Pesca global de tubarões subiu. Portugal registou 203 mil capturas num ano

A mortalidade global dos tubarões associada à pesca está a subir, mostrando que as regras de protecção estão a falhar, sugere estudo da Science.

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Tubarão sendo arrastado para a lota em Mahachai, na província tailandesa de Samut Sakhon, em 2015 Damir Sagolj/REUTERS
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A mortalidade global dos tubarões associada à pesca está a aumentar – isto apesar de, ao longo das últimas duas décadas, estas espécies estarem entre os animais selvagens mais ameaçados do mundo. Portugal integra a lista dos países que capturam tubarões, tendo sido responsável pelo abate de mais de 200 mil indivíduos por ano entre 2017 e 2019. A conclusão surge num estudo publicado esta quinta-feira na revista científica Science.

A grande mensagem do nosso estudo é que a mortalidade de tubarões continua altíssima no mundo todo, tendo crescido nas áreas costeiras e diminuído em águas internacionais. E que, apesar de as legislações que tentam regular pesca terem aumentado dez vezes nos últimos 30 anos, a mortalidade de tubarões continua muito alta”, explica ao PÚBLICO o cientista brasileiro Leonardo Manir Feitosa, um dos co-autores do estudo da Science.

A média anual de captura de tubarões em Portugal foi de 203.000 indivíduos entre 2017 e 2019. Este valor colocaria Portugal no 36.º lugar num ranking da pesca internacional de tubarões, mas esses dados devem ser interpretados com algumas ressalvas, avisa Leonardo Feitosa. Na lista, é considerada apenas a contagem de tubarões pescados dentro da Zona Económica Exclusiva (ZEE) de cada país.

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Os tubarões-brancos (Carcharodon carcharias) estão classificados como uma espécie vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza REUTERS/WWF-Canon/Wildlife Pictures/Jerome Mallefet

Usámos duas bases de dados distintas para fazer o cálculo de capturas. O número de 203.000 indivíduos aplica-se somente às águas da ZEE de Portugal. Isso também não significa que somente barcos de Portugal pescaram nessa região. Outra ressalva é que esses números não incluem a pesca feita por barcos portugueses em oceano aberto, portanto esse valor provavelmente seria maior se incluíssemos a pesca em oceano aberto também, esclarece o investigador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

Portugal ocupava em 2022 o segundo lugar na exportação mundial de carne de tubarão, de acordo com a Associação Natureza Portugal, que trabalha em parceria com a internacional World Wide Fund for Nature (WWF).

Comércio de barbatanas

As regras criadas ao longo das últimas décadas não foram suficientes para limitar as práticas de extracção das barbatanas de tubarão, nem para reverter a sobrepesca destas espécies, sugere o estudo.

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Mais de dez mil pedaços de barbatanas de tubarão a secar numa fábrica em Hong Kong em 2013 REUTERS/Bobby Yip

A retirada de barbatanas aos tubarões é ilegal na União Europeia desde 2003. A técnica, conhecida em inglês como finning, consiste no corte desta protuberância e na devolução do tubarão ao mar. Os animais devolvidos ao oceano ainda vivos são condenados a uma morte lenta por asfixia, uma vez que precisam de nadar para respirar.

“Acredito que a nossa maior surpresa tenha sido que o crescimento não só no número, mas também na abrangência geográfica das legislações existentes para gerir a captura de tubarões, não surtiu efeito na diminuição da mortalidade associada à pesca”, diz Leonardo Feitosa.

Os cientistas constataram que a mortalidade de tubarões associada à pesca continuou a subir ao longo dos últimos 17 anos, aumentando de pelo menos 76 para 80 milhões de tubarões mortos anualmente. Desse total de indivíduos, cerca de 25 milhões correspondem a espécies ameaçadas de extinção.

Para obter estas estimativas, os cientistas tiveram de reunir todos os dados disponíveis sobre captura de tubarões, assim como as regras divulgadas por países e organizações ligadas à pesca. A partir deste volume de informação, os autores conseguiram estimar padrões globais de mortalidade por pesca de tubarões entre 2012 e 2019.

“No estudo, conseguimos indicar quais políticas de gestão da pesca e controle de mortalidade funcionaram e não funcionaram até agora. Creio que uma das grandes mensagens do estudo é que temos que expandir as políticas que funcionaram para localidades onde essas políticas não existem”, afirma o cientista brasileiro.

Leonardo Feitosa acredita que o estudo pode encorajar os cidadãos a pressionar os governos a adoptar medidas de conservação mais robustas, especialmente nas águas costeiras, área onde foi detectado um aumento na mortalidade de tubarões.

Se, por um lado, é verdade que os autores constataram que houve uma queda da pesca local e regional dos tubarões, por outro, a legislação alargada para limitar a remoção das barbatanas pouco efeito teve na mortalidade global. Nalguns casos, refere uma nota de imprensa, pode até ter encorajado essa prática ao incentivar a utilização da totalidade do corpo do animal, criando assim novos mercados para produtos de tubarão.

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