Estágios por tempo indeterminado

Explorar o recurso ao estágio e ao mesmo tempo falar em combate à precariedade das relações laborais, sobretudo falsos recibos verdes, falsos estágios ou falsas bolsas, é um verdadeiro paradoxo e um discurso a soar a falso

O Ministério das Finanças emprega 886 estagiários nos seus serviços, cujo período de experiência já ultrapassou o prazo de um ano determinado por lei, sem que exista qualquer expectativa quanto à sua data de conclusão. Os candidatos fazem o trabalho de inspecção inerente àquelas funções como se já pertencessem à respectiva carreira, mas a legitimidade dos seus actos pode ser posta em causa, e recebem, salvo as excepções dos funcionários públicos que frequentam o curso, apenas o salário correspondente ao estatuto de estagiário. Mais: nada garante que este não se transforme num estágio por tempo indeterminado, por se temer o seu prolongamento, uma perversidade laboral praticada pelo próprio Estado, a quem compete fiscalizar e fazer cumprir o Direito do Trabalho.

Este caso de estágios sem fim à vista na Autoridade Tributária, que nos exige uma série de obrigações contributivas sob pena de aplicação de coimas, é um verdadeiro trabalho mascarado como “falso estágio”. O contributo do Estado neste capítulo é tudo menos exemplar. E não devia. Em tempos, durante o primeiro Governo de António Guterres, houve um inspector-geral do Trabalho que antes de se lançar no combate ao trabalho infantil, ao trabalho clandestino ou aos falsos recibos verdes tratou de apurar se essas e outras infracções existiam na sede dos seus próprios serviços em Lisboa. E sim, existiam vários casos de recibos verdes. Só depois de regularizados esses casos internos é que a inspecção bateu à porta do sector privado para exigir que as empresas fizessem o mesmo.

Sabemos que o recurso aos estágios nos anos da troika foi um recurso em tempos de crise para adiar novas contratações e um discurso oficial para reduzir a taxa de desemprego e do número de desempregados; a ponto de o emprego ter crescido, em determinadas alturas, bem mais do que a actividade económica. Dados do Banco de Portugal do final de 2014 referiam que seis em cada dez postos de trabalho criados eram ocupados por estagiários. Condenar toda uma geração a saltar de estágio em estágio por tempo indefinido é uma prerrogativa de subdesenvolvimento e de tacanhez. Explorar o recurso ao estágio e ao mesmo tempo falar em combate à precariedade das relações laborais, sobretudo falsos recibos verdes, falsos estágios ou falsas bolsas, é um verdadeiro paradoxo e um discurso a soar a falso.

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