Espanha aprova amnistia, mas independentistas insistem na autodeterminação

O congresso amnistia todos aqueles que eram acusados de terem praticado crimes durante aquele processo, com a justificação de o terem feito em nome da independência da Catalunha.

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A lei foi aprovada pelo PSOE, Sumar e aliados independentistas e nacionalistas EPA/ZIPI
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O Congresso espanhol aprovou à segunda tentativa, esta quinta-feira, por 178 votos a favor e 172 contra, a Lei da Amnistia para a Normalização Institucional, Política e Social da Catalunha, que abrange os políticos que integravam a Generalitat, o governo catalão, durante o referendo de 2017. A lei, que já tinha sido aprovada na comissão de Justiça, não é pacífica entre os partidos e provoca óbvias divisões na sociedade espanhola.

A proposta de lei, redigida tendo em conta as exigências do antigo presidente catalão Carles Puigdemont, que fugiu para Bruxelas para evitar a justiça, foi aprovada pelo PSOE, Sumar e aliados independentistas e nacionalistas. Depois deste passo, a mesma segue agora para a fase seguinte, não menos complicada: o Senado. Acontece que o PP tem maioria absoluta nesta câmara e não é segredo para ninguém que a tentará travar ao máximo, o que significa que voltará à câmara dos deputados para a aprovação final.

O PSOE e o partido Juntos pela Catalunha (Junts) de Puigdemont fizeram uma alteração recente à lei da amnistia, para que esta incluísse as acusações de “terrorismo”, com a excepção de esses actos terem como “intenção directa” provocar uma “violação grave dos direitos humanos”.

Esta alteração foi ao encontro dos partidos independentistas, abrange o próprio Puigdemont e alarga a aplicação da amnistia aos Comités de Defesa da República, que foram criados em antecipação do referendo de 2017. Na prática, o congresso amnistia todos aqueles que eram acusados de terem praticado crimes durante aquele processo, com a justificação de o terem feito em nome da independência da Catalunha. O PP tentou, até ao fim, evitar a inclusão destas alterações, mas em vão, uma vez que a mesa da comissão de Justiça é detida em maioria pelo PSOE e Sumar. A votação decorreu num contexto controverso, uma vez que o governo esteve a contas com o caso Koldo e um dia depois da demissão do governo catalão e da consequente antecipação de eleições, por causa das rejeições orçamentais.

Reconciliação ou submissão?

Para o porta-voz do PSOE, Patxi López, a lei destina-se a “pôr termo ao tempo de confronto e abrir o tempo de reconciliação e do encontro”, mas, para o líder do Partido Popular, Alberto Núñez Feijóo, não se trata de “reconciliação”, mas sim de “submissão”. Feijóo, citado pelo El Mundo, afirmou que o governo e os seus parceiros “são agentes de instabilidade política e só defendem os seus interesses pessoais agindo com chantagem”.

“Vocês aceitaram tudo”, sublinhou, numa alusão ao facto de os socialistas terem aceitado todas as exigências de Puigdemont. Feijóo considera que tudo isto faz parte da “corrupção” que Sánchez desdobrou “para continuar a ser presidente do governo”. "Esta lei divide a Espanha em duas e divide a Catalunha em duas”, disse, alertando que tanto o Junts quanto a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) “já estão a preparar uma nova fase de unilateralidade".

O líder popular não deixou escapar a turbulência regional, para prever que “as eleições catalãs marcarão o fim deste governo” e garantir que a lei da amnistia não passará pelo filtro do “senado, do Tribunal Constitucional, da justiça europeia e, acima de tudo, da rua".

No campo oposto, Patxi López defendeu a lei e acusou o PP de pretender “corromper o Estado e incendiar a Catalunha”. Segundo López, “a tempestade acalmou” e, “agora, com a amnistia, pretende-se completar o círculo e abrir a fase da reconciliação”, que o próprio considera que se pode traduzir na vitória socialista nas eleições marcadas para 12 de Maio na Catalunha.

Entre os partidos catalães, o Junts, que votou contra no primeiro debate, batia-se por uma amnistia abrangente, que não deixasse ninguém de fora e que fosse “imediatamente aplicável”, como defendeu o deputado Josep María Cervera, e a ERC argumentava que a aprovação da lei era necessária, mas não suficiente para resolver o conflito político de forma democrática, típico das sociedades maduras, como alegava Pilar Vallugera, deputada ao Parlamento Europeu, ambos citados pelo El País.

O Junts não se absteve de criticar o Estado pela “repressão” que, na sua opinião, foi desencadeada “sob medida” contra os separatistas e a direita espanhola “reaccionária”. Josep María Cervera fez questão de afirmar que a lei não foi apoiada pelo PSOE “por convicção”, mas por conveniência. Isso não o impede de reconhecer que a lei é a melhor possível, porque será “completa e integral”, ao incorporar todas as suas exigências e, além disso, abrirá uma nova etapa para “negociar de igual para igual com o Estado espanhol o futuro da Catalunha”.

O próprio Puigdemont reagiu logo a seguir. "Espero que se entenda que, assim que a amnistia entrar em vigor, podemos fazer política, pelo menos em termos de alguma igualdade", disse o antigo presidente catalão no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Carles Puigdemont garantiu que a amnistia não é "um ponto final em nada", mas "uma condição necessária, mas não suficiente para resolver o conflito", e anunciou que irá dizer, provavelmente na próxima semana, se será candidato à Generalitat após a convocação de eleições antecipadas.

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A ERC, através de Pilar Vallugera, falou de “um grande dia” e foi muito clara quanto às intenções do partido. Segundo ela, a lei coloca novamente os independentistas “em condições de avançar para a próxima etapa” na resolução do conflito político catalão: “O exercício do direito à autodeterminação.”

O Sumar defendeu que votar contra a amnistia é “apostar na confrontação e usar o passado para impedir o progresso”. O PNV, também a favor, acusou a alta judicatura espanhola de “perseguição obsessiva” aos independentistas, salientando que os factos provocados por estes foram “erros”.

“A amnistia é um ponto final que ajudará a normalizar a situação na Catalunha”, afirmou Mikel Legarda, porta-voz do partido basco. O EH Bildu, igualmente basco, considerou que esta lei “entrará para a história” e que se trata de “uma norma justa que retira dos tribunais o que nunca deveria ter chegado a eles”, na expressão do deputado Jon Iñarritu.

Naturalmente, o partido Vox tem uma posição diametralmente oposta. O seu líder, Santiago Abascal, foi peremptório: o Congresso “comete hoje [quinta-feira, dia 14 de Março] um colossal acto de corrupção, porque a amnistia foi uma compra de votos para alcançar o poder”. Acrescentou Abascal que “uns foragidos humilham o Congresso e o Congresso a todos os cidadãos. Basta ver a tribuna de convidados, uma caverna de foragidos, com um delinquente condenado”, disse, referindo-se a Oriol Junqueras, líder da ERC, condenado pelo Supremo e indultado pelo governo. Para o líder do Vox, o chefe da “quadrilha de foragidos” é o primeiro-ministro Pedro Sánchez.

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