Dinheiro para as universidades contratarem cientistas só está garantido em 2024

A ministra Elvira Fortunato tinha avançado que seriam inscritos 20 milhões de euros para contratar cientistas precários para “todos os anos”. Afinal, esta verba só está garantida para 2024.

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Elvira Fortunato: as garantias de financiamento às universidades apenas existem para 2024 António Pedro Santos/LUSA
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Ao contrário do que a ministra Elvira Fortunato afirmou em entrevista ao PÚBLICO, os 20 milhões de euros atribuídos às universidades para contratar investigadores precários através do programa FCT-Tenure não serão “todos os anos”. Esta verba apenas está inscrita no Orçamento do Estado para 2024, não se tornando permanente – ou seja, se o próximo Governo a quiser excluir no próximo ano, poderá fazê-lo.

Questionada sobre o programa FCT-Tenure, que pretende atribuir vagas às instituições para contratar cientistas com contratos a prazo (tanto para a carreira de docente como de investigação), a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior referiu a inscrição de uma verba no Orçamento do Estado para apoiar as instituições de ensino superior nestas contratações.

“São 20 milhões de euros [no Orçamento] e estamos agora a ver como vamos transferi-los já para as instituições. São 20 milhões de euros que ficam para sempre”, respondeu na entrevista recentemente publicada. Sobre o que significa este “para sempre”, adiantou: “É todos os anos. Para já, são 20 milhões de euros, e a ideia é, até, aumentar este valor, porque o sistema científico está a crescer, há mais bocas e temos de ter mais verbas para as alimentar.”

No entanto, o gabinete do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) esclareceu, entretanto, ao PÚBLICO que esta verba só está garantida para este ano. “Está aprovada para 2024, sendo desejável que continue nos anos seguintes como um compromisso para o apoio e reforço da investigação nas instituições de ensino superior”, lê-se na resposta enviada por email.

O mecanismo de financiamento para apoiar a contratação de doutorados para a carreira de investigação científica constava da proposta de contrato de legislatura para o período 2024-2027, que estava a ser delineado antes da queda do Governo, em Novembro do ano passado – e que, portanto, ficou sem efeito. Assim, apenas pôde ser inscrita esta verba no Orçamento do Estado para 2024. A inscrição permanente desta despesa poderia ser feita incluindo a despesa para ciência no modelo de financiamento das instituições, como sugere Paulo Jorge Ferreira, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP).

Agora, estes 20 milhões de euros serão distribuídos pelas instituições apenas para este ano, no qual foram abertas 1000 vagas para a colocação destes investigadores.

Faltam garantias, dizem reitores

Paulo Jorge Ferreira mostra algumas reticências sobre o sucesso desta medida, que, ainda assim, considera uma solução que “deve ser saudada”. As reticências, ainda assim, prendem-se precisamente com o financiamento. “Se estes 20 milhões de euros desaparecerem no futuro, não teremos como fazer face a estas despesas adicionais”, diz o também reitor da Universidade de Aveiro.

“Na actual situação política, o horizonte temporal previsto [até 2027] não tem lugar. Por isso, o máximo que se pode assegurar é o orçamento para 2024. É isso que preocupa os reitores”, admite. O sucesso do programa não está em causa, apesar de não serem adiantadas quaisquer previsões por estarmos a meio do concurso, que encerra a 1 de Março.

O FCT-Tenure vai abrir concursos para a carreira de investigação e de docência que serão pagos, em parte, pela própria Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), principal organismo de financiamento científico em Portugal (e que está na dependência do MCTES). O concurso em vigor atribuirá 1000 vagas às instituições de ensino superior (em 2025, estão previstas mais 400 vagas), que depois abrirão concursos para preencher esses lugares.

No caso da integração na carreira docente, a FCT pagará dois terços dos custos durante três anos do contrato – e depois disso a despesa caberá às instituições. Já na carreira de investigação, a FCT pagará dois terços dos custos durante três anos e ainda um terço dos custos nos três anos seguintes de contrato. Os 20 milhões de euros que são dotados às universidades pretendem colmatar os custos que serão imputados neste primeiro ano. “Este valor cobre a nossa parte da despesa em 2024. A preocupação é com os outros anos...”, diz Paulo Jorge Ferreira.

A preocupação dos reitores é que o financiamento se esfume e as universidades fiquem com a despesa permanente sem um reforço do dinheiro colocado pelo Governo nas suas instituições – o reforço financeiro das universidades tem sido uma das reivindicações constantes do CRUP. “As dotações [orçamentais] do Estado não cobrem sequer as despesas com salários das instituições de ensino superior”, acrescenta Paulo Jorge Ferreira.

A precariedade na investigação científica é um problema com décadas no sistema científico nacional, com os contratos a prazo a dominarem o emprego na ciência em Portugal. Por exemplo, desde 2017 que apenas 7,5% dos novos contratos no sistema científico português não eram precários, segundo os dados recolhidos pelo PÚBLICO no Observatório do Emprego Científico e Docente.

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