Noruega dá “uma mãozinha” para salvar raposas-do-árctico da extinção

Investigadores na Noruega tentam proteger as raposas-do-árctico das alterações climáticas. Com sérias dificuldades em encontrar comida, as raposas não são a única espécie em risco de extinção na zona.

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Uma a uma, as portas dos caixotes abrem-se e cinco raposas-do-árctico partem para a paisagem nevada.

Nas regiões selvagens do Sul da Noruega, as raposas recém-libertadas podem ter dificuldade em encontrar comida suficiente, uma vez que os impactos das alterações climáticas tornam mais escassas as presas tradicionais das raposas: os roedores.

No Parque Nacional de Hardangervidda, onde as raposas foram libertadas, desde 2021 que não houve um bom ano de lemingues, uns pequenos roedores, dizem os conservacionistas.

É por isso que os cientistas que criam as raposas em cativeiro mantêm mais de 30 postos de alimentação em todo o deserto alpino, abastecidos com ração para cães — um passo raro e controverso nos círculos de conservação.

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A alimentação suplementar oferecida às raposas foi "crucial para aumentar o número de raposas do Árctico", dizem investigadores Lisi Niesner/REUTERS
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“Se não houver comida para elas, o que é que se faz?”, questiona Craig Jackson, biólogo conservacionista do Instituto Norueguês de Investigação da Natureza, que está a gerir o programa da raposa em nome da agência ambiental do país.

Esta questão tornar-se-á cada vez mais urgente à medida que as alterações climáticas e a perda de habitats empurrem milhares de espécies do mundo para o limite da sobrevivência, perturbando as cadeias alimentares e deixando alguns animais à fome.

Enquanto alguns cientistas dizem que é inevitável que precisemos de mais programas de alimentação para evitar extinções, outros questionam se faz sentido apoiar os animais em paisagens que já não os podem sustentar.

No âmbito do programa estatal de recuperação das raposas-do-árctico, a Noruega alimenta a população há quase 20 anos, com um custo anual de cerca de 3,1 milhões de coroas norueguesas (275 mil euros), e não tenciona parar tão cedo.

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Desde 2006, o programa ajudou a aumentar a população de raposas de apenas 40 na Noruega, Finlândia e Suécia para cerca de 550 actualmente na Escandinávia.

Com os programas de alimentação, "a esperança é que se consiga fazer com que uma espécie ultrapasse um limiar crítico", diz Andrew Derocher, biólogo de vida selvagem da Universidade de Alberta, no Canadá, que trabalhou no Árctico norueguês, mas não está envolvido neste programa das raposas.

No entanto, com o habitat árctico das raposas a aquecer cerca de quatro vezes mais depressa do que o resto do mundo, o biólogo alerta que não sabe “se vamos chegar a esse ponto".

Dores de fome

Alimentar os animais para garantir a sobrevivência de uma população – aquilo que se designa por "alimentação suplementar" — pode ser polémico.

A maioria dos casos são uma situação temporária, em que se fornece alimentos durante alguns anos para ajudar os animais recém-libertados ou recolocados a adaptarem-se, como foi o caso do lince-ibérico durante a década de 2000.

Noutros casos, os governos podem ajudar animais em grave perigo, como aconteceu com a decisão da Florida de alimentar com alface-romana os manatins famintos de 2021 a 2023, depois de a poluição agro-química ter destruído a sua reserva de ervas marinhas.

Ainda assim, existem algumas excepções. O Governo da Mongólia, por exemplo, tem vindo a distribuir pellets contendo trigo, milho, nabos e cenouras para os ursos-de-gobi, em perigo crítico de extinção, desde 1985.

Mas, para os predadores que vivem perto de comunidades humanas, isso pode ser arriscado. Os ursos são conhecidos por alterarem o seu comportamento e podem associar as pessoas à comida, explica o biólogo croata Djuro Huber, que tem aconselhado os governos europeus sobre a alimentação de grandes carnívoros.

A alimentação de animais selvagens também pode propagar doenças entre a população, uma vez que os animais se agrupam em torno de estações de alimentação, onde os agentes patogénicos podem proliferar.

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Bjorn Rangbru, conselheiro para as espécies ameaçadas da Agência Norueguesa do Ambiente, defende que a alimentação suplementar – em conjunto com o programa de reprodução – foi crucial para aumentar o número de raposas-do-árctico na natureza. "Sem estas medidas de conservação, a raposa-do-árctico ter-se-ia certamente extinguido na Noruega", acredita.

Até à data, o Governo gastou 180 milhões de coroas norueguesas (15,9 milhões de euros) no programa, ou seja, cerca de 34 mil euros por cada raposa libertada.

Algumas dessas raposas atravessaram a fronteira com a Suécia. Depois de cientistas noruegueses terem libertado 37 raposas perto da fronteira finlandesa entre 2021 e 2022, a Finlândia viu nascer a sua primeira ninhada de raposas-do-árctico na natureza desde 1996.

Mesmo assim, o programa não está nem a meio caminho do objectivo de cerca de 2000 raposas selvagens em toda a Escandinávia, que os cientistas dizem ser o tamanho necessário da população para ser possível suportar naturalmente os anos de baixa de roedores.

Raposas inconstantes

Apesar de a situação merecer preocupação, as raposas-do-árctico não são a única espécie em apuros na região. Os ursos-polares estão a perder rapidamente o seu habitat de caça à medida que o gelo no mar do Árctico derrete. Por vezes, as renas migratórias chegam às pastagens de Verão e descobrem que perderam o crescimento das plantas devido a uma Primavera mais quente do que o habitual.

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As raposas foram levadas à quase extinção em toda a Escandinávia por caçadores que procuravam o seu pêlo branco de Inverno, antes de obterem algum alívio com as proibições de caça e as protecções introduzidas nas décadas de 1920 e 1930.

Desde então, a raposa-do-árctico tornou-se um símbolo do Norte da Península Escandinava. Está presente nos logótipos do Conselho do Árctico e da marca sueca Fjallraven.

Na Lapónia finlandesa, as auroras boreais são chamadas revontulet, que significa "fogos de raposa". A lenda diz que as luzes foram acesas pelo grande espírito da raposa, que varria a sua cauda contra a neve e a espalhava para o céu nocturno.

No entanto, com o declínio das populações de roedores, as raposas-do-árctico têm tido dificuldade em recuperar por si próprias. E este tem sido um ano particularmente difícil para o programa de reprodução em cativeiro.

Normalmente, Jackson e a colega e líder do projecto Kristine Ulvund teriam cerca de 20 crias para libertar. Mas, dos oito casais reprodutores em cativeiro, apenas quatro fêmeas deram à luz na Primavera passada — duas das quais perderam toda a ninhada.

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Nove crias acabaram por ser criadas no recinto vedado ao ar livre perto de Oppdal, um local remoto cerca de 400 quilómetros a norte de Oslo. Duas crias foram mantidas para fazerem parte de futuros esforços de reprodução. Depois, as águias-reais apanharam outras duas, poucas semanas antes da sua libertação a 8 de Fevereiro, deixando apenas cinco.

Sobreviver no meio da natureza pode ser difícil. Enquanto a população selvagem ronda actualmente os 300 animais na Noruega, os cientistas criaram e libertaram cerca de 470 raposas desde o início do programa.

Na natureza, as raposas vivem apenas três a quatro anos. Além de se esquivarem dos predadores, as raposas precisam de caçar lemingues suficientes para sobreviver ao longo Inverno.

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As alterações climáticas estão a dificultar esta tarefa, uma vez que a subida das temperaturas faz com que a precipitação caia mais frequentemente sob a forma de chuva em vez de neve. Quando essa chuva congela, pode impedir os lemingues de se enterrarem nas tocas para se aquecerem e reproduzirem.

Os ciclos populacionais dos roedores, outrora fiáveis — em que o número de roedores aumentava e diminuía em intervalos regulares de três a cinco anos —, tornaram-se imprevisíveis e os picos populacionais são mais baixos.

As raposas parecem preferir caçar por si próprias. "Vemo-las passar pelas estações de alimentação com a boca cheia de roedores", diz Kristine Ulvund. Isto acontece porque os roedores são presumivelmente mais suculentos e saborosos do que a ração seca para cães oferecida.

Os cientistas afirmam que as raposas ainda só se reproduzem muito bem quando há um pico na população de roedores. Mas um estudo de 2020 publicado no Journal of Wildlife Management descobriu que as raposas em tocas localizadas perto das estações de alimentação tinham maior probabilidade de se reproduzir com sucesso do que as que se encontravam mais longe.

"Precisamos de levar as populações a um nível sustentável antes de deixarmos de as alimentar", apela Ulvund. À taxa de crescimento actual, os cientistas afirmam que poderão ser necessários mais 25 anos para atingir o objectivo do programa de 2000 raposas-do-árctico em liberdade na Escandinávia — desde que as raposas fiquem de barriga cheia.

"Já percorremos um longo caminho", diz Ulvund. "Mas acho que ainda temos um longo caminho a percorrer antes de podermos dizer que salvámos realmente a espécie."