Morreu Gylan Kain, fundador dos Last Poets e pioneiro do rap

Tinha 81 anos, vivia nos Países Baixos e a sua voz voltou a ser ouvida nos anos 1990, quando foi usada como sample em discos de rap, género muito influenciado pelo trabalho dos Last Poets.

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Sessão fotográfica de Gylan Kain na Bélgica, 1999 gie Knaeps/getty images
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Gylan Kain, que foi um dos fundadores do colectivo de poesia e música The Last Poets, morreu a 7 Fevereiro, em Lelystad, nos Países Baixos, onde vivia num lar. Tinha 81 anos. A notícia foi sendo dada, mais ou menos depois dessa altura, mas apenas na imprensa local, além de publicada pela família em pequenos sites e até nas contas de redes sociais dos Last Poets. Mas escapou a um público mais alargado até esta segunda-feira, quando o The New York Times lhe dedicou um obituário, quase um mês e meio depois da morte do poeta.

Kain nasceu Frank Gillen Oates no Harlem, Nova Iorque, em 1942. Vivia com a mãe por cima de uma igreja apostólica, algo que terá exercido uma forte influência no seu percurso e carreira. Desde cedo apaixonado por Shakespeare, decidiu enveredar pela escrita e mudou o nome legal para Gylan Kain. Segundo o texto de apresentação do poeta escrito pela família, "Gylan" vinha do poeta galês Dylan Thomas e "Kain" do filósofo francês Albert Camus, que chamava a Caim o primeiro rebelde. Foi em 1968, no aniversário de nascimento de Malcolm X, que tinha sido morto três anos antes, que o poeta fundou, com Abiodun Oyewole e David Nelson, os Last Poets. Pouco depois, juntou-se-lhes Felipe Luciano.

Com o grupo, apareceu na televisão, num programa chamado Soul, e no documentário Right On!, de Herbert Danska, de 1970. Não tendo gravado nenhum álbum propriamente dito com eles, que entretanto se tinham separado em duas facções, os Last Poets e os Original Last Poets, sendo Kain membro desta última, abandonou o grupo nesse mesmo ano. Não era o membro mais notável do conjunto e, anos mais tarde, tentava até esconder essa ligação inicial. A influência dos Last Poets, vistos como importantes precursores do rap na sua junção de ritmo e spoken word e na contestação social em linha com o movimento dos direitos civis e o nacionalismo negro, não se mede apenas em música gravada. Foi também nessa altura que, sob o nome KAIN, gravou o álbum The Blue Guerrilla, que tinha acompanhamento do piano de Gregory ‘Saint’ Strickland e de um jovem guitarrista chamado Nile Rodgers, que viria pouco depois a fundar as lendas do disco Chic.

Ainda no início da década de 1970, Kain tornou-se também actor de teatro, trabalhando com Joseph Papp, do Public Theater de Nova Iorque, em peças como The Black Terror, de Richard Wesley. Fez ainda parte de uma companhia de teatro composta apenas por actores negros e latinos, tendo como colega um ainda pouco conhecido Morgan Freeman. Esse grupo tinha como objectivo representar Shakespeare. Mudou-se, nos anos 1980, para os Países Baixos, trabalhando em teatro, poesia e música. Apareceu em filmes como a comédia Wings of Fame, de Otakar Votocek, de 1990. Gravou, em 1997, o disco a solo Feel This, assinando-o Baby Kain. O seu nome preferido recente era Kain the Poet. Trabalhou com o poeta e percussionista americano Z'EV e o grupo neerlandês Electric Barbarian.

Na década de 1990, a banda sonora de Right On! e o seu The Blue Guerrilla trouxeram-no de volta aos ouvidos das pessoas, mesmo que o seu nome não estivesse envolvido. Já tinha influenciado o rap, agora o rap vinha usar a sua própria voz. Dr. Dre pegou em samples de Kain para o seu The Chronic e Doggystyle, de Snoop Dogg. Os britânicos The Prodigy também pegaram na banda sonora de Right On! para Voodoo People, de 1994, dando o nome à canção. Já os KMD de MF Doom (à altura conhecido como Zev Love X) eram fascinados por The Blue Guerrilla e reviam-se no sentido de humor de Kain, tendo recorrido a frases do poeta ao longo do seu segundo (e derradeiro) álbum, BL_CK B_ST_RDS. Digable Planets, o trio de jazz rap, também recorreu à sua voz gravada em Reachin' (A New Refutation of Time and Space), o disco de estreia.

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