As duas universidades: subordinar ou valorizar?

O talento não escolhe trabalhar em universidades que se demonstram apenas interessadas em subordinar, desvalorizar e precarizar.

A votação da lei do emprego científico permitiu um consenso que, em diversos momentos, assumiu a forma de todos, menos o PS. Pelo meio foram notórias tensões entre agentes com agendas diferentes. Perceber essas pressões é perceber uma escolha que teremos de fazer e que é determinante para o nosso futuro. É uma escolha entre duas ideias de universidade e só uma delas abre o futuro.

Sem valorizar o talento e as qualificações, entramos num círculo de perda, formando para servir os outros países. As próprias organizações internacionais já o referiram. Falamos de investigadores que conseguem captar financiamento, que produzem investigação de elevado nível e que estão inseridos em redes internacionais. O investimento em cada um deles possui um elevado retorno, económico e social. Perdê-los é dilapidar, não só o investimento, mas também os resultados (financiamento, capacidade de produção científica e talento).

O abaixo-assinado de investigadores de elevado mérito chama a atenção para isto. São cientistas que deixaram momentaneamente países como EUA, Inglaterra, França ou Alemanha e foram atraídos pelas condições dos programas Ciência e Investigador FCT. Muitos destes investigadores são candidatos fortes, ou de sucesso, nas candidaturas às milionárias bolsas do European Research Council (ERC) e nos programas mais competitivos a nível europeu.

Se a política de desvalorização imperar, as perdas salariais são significativas (entre 40% e os 50%), sendo que Portugal ainda possui desvantagens de periferia, que condicionam as decisões destes investigadores. O talento não escolhe trabalhar em universidades que se demonstram apenas interessadas em subordinar, desvalorizar e precarizar.

O Ensino Superior e Ciência tem-se mantido através de milhares de docentes e investigadores (cerca de 16.000) que asseguram necessidades permanentes com vínculos temporários e precários. Os dados da OCDE demonstram que Portugal é o país com maior nível de precariedade ao nível dos mais qualificados, com níveis superiores ao dos países do Leste ou do Sul da Europa.

Ver reitores a defender desvalorizações remuneratórias num setor altamente qualificado é como ver uma nave de loucos em plena tempestade (e não é a primeira vez que acontece, como se viu no Orçamento do Estado).

O pedido in extremis de um reitor, dirigido aos senhores deputados (a expressão e o género são reveladores, ecoando a outros tempos), demonstrou desconhecimento das propostas, que estavam exclusivamente centradas na garantia de não perda de vencimentos. As hipérboles colocadas nas consequências não abonaram à sua credibilidade, a qual já se encontra prejudicada por um célebre despacho de desvalorização da remuneração dos docentes convidados. Tudo isto demonstra um problema que temos de abordar de frente.

Apesar de falarmos em Ensino Superior e Ciência, prevalecem crenças e valores instituídos pré-modernos, que reforçam elementos de patrocinato (com cadeias de favor e dívida) e autocracia (em que uns reservam para si todo o poder). Essas práticas distanciam-nos dos circuitos de valorização de outros países. Contrastam com o quadro da União Europeia, onde a defesa do mérito é estruturalmente mantida pela Comissão Europeia.

É inacreditável que alguém que consegue ganhar concursos internacionais altamente competitivos (como as bolsas milionárias do ERC) não possua acesso à carreira de investigação, mantendo-se com vínculos temporários. Os gestos autocráticos, de desvalorização e precarização, impedem que mais investigadores alcancem este sucesso. Sem condições não há resultados.

O país tem de escolher entre uma velha universidade que subordina, ou uma nova universidade que valoriza. É fundamental dar espaço e condições aos investigadores. Eles são a ajuda decisiva na construção de um futuro melhor.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários