Instituições, migrações e desenvolvimento – Um olhar crítico sobre Portugal

O verdadeiro elevador social é a meritocracia, que pressupõe uma educação exigente e acessível a todos – os sinais claros de retrocesso na exigência e acessibilidade da educação são preocupantes.

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Os economistas Daron Acemoglu e James Robinson publicaram, em 2012, o livro Why nations fail: the origins of power, prosperity, and poverty, que ajuda a compreender as causas do atraso português em geral e do medíocre desempenho recente. Os autores constatam que são as instituições que estão na base do êxito ou fracasso económico, observando que as mesmas pessoas podem viver em pobreza extrema num país e prosperar quando mudam para outro.

É exatamente o que se passa com a maioria dos emigrantes portugueses, em particular das novas gerações mais qualificadas, que constituem um elevado investimento do país – mais concretamente dos próprios, dos pais e dos contribuintes – e, por falta de condições de vida dignas em Portugal (posto de trabalho bem pago, adequado às qualificações, e com perspetivas de carreira, capaz de assegurar um bom futuro para o próprio e a sua família), saem do nosso país e prosperam noutros países da União Europeia (UE).

Trata-se de países com melhor qualidade das instituições e (de forma associada) das políticas públicas, que contribuem para economias bem organizadas e produtivas capazes de gerar um elevado nível de vida, conseguindo atrair emigrantes qualificados como os portugueses, cujo capital humano beneficia assim as respetivas economias e não Portugal, o seu país de origem. É, por isso, fácil de perceber que um mesmo trabalhador seja mais produtivo nesses países do que em Portugal, seja por estar inserido numa empresa ou organização mais bem gerida e produtiva – do mesmo setor ou de outro setor mais avançado que possa não existir ou esteja ainda pouco desenvolvido em Portugal –, que remunera melhor o esforço e a produtividade, seja porque o posto de trabalho se adequa melhor às qualificações. Penso que todos conhecem exemplos de emigrantes que prosperam lá fora e que cá não tinham condições para tal, sentindo tristeza pela incapacidade de os nossos governantes alterarem este estado de coisas.

De forma semelhante, Portugal tende a atrair imigrantes de países com menor grau de desenvolvimento para as áreas em maior crescimento, que nos últimos anos estão, fundamentalmente, ligadas ao turismo. À medida que a economia, desejavelmente, se diversifique para áreas de maior intensidade em conhecimento e tecnologia, gerando um maior valor acrescentado e nível de vida – o que requer políticas públicas integradas para aumentar a competitividade da economia de forma transversal, incluindo a nível fiscal, nomeadamente na componente salarial –, tenderá a atrair imigrantes mais qualificados sem necessidade de apoios fiscais específicos como o regime dos “Residentes Não Habituais” (recentemente terminado para novos beneficiários), pois a fiscalidade deve ser competitiva para todos os residentes.

Acemoglu e Robinson mostram que o sucesso de um país, a prosperidade moderna, surge quando as instituições são inclusivas e pluralistas, garantindo igualdade de oportunidades para todos e criando os incentivos certos para que cada um se aproprie dos “frutos” do seu sacrifício. Desse modo, é possível liberar o potencial criativo das pessoas e das nações, construir uma economia competitiva, gerar mais riqueza para empresas, trabalhadores e Estado, e criar um círculo virtuoso que impulsiona o progresso e a distribuição equitativa de bem-estar.

No fundo, é preciso criar incentivos e condições para instituir, de forma transversal na economia e na sociedade, uma cultura de meritocracia, que é um pilar essencial de uma economia mais produtiva e de um país mais desenvolvido e justo, em que cada um pode ascender por si com o seu trabalho e não porque tem acesso ao conhecido “fator C(unha)” ou porque nasceu em “berço de ouro”. O verdadeiro elevador social é, por isso, a meritocracia, que pressupõe, nomeadamente, uma educação exigente e qualificada acessível a todos os que estão dispostos a trabalhar e ascender com o seu esforço – os sinais claros de retrocesso na exigência e acessibilidade da educação são, por isso, preocupantes. Se o esforço e a produtividade forem bem remunerados em Portugal, a necessidade de emigração será certamente muito menor.

Para tal, é também crucial criar condições para reter e atrair investimento estruturante e capaz de gerar um elevado valor acrescentado. O que se verifica é que, quase 40 anos depois da adesão à CEE, de “bazucas” de fundos comunitários e de uma dívida gigantesca, os rendimentos outrora assentes na agricultura e indústria pouco competitivas ancoram-se agora no turismo, call centers e caixas de supermercado. É preciso gerar condições e incentivos adequados para impulsionar os setores mais produtivos, sejam eles quais forem nesta economia crescentemente tecnológica, que hibridiza áreas de atividade e ultrapassa as tradicionais divisões entre setores – a este respeito, convém lembrar os maus resultados das “escolhas” ou “sugestões” de setores por parte de governos passados, estando ainda na memória o desaparecimento da Portugal Telecom com a aposta no mercado do Brasil tão incentivada pelo Governo de José Sócrates.

É, por isso, preocupante, que o novo líder do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, tenha destacado, durante o recente Congresso PS, que o Estado tem “a obrigação de fazer escolhas quanto aos setores e tecnologias a apoiar”. Penso que a sociedade portuguesa não deve nem quer regressar a um passado de más escolhas “paternalistas” ou mesmo “intervencionistas” do Estado na economia. Devem ser os agentes económicos a escolher os setores em que se devem posicionar, cabendo ao Estado remover barreiras ao investimento e custos de contexto, bem como assegurar um papel regulador que não prejudique a inovação – um equilíbrio nem sempre fácil de conseguir em face do rápido progresso tecnológico e das questões que suscita, nomeadamente a nível ético –, tendo em conta o enquadramento europeu.

No que se refere à necessidade de uma distribuição equitativa de bem-estar, o desempenho recente é dececionante. Na verdade, a coesão nacional tem vindo a deteriorar-se, com as disparidades entre ricos e pobres e entre litoral e interior a agravaram-se, e os serviços públicos (saúde, educação e justiça, nomeadamente) a degradaram-se nos últimos anos, sendo também muito preocupante a incapacidade do Governo na área da habitação, pois cada vez mais portugueses não ganham o suficiente para arrendar ou comprar uma casa.

Muita coisa tem que mudar para que Portugal consiga inverter o atual rumo negativo e passar do atual círculo vicioso de más instituições/políticas, empobrecimento e desigualdade para o círculo virtuoso que referem Acemoglu e Robinson, de boas instituições/políticas, meritocracia, riqueza e distribuição equitativa do bem-estar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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