A qualidade das aprendizagens

Temos, de uma vez por todas, de encarar os nossos sucessos com orgulho, trabalhando nas fragilidades que temos, mas não deixando de aceitar que sabemos o que fazemos e que fazemos bem.

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"Só com investimento social e económico é que o trabalho na educação sobressai" Daniel Rocha/Arquivo
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Os níveis portugueses de sucesso na educação subiram em todos os parâmetros, tendo como referência os relatórios internacionais de organizações como a OCDE e também como relatado no último relatório do Conselho Nacional de Educação sobre o Estado da Educação 2022, que foi publicado em dezembro de 2023.

Pelo que os dados indicam, Portugal subiu nestes últimos dez anos em índices como a frequência da escolaridade básica e da escolaridade obrigatória, o sucesso escolar parece ser uma realidade, ou seja, há menos retenções, há menos abandono escola, a frequência no ensino superior subiu. E a educação e formação de adultos também subiu de forma significativa. As percentagens de incremento são francamente boas.

Estamos de parabéns pelo esforço que tem vindo a ser feito na educação e pelas consequências desse esforço. Em suma: a escolarização da nossa população subiu e Portugal mostra que o seu sistema educativo está atento e ativo e que se desenvolve no sentido de promover estratégias que nos levem a acompanhar os indicadores inscritos pela europa e pelos relatórios de organizações como a OCDE e a UNESCO na agenda educativa internacional. É excelente reconhecermos o progresso que temos feito e situarmo-nos como um exemplo de desenvolvimento na educação e formação. E temos, de uma vez por todas, de encarar os nossos sucessos com orgulho, trabalhando nas fragilidades que temos, mas não deixando de aceitar que sabemos o que fazemos e que fazemos bem.

E lá vamos à outra face da moeda, onde se escondem, mas mal, preocupações e desafios que estamos já a enfrentar, como seja a qualidade das aprendizagens, a valorização social da carreira docente, a sua atractividade e retenção de profissionais, a profissionalização das lideranças, a inclusão de todos, a população imigrante que em algumas escolas é mais do que a metade da totalidade dos alunos, com largas dezenas de nacionalidades e ainda o grau de importância que a inteligência artificial já está a ter na educação e quais as previsões para o futuro não muito longínquo.

De todos estes assuntos importantes, a qualidade das aprendizagens é determinante para o sucesso enquanto cidadãos e pessoas. A qualidade das aprendizagens está ligada com tudo o que se passa dentro da escola e que se transporta para dentro da sala de aula. Em grande parte por aquilo que os alunos trazem e por aquilo que o professor está disposto a trazer.

A ideia de que o sucesso é sempre alcançável, só não se atinge se o professor não quiser, não pode continuar a viver nas cabeças dos alunos e das famílias. O professor adapta os níveis de dificuldade, explica de outra maneira, aceita (algumas) imperfeições e erros, prepara e implementa avaliação sumativa adequada, e mais um número infindável de particularizações para cada um.

Esta individualização do ensino sempre existiu. Não formalmente, mas sempre existiu. O que também existia era a noção de que para ter sucesso é preciso que os alunos invistam e se esforcem, e este esforço começa por saber pensar, raciocinar, estar atento, relacionar conceitos de diferentes disciplinas e conseguir aceder à tal construção do conhecimento de que tanto se fala.

Nos dias de hoje à primeira dificuldade, os alunos dizem: “Eu não percebi.” E o professor pergunta: “Mas o que é que não percebeste?” Ao que o aluno responde: “Nada!” Basta isto para que o professor, na maioria das vezes se sinta obrigado a rever toda a sua estratégia de aula e fazer o pino quantas vezes for preciso, para que todos os alunos entendam, de forma a não terem que fazer esforço algum e que tudo seja óbvio, divertido e fácil; e que sirva para alguma coisa que eles consigam de imediato ver o para quê.

Aprender todas as matérias, não é divertido nem interessante para todos. Nunca o foi. Alguém se lembra de ter gostado de todas as matérias de todas as disciplinas, sempre? Mas estava lá o esforço e o respeito pelo saber, pelo trabalho do professor, com a consciência que ao aluno cabia uma boa parte desse mesmo trabalho.

Outras questões que a escola não resolve, mas que ajuda em determinadas circunstâncias são as sociais. Quem não tem lápis, não pode escrever, quem não tem material nenhum, não consegue fazer nada. Ter os manuais é fantástico, mas não é suficiente. Disciplinas mais práticas, que são essenciais no currículo dos alunos, como as artes, quando não se tem material, não se consegue fazer nada. A exigência do rigor baixa (não há lápis, não há borrachas, não há afias, não há compassos, não há réguas...), os níveis de apreciação e fruição estética passam a ser, em geral, muito diminutos.

Quando se vai para casa depois de um dia de escola, e as prioridades são outras que não a consolidação dos conteúdos abordados, os trabalhos de casa e a preparação de um novo dia de aulas, não há o envolvimento necessário para o sucesso pleno.

É claro que no meio de alguma escuridão fazem-se acender pontos de luz, mas é impossível acenderem-se para todos. A qualidade das aprendizagens está ainda intimamente relacionada com o desempenho dos professores e o seu grau de compromisso em fazer acontecer os tais pontos de luz. E com as lideranças que motivam a par e passo estes professores para que se impliquem na exigência da qualidade dentro da sala de aula.

Só com investimento social e económico é que o trabalho na educação sobressai. Não há visibilidade do produto da educação quando a preocupação das famílias é pagar a casa e por comida na mesa. Tudo está interligado. A educação só será elevador social, quando o patamar da sobrevivência familiar estiver satisfeito.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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