Mário Centeno: “Depois de 2784 dias sob um procedimento por défice excessivo, não queremos lá voltar”

Nas primeiras declarações públicas depois de Luís Montenegro ser indigitado primeiro ministro, Mário Centeno deixou os primeiros avisos: Portugal não deve deitar fora o equilíbrio orçamental.

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Mário Centeno, governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças LUSA/ANTÓNIO COTRIM
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Num alerta destinado ao governo que se prepara para tomar posse, Mário Centeno defendeu esta sexta-feira que, devido às características das regras orçamentais que vão entrar em vigor, a margem para aplicar novas medidas que aumentem a despesa pública ou reduzam a receita fiscal sem que haja alguma compensação é “nula”, arriscando-se a que o país fique exposto à abertura por Bruxelas de um Procedimento por Défice Excessivo (PDE).

Numa conferência de imprensa de apresentação das novas previsões para a economia que revelou o tom do debate que se pode esperar para os próximos anos entre o governador do Banco de Portugal e o executivo liderado por Luís Montenegro, o ex-ministro das Finanças do governo PS defendeu a importância que a redução dos níveis de endividamento em Portugal teve para que a economia desse “uma resposta muito positiva” às crises que enfrentou nos últimos anos, alertando que agora essa vantagem não pode ser perdida.

“Portugal tem uma situação orçamental que quase toda a gente inveja. Não podemos deitar fora algo que toda a gente inveja”, disse, defendendo que “a condução da política económica deve preservar uma margem financeira entre o país e a próxima crise”.

“O país não pode perder a oportunidade de continuar a preparar-se no futuro. A margem financeira que existe deve ser guardada para o futuro e não ser gasta no presente. Se não, voltamos aos tempos que o país já viveu nas duas últimas décadas e que bem conhecemos”, disse, num aviso que tem como destinatário claro o novo governo que será formado pela AD e que planeia uma alteração substancial da política orçamental seguida, incluindo a intenção de realizar um corte de impostos de 5000 milhões de euros.

Mário Centeno fez ainda questão de salientar que as novas regras orçamentais que irão entrar em vigor ao longo deste ano na zona euro constituem por si só um desafio para Portugal. O país irá ser avaliado, avisou, pelos desvios face a uma trajectória de despesa que será negociada com a Comissão Europeia e que leva também em conta as medidas tomadas do lado da receita fiscal. Se o desvio face à trajectória for, num ano, superior a 0,3 pontos percentuais do PIB e se Portugal não assegurar a salvaguarda do equilíbrio orçamental, o país pode ver ser-lhe aberto um PDE.

“Depois de termos vivido 2784 dias sob um procedimento por défice excessivo, não queremos lá voltar”, disse Centeno, assinalando que, da análise feita pelo Banco de Portugal, tendo em conta "tudo o que já está legislado e aquilo que é a tendência habitual da despesa, o que se vê é que a margem [para tomar novas medidas com impacto na despesa ou na receita sem uma compensação] é nula”

Em relação aos efeitos que um corte de impostos, como o planeado pelo futuro governo, poderia ter em termos de crescimento económico, Mário Centeno vestiu a pele de professor e afirmou que “está em todos os livros de economia que os impostos provocam uma perda sobre a economia”, pelo que haverá poucas dúvidas que um corte de taxas pode conduzir a mais crescimento.

O problema, assinalou outra vez, está na necessidade de preservar equilíbrios. “A dúvida que me assola é o que é que faria para financiar os médicos, os funcionários públicos, o investimento público. O país está a financiar uma série de investimentos, não podemos perder a noção das responsabilidades que estamos a assumir”, avisou.

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