certamente ao nível económico, desapareceu. E isso é bom porque dá oportunidades a outros grupos económicos, a outros investidores.

Acha mesmo que vai aparecer essa nova elite?
Vai aparecer. Isso é o horror ao vácuo. Vai com certeza aparecer.

Mas já está a acontecer?
Nós não sabemos é quais são, mas, certamente está a acontecer e vai acontecer. E isso é bom para o desenvolvimento do país. Haver uma nomenklatura instalada é uma condição para a esclerose da economia e o desempenho económico do país. Basta ver a liderança das grandes empresas, é rara a grande empresa que tem a mesma liderança hoje que tinha há dez anos.

Costuma referir as dificuldades que o nosso sistema de Justiça provoca para a atracção de investimento. Ainda é assim?
Não sou especialista. Mas se para resolver um problema, uma disputa económica, se demoram anos, evidentemente, isto tende a afugentar os bons investidores e tende a atrair os maus investidores, aqueles que gostam de viver num sistema jurídico que não funciona. E portanto, há aqui um problema a que os economistas chamam "selecção adversa", ou seja, afugentamos os bons e atraímos os maus. Julgo que houve algumas reformas no sistema de Justiça, mas provavelmente ainda há muita coisa para fazer e não é só no sistema de Justiça, não é só os tribunais…

O que falta mais?
É também na feitura das leis. Uma lei, em princípio, devia ser algo que uma pessoa educada, sem ser jurista, fosse capaz de ler e perceber. Nenhum de nós... Eu pelo menos não me atrevo a ler lei nenhuma sem ter um advogado ao lado para me explicar, para trocar por miúdos. Por outro lado, muitas vezes as leis são todas pensadas para que o conflito seja resolvido em tribunal, ou seja, empurra tipicamente as partes para tribunal, em vez de incentivar o consenso, sem os problemas serem resolvidos em tribunal.

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