Janaína Torres, a Dona Onça do Brasil, eleita a Melhor Chef do Mundo

Foi o reconhecimento de “uma cozinha quotidiana das pessoas”, reagiu a chef. Será este o “ano da onça”?, perguntava o The World 50 Best. Parece que sim. Janaína está cheia de novos projectos

Foto
Janaína Rueda é a Melhor Chef Mulher do Mundo 2024 MARCUS STEINMEYER
Ouça este artigo
00:00
04:41

A brasileira Janaína Torres, a Dona Onça da Casa do Porco, em São Paulo – a sua imagem de marca é o braço todo tatuado com pegadas de onça –, é a Melhor Chef Mulher do Mundo em 2024, segundo a lista The World 50 Best, que anunciou a escolha esta quinta-feira. É a consagração para aquela que tinha já sido considerada, em 2023, a Melhor Chef Mulher da América Latina.

No site do 50 Best, um artigo/entrevista com Janaína Torres começa por descrevê-la como mais do que uma chef – ela é “cozinheira, empresária, activista, mãe, e uma divulgadora das cozinhas do Brasil e da América Latina”.

Nascida e criada no centro de São Paulo, Janaína é uma entusiasta defensora desta zona da cidade, onde tem não só a Casa do Porco (cujo menu de degustação custa cerca de 60 euros, o que torna o restaurante muito mais acessível do que a maioria dos que figuram na lista dos 50 Best), mas também o Bar da Dona Onça, no histórico edifício Copan, e ainda dois negócios mais pequenos, o Hot Pork e a Sorveteria do Centro, e o mais recente Merenda da Cidade, um espaço que serve aquilo a que os brasileiros chamam PF, o prato feito, fórmula de preço mais acessível.

Foto
A Casa do Porco é actualmente o 12º Melhor Restaurante do Mundo de acordo com o 50 Best Mauro Holanda

Os últimos anos foram uma revolução, com alguns momentos baixos mas também muitos altos, na vida de Janaína Torres – anteriormente conhecida como Torres Rueda, acabou por deixar cair o apelido Rueda, do seu ex-marido Jefferson, de quem se separou em 2021 mas que continua a ser seu sócio nos negócios. Quando, na entrevista aos 50 Best, lhe perguntam se este é “o ano da onça”, ela responde: “É o ano de Janaína Torres. O ano da recuperação, da celebração; estou a celebrar o meu nome novamente. Não estou a retirar nada, estou apenas a celebrar quem sou.”

E a voltar às origens simples da “rapariga que vendia comida de rua” e ajudava a família, o que lhe deu a profunda consciência social que mantém apesar de todo o sucesso recente – envolveu-se no projecto Cozinheiros pela Educação para a substituição dos produtos processados da indústria por ingredientes mais naturais nas merendas escolares, e também no movimento para dar alimento aos sem-abrigo durante a pandemia, assim como na luta para ajudar a salvar a restauração que se viu obrigada a fechar as portas.

“Não há desigualdades nem exclusão quando se trata de ter uma experiência gastronómica na Casa do Porco”, dizia Janaína à Fugas em Maio de 2023. “Cabeleireiras, manicures, bancários, taxistas, diaristas, podem contar para os seus clientes e chefes empresários” que estiveram no restaurante. “Não cozinhamos somente para uma bolha ou para determinada classe social, cozinhamos para todos e isso me alegra." Na quinta-feira, reagindo à distinção do 50 Best, considerou-a precisamente "o reconhecimento de uma cozinha quotidiana das pessoas".

Foto
O menu de degustação da Casa do Porco é todo pensado em torno deste animal Mauro Holanda

As mudanças na vida do casal Rueda foram sendo acompanhadas pelos muitos amigos e fãs do trabalho de ambos nos seus restaurantes, e Janaína falou abertamente, em entrevistas, sobre os momentos difíceis que atravessou, mas também sobre a relação com o novo companheiro, com quem vive actualmente, ao lado dos dois filhos dela e dos dois dele. Entre os planos para o futuro próximo, Janaína fala do casamento ainda este ano e do projecto de um restaurante e centro cultural que pretende abrir em 2025 no centro de São Paulo.

Sobre esta ideia, explica: “O meu novo projecto será uma mistura de tudo o que aprendi. Não é apenas um restaurante, a ideia é olhar para a gastronomia de uma forma completamente diferente, combinando as experiências que tive nos últimos vinte anos, viajando e trocando ideias. Haverá um elemento cultural, para mostrar diferentes partes da América Latina – um mês de cultura colombiana, por exemplo.”

Revela ainda que vai ter um pop-up chamado A Brasileira, com o qual visitará mercados por todo o Brasil e cozinhará com os ingredientes que encontrar em cada um, como pesquisa para o novo projecto. Conta que tem adorado ver o mundo nas muitas viagens que fez nos últimos anos, mas declara-se apaixonadamente brasileira: “Ter nascido brasileira foi a melhor coisa que me aconteceu. […] Sentarmo-nos num boteco com uma cerveja e um peixe é uma coisa maravilhosa”.

Foto
Janaína tinha já sido considerada em 2023 a Melhor Chef da América Latina Thomas Baccaro

Em Maio, quando a Fugas visitou a Casa do Porco e participou na cerimónia de bênção das Águas de Janaína no Bar da Dona Onça, a chef dizia-se feliz “pelo facto de poder comemorar a alta cozinha acessível”. E afirmava que se os prémios servem para algo mais do que alimentar o ego, então eles são inspiração para “criar mais ferramentas de fomento para cozinhar com o que há de mais exclusivo e atender mais de 14 mil clientes mensais com o melhor que um restaurante possa ter, e continuar a ser democrático e acessível sem precisar cozinhar somente para um nicho elitizado”.

Terminávamos esse texto dizendo que “o passado ficou lá atrás” e que “as Águas de Janaína desaguaram aos pés das ondas do Copan, limpando as más energias, e abrindo caminho para tudo de bom que vier por aí”. Não podíamos saber que as águas trariam, logo um ano depois, a melhor notícia: Dona Onça é a Melhor Chef Mulher do Mundo.

Sugerir correcção
Comentar