Miguel Pinto Luz: “Temos de acarinhar os 1,1 milhões de pessoas que votaram no Chega”

Vice-presidente social-democrata explica que se o PSD voltasse atrás no “não é não” a uma aliança com o Chega, seria “o início do fim da política”

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Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD Partido Social Democrata Nuno Ferreira Santos
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Miguel Pinto Luz acredita que a AD tem condições para levar a legislatura até ao fim em maioria relativa e faz o paralelismo com o primeiro Governo de Cavaco Silva, em 1985. O objectivo, explica o vice-presidente do PSD, em entrevista ao programa Hora da Verdade, do PÚBLICO-Renascença, é ter um ímpeto “reformista” capaz de “dar resposta” aos problemas dos portugueses, em especial, dos descontentes que escolheram votar no Chega nas últimas eleições.

O Chega venceu as eleições em Faro, precisamente, o distrito pelo qual foi cabeça de lista pela AD. Como é que explica este resultado?
A explicação para o resultado em Faro e a nível nacional, para 1,1 milhões de portugueses votarem no Chega, é a mesma: a total ausência de políticas que resolvam os problemas desses nossos concidadãos. Isso é um desafio enorme para os partidos ditos “moderados”, do centro, como o PSD e o PS, que não foram capazes nas últimas décadas – e, por isso, o mea culpa tem de ser feito de encontrar soluções para essas pessoas. É dramático, devo dizê-lo. Mas em abono do PSD, nos últimos 30 anos, o PSD governou sete e em situações muito difíceis.

Mas o PSD não conseguiu absorver estas pessoas.
A nossa agenda era mobilizadora, mas confrontámo-nos com uma realidade que é o cidadão dizer: 'Por que é que agora é que eu vou acreditar em vocês? Há 30 anos que andam a dizer que vão fazer barragens. Há 30 anos que dizem que vão resolver o problema do hospital de Faro. Há 30 anos que vão resolver os problemas dos transportes do Algarve.' São pessoas que estão absolutamente descrentes do sistema, absolutamente descrentes dos políticos e, pior, absolutamente descrentes das marcas partidárias existentes. E isso provocou o resultado que provocou.

Agora, temos de cerrar fileiras, ver aquilo que foram os nossos erros e apresentar soluções na área da segurança, saúde, área social, combate à corrupção. O Chega é um partido nacional-populista ou social-populista, apresenta uma agenda programática da esquerda à direita, vale tudo e mais alguma coisa. É contra esse populismo que temos de lutar, mas isso só se consegue fazendo políticas. A AD tem agora a oportunidade de mostrar que fazemos aquilo que prometemos, conquistando a pouco e pouco esse eleitorado.

Neste domingo, a AD ficou à frente por muito pouco. O resultado não soa a poucochinho? E agora, com este resultado, quais são as condições que a AD vai ter para, como diz, dar respostas aos problemas?
Sem rodeios, estávamos à espera de mais, sim. De muito mais? Difícil. É um resultado histórico a AD conseguir chegar à beira dos 30% e à sua direita existirem 25% de eleitorado. Eu vejo o copo meio cheio. O PSD continuou a ser um grande partido da democracia portuguesa. Que condições de governabilidade existem? Paradoxalmente, digo que existem muitas condições de governabilidade. Aliás, existe maior elasticidade de governação agora do que noutros cenários que teríamos no passado.

Posso comparar isto com o Governo de 1985. O PRD teve mais de um milhão de votos, muito similar àquilo que o Chega teve, e nós tivemos 29%. E foi talvez o Governo mais reformista. Foi tão reformista que garantiu que os portugueses acreditassem tanto no professor Cavaco que lhe deram duas maiorias absolutas a seguir. O que vai ter de acontecer é um governo de combate, um governo sólido, de homens e de mulheres de qualidade, liderados por um homem que já provou que, de facto, foi o adulto na sala nestas eleições.

Como é que se fazem reformas em minoria?
Eu quero perguntar à esquerda se votará a favor ou contra a redução do IRS. Quero perguntar à nossa direita, à Iniciativa Liberal e a todos os partidos à direita, se estão a favor, ou não, da nossa visão para a saúde, que é uma visão de complementaridade. O que é que a esquerda e mesmo a direita vão dizer em relação ao complemento social para idosos?

Não acredita na política de terra queimada do PS?
Se o fizer, será seguramente penalizado. O interesse dos portugueses tem de ser colocado primeiro. Agora vamos ver se o único adulto na sala era mesmo só Luís Montenegro, se existem ainda adolescentes ou na puberdade que possam crescer e ter o sentido de Estado que é exigido. O país não pode, não aguenta mais crises, não aguenta mais a política de terra queimada. Se formos por aí, a AD será beneficiada, porque a sua responsabilidade será premiada e os populismos voltarão também a crescer.

Estas duas dimensões deverão também preocupar o PS. Pedro Nuno Santos teve uma necessidade de fazer um discurso para dentro do PS, vai tentar uma limpeza étnica dentro do PS, preparando o partido à sua imagem, mas disse que o PS não punha a cabeça debaixo da areia, que não podíamos todos acreditar que 1,1 milhões de portugueses são xenófobos, são racistas, são fascistas. Não, são homens e mulheres que estão descontentes. O PS percebeu que há muitos votos no Chega do PS. Claro que também há do PSD, mas percebeu-se pelo resultado que não foi esvaziado muito em relação àquilo que aconteceu há dois anos. O PS foi esvaziado.

É possível conversar com este PS?
Quero acreditar que sim. Luís Montenegro tem dito que irá dialogar dentro do Parlamento. “Não é não” ficou claro. Será um governo do PSD e do CDS, e de independentes. O diálogo será nesse areópago máximo da democracia, que é o Parlamento.

O apelo que faz à responsabilidade do PS é apenas lei a lei ou para o Orçamento?
Estamos a falar de coisas distintas. Este governo começará a governar com o Orçamento que tem hoje e, portanto, a questão do orçamento rectificativo não sabemos se é necessário. Quando lá chegarmos é que vamos ver. Se existirem folgas, não será necessário rectificativo.

As medidas de que falou são prioridades nos primeiros 60 dias a par da Saúde?
Não quero antecipar. Isso caberá ao primeiro-ministro.

Acha que com este resultado o bipartidarismo acabou em Portugal?
Este resultado é claro no sentido de dizer que os dois maiores partidos da democracia portuguesa são o PS e o PSD. Não é a primeira vez [que surge um terceiro partido forte]. Voltemos a 1985, o PSD teve 29% e o PRD teve 1.000.048 votos.

O Chega é um fenómeno como o PRD?
Na altura, também havia muito descontentamento. Vínhamos de governos do bloco central que não conseguiram resolver [os problemas], vínhamos de bancarrotas sucessivas. O descontentamento, legitimamente, apareceu numa nova esperança. Este fenómeno já existiu em Portugal e ultrapassámos esse fenómeno. O bipartidarismo não acabou nesse dia.

O PRD não era um partido de extrema-direita.
Pedro Nuno Santos já lançou o epíteto de nacional-populismo ou social-populismo, porque já perceberam que para André Ventura vale tudo, vale políticas à esquerda e à direita. Ele ganha no distrito de Lisboa em bairros sociais e no Algarve em concelhos mais empobrecidos. André Ventura é um populista que vende tudo e o seu contrário, que defende de manhã uma coisa, à tarde outra. Isso não é credível, mas as pessoas votaram lá e, portanto, temos de ter cuidado com essas pessoas e temos de acarinhar esse eleitorado.

Há pouco comparou o actual momento com 1985. Está a dizer que a estratégia da AD agora é chegar à maioria absoluta através de eleições antecipadas?
O professor Cavaco nunca pediu uma maioria absoluta. As coisas acontecem. Temos de ter muito respeito pelo eleitorado. O que este governo tem de fazer, e imitar, é, isso sim, o Governo de 1985, fazer uma boa governação, colocar os interesses dos cidadãos primeiro.

E capturar também os temas da esquerda, por exemplo, pensões, salários?
Então isso não foi a agenda que a AD apresentou? Não é por acaso que a AD, com 25% do eleitorado à sua direita, consegue ter o score que consegue.

Como vê o Chega hoje em dia? É um parceiro para conversar?
Não estamos nada preocupados. Durante a campanha, não discutimos o Chega e continuamos a não discutir o Chega. O que nós queremos discutir é 1,1 milhões de cidadãos que votaram Chega, o que é diferente. Vamos fazer políticas para reconquistar a confiança desses 1,1 milhões de portugueses que estão descontentes.

Mas no Parlamento irão precisar de conversar.
No Parlamento, iremos apresentar as nossas medidas e o Chega, a IL, o PS, o Livre, o PAN dirão se estão a favor ou se estão contra. Estou muito curioso para perceber se o PS está a favor da redução do IRS, do complemento social para idosos, a questão dos polícias, a questão dos professores.

Em 2020 defendeu alianças com o Chega. Isso é ainda possível ou o contexto é outro?
Eu assumo as minhas posições do passado. A única atenuante que tenho é que o Chega dessa altura é manifestamente diferente do Chega agora. Radicalizou-se muito. Houve muita acrimónia, dividiu a sociedade, tentou encontrar muitas vezes papões que não existem, o Chega move-se por ódio. Nós movemo-nos por uma enorme paixão pelo país e por uma enorme preocupação pelos portugueses.

Está a dizer que a sua posição mudou.
Já o disse em sucessivas entrevistas.

Não há ninguém no PSD a defender um acordo com o Chega?
Na direcção, não. Nada dividida. Com Luís Montenegro, não é não. Se não fosse assim, estaríamos muito mal.

Já tivemos um irrevogável.
Mas o irrevogável não foi sancionado em eleições. Aqui é diferente. Houve um líder partidário que andou a dizer em eleições que “não é não” e houve 30% do eleitorado que votou nele. Dava o dito por não dito? Essas pessoas tinham o direito de se sentirem defraudadas. As pessoas abandonariam completamente a sua crença nos políticos e nos partidos.

Era o fim de Luís Montenegro?
Era o início do fim da política como a conhecemos. Luís Montenegro nunca mudou a sua posição. Foi correcto, directo e nunca vacilou e não vacilará daqui para a frente.

Como é que viu a notícia do Expresso de que o Presidente da República bloquearia uma solução que incluísse o Chega? Como um condicionamento da AD? Ajudou o eleitorado do Chega?
O nosso relacionamento com Belém é nas audiências oficiais que temos com o Presidente da República. E é nessas audiências que dialogamos com o Presidente da República e sabemos aquilo que ele pensa e aquilo que ele nos transmite.

O que espera do Presidente da República nesta legislatura? Espera que esteja a falar permanentemente da dissolução?
Não espero, nem deixo de esperar. Este Presidente da República é mais “vocal” do que outros. Cada um tem o seu estilo.

Acha que o Presidente da República pode exigir à AD um compromisso de maior estabilidade, nomeadamente, um compromisso para conseguir aprovar dois orçamentos?
O Presidente da República, legitimamente, pode pedir aquilo que quiser e a AD tem legitimidade e liberdade também para pensar aquilo que entender.

Esta legislatura tem condições para chegar ao fim?
Temos de pensar que sim. Não há condições para mais eleições antecipadas depois de tudo o que foram os últimos dois anos de enorme instabilidade. A responsabilidade dos partidos tem de vir ao de cima. Nós, AD, esperamos que esta legislatura chegue até ao fim. Vamos ver se existem condições de maturidade política dentro do Parlamento para que isso aconteça.

Há muitos anos que não havia um governo com tão poucos deputados. Isto obriga a negociar com mais do que uma força política. Como é que perante isso considera que há condições para ir até ao fim?
Já tivemos outros governos minoritários que tiveram essa capacidade. E estamos alicerçados no nosso programa, que é suficientemente humanista, suficientemente social-democrata, suficientemente progressista, que torna o trabalho da oposição um trabalho difícil. Vai ver daqui a uns meses ou daqui a uns anos quem é que tem razão.

Está confiante de que os partidos da oposição podem ter receio de novas eleições, é isso?
Isso é uma decisão que eles vão ter de tomar. Serão com certeza avaliados pelos portugueses. Aliás, todos vamos estar sobre um radar muito fino dos portugueses. Os portugueses estão muito atentos. Não foi por acaso que votaram mais.

Há pouco falava de diplomas em que ficaria muito surpreendido se o PS não os viabilizasse, mas não deu exemplos de diplomas em que espera o mesmo do Chega. Pode dar alguns?
Falei dos polícias.

O Chega quer dar à PSP e GNR o mesmo valor do suplemento que foi dado à PJ. O PSD nunca explicou exactamente o que iria dar.
Explicou, explicou. Luís Montenegro disse que mal tomasse posse iria reunir-se com essas forças policiais, mas também com outros grupos da administração pública em que as injustiças também existem.

Os militares?
Os militares, os enfermeiros, os médicos, os professores. Nós agora vamos ter tempo para concretizar. Não é numa entrevista a seguir a uma eleição que um vice-presidente do PSD pode dar respostas sobre isso.

Pode comentar a intenção do PCP de apresentar uma moção de rejeição ao governo?
Há muito tempo que deixei de comentar o PCP, porque tem tido posições absolutamente erráticas. É um partido institucionalista, sempre foi um partido preocupado com a democracia, mas tem-se tornado ao longo dos tempos um partido algo errático. A agenda do PCP é uma agenda quase de sobrevivência.

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